A literatura “suja” do escritor cubano Pedro Juan
Gutiérrez
por Vilto Reis
Artigo publicado Homo Literatus
“Sexo não é
para gente escrupulosa. Sexo é um intercâmbio de líquidos, de fluidos, de
saliva, hálito e cheiros fortes, urina, sêmen, merda, suor, micróbios,
bactérias. Ou não é?”
- Pedro Juan
Gutierrez, em Trilogia Suja de Havana
Alguns diriam que ele é o protótipo do “macho
tropical”, apesar de ser branco. Mas sua latinidade, sem dúvidas, reflete-se em
sua literatura, categorizada como “realismo sujo”. A crítica americana, via The
New York Times, comparou-o a escritores como Henry Miller, Jean Genet e, ao
velho tarado, Charles Bukowski. Em tempos onde se proliferam as narrativas com
apelo feminista e de outras, ditas, “minorias”, Gutiérrez, segundo o crítico do
Times, é “um escritor exuberante e macho. [...] não apenas faz seu narrador
acreditar que o sexo é a única razão para viver, como faz o leitor pensar que
se enganou ao imaginar que houvesse algo mais importante’.
Nascido em 1950, em Matanzas, capital da província
cubana homônima, Gutiérrez já atuou como vendedor de sorvete, cortador de cana,
professor de teoria marxista, especialista em explosivos do exército e quase
cafetão. O último emprego, antes de se dedicar inteiramente à literatura, foi
como jornalista. Após viajar para a Espanha, com o intuito de promover a
Trilogia Suja de Havana, foi demitido da revista em que escrevia. A desculpa foi
que havia abandonado o posto de trabalho. Contudo, o escritor afirma: “Fui
banido da profissão”. Em seu site oficial, Gutiérrez conta que um amigo que o
viu preocupado disse: “Alegra-te. Convém o que acontece. Agora tens todo o
tempo para escrever”.
Aliás, foi isso que ele fez a partir daí. Entre 1998 e
2003 publicou os cinco livros do “Ciclo do Centro Havana”, três livros de
poesia e uma novela policial. Dois de seus livros conquistaram prêmios
notáveis: Animal Tropical, o prêmio espanhol Alfonso García-Ramos de Romance
2000; e Carne de Cachorro, o prêmio italiano Narrativa sur del mundo de 2003.
Depois publicou Nosso GG em Havana (2004), O Ninho da Serpente: Memórias do
Filho do Sorveteiro (2005); e Coração Mestiço (2007); todos romances.
Seu livro mais famoso, Trilogia Suja de Havana, foi
publicado em outubro de 1998, pela editora Anagrama, de Barcelona. As histórias
que compõem o livro se passam na década de 90, no auge duma das maiores crises
financeiras de Cuba. O personagem principal, o próprio Pedro Juan Gutiérrez, é
um ex-jornalista, de 44 anos, que vive num velho edifício de Havana. Seu
objetivo de vida se resume a três coisas: sobreviver através de pequenos bicos
(conseguindo o rum de cada dia); fazer sexo (como o maior número de mulheres
possíveis, sem compromisso); e conseguir certa “iluminação” pessoal, a paz
interior.
Em entrevista concedida à Playboy, em 2001, o escritor
declarou que passou por muitas dificuldades neste período: “Trabalhava em uma
revista e ganhava um salário de 3 dólares por mês. Se comprasse 30 ovos, o
dinheiro acabava. E ainda vivia com meu filho adolescente”. Contudo, nega que
tenha comido fígado humano, como num dos contos da Trilogia Suja de Havana.
Como se virava? Bem, ele tinha alguns amigos; e sempre que o visitavam, quando
perguntavam como podiam ajudar, Gutiérrez lhes pedia:
“[...] que quando voltassem aos seus países me
enviassem coisas. Podia ser material de propaganda, como bonés e camisetas com
slogans, o que fosse. Eles mandavam pacotes com canecas, isqueiros, chaveiros,
porcarias que conseguiam em discotecas e bares. Eu revendia esses objetos para
ter como sobreviver. Dava uma parte das coisas para a minha mãe, que me ajudava
a negociar e me dava comida. Minha mãe sempre foi melhor negociante do que eu,
por falar nisso. Eu era um zero à esquerda. Ela me chamava duas vezes por
semana em sua casa e dizia: ‘Olha, consegui um pouco de arroz, feijão e carvão.
Leva um pouco para você’.”
Pedro Juan Gutiérrez em Havana
Dura vida. Dura literatura
Apesar de ser comparado, até pelo seu viés de
autoliteratura, a Jack London, Henry Miller e Charles Bukowski, Gutiérrez
afirmou que não os conhecia até 1999. “[...] não são conhecidos em Cuba”, disse
ele em entrevista à Revista Bravo.
Na mesma entrevista, o cubano contou que desde os 7
anos de idade passava horas na biblioteca de Matanzas. Aos 13 anos, escreveu
seu primeiro poema, para uma namorada. Aos 18, enquanto passava pelo serviço
militar, cortava cana-de-açúcar durante seis meses por ano, trabalhava com
explosivos e praticava boxe, decidiu que queria ser escritor. E aos 20 anos,
teve a certeza que só havia um caminho para isso, segundo afirmou à Bravo:
“[...]ler muito, viver intensamente e, sobretudo, afastar-me dos demais
escritores, filósofos, artistas e pedantes que pululam pelas faculdades de
artes e letras. Tinha de aprender sozinho”.
“O único que quero na vida é ser escritor”, repetia
para si mesmo, até que a frase gravou-se em sua mente. “Quero escrever de um
modo tão natural que não pareça literatura”; por isso, jamais se aproximou de
grupos de escritores nem estudou literatura. Para sua formação de escritor,
tinha um conceito fixo: “Tenho que ter muitas mulheres, viajar tudo o que possa
e conhecer todo tipo de gente”.
Outro detalhe interessante, ressaltado em seu site
oficial, é que ele “detestava com toda a sua alma os intelectuais que publicam
quatro poemas e já se acreditam Deus, e vão gritando aos quatro ventos que são
poetas”. E por pensar assim, jamais pediu ajuda a ninguém. Pelo contrário,
escrevia poemas e contos, os elaborava até o cansaço e os escondia.
Detalhe. Ele considera que para escrever de um modo
“medianamente aceitável” levou mais trinta anos.
Vilto Reis-Editor e idealizador do site Homo Literatus,
vê na leitura uma das formas de suportar a vida (ainda não descobriu outras,
mas para ter tanta gente viva, deve ter). É um escritor de ficção em formação.
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2 comentários
Muito bom.
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