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A POESIA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA [Vera Margutti]

A POESIA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

Por Vera Margutti 

Contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro”. Giorgio Agamben 

Nos últimos anos todas as relações pessoais do mundo inteiro tem se transformado, ou em função da economia, em função da tecnologia ou em função do posicionamento do próprio ser humano,  cada vez mais isolado, fragmentado, urbanizado. Essas características de alguma forma influência e refletem na produção artística de um modo geral.  A poesia brasileira contemporânea, também se espelha no momento presente, respira o ar da sociedade, os seus próprios sofrimentos e aspirações. Ela é arte por excelência,  e a função da arte é questionar a realidade, investigar, pensar, fazer refletir.  Tirar do eixo, da zona de conforto, bem como também, trazer deleite, alento, conforto, alegria, prazer...  Mostrar que o ser tem alma e sede de saber, de se extasiar diante do belo, do natural e do simples dom de viver.  É a expressão subjetiva por meio da linguagem, das palavras que humanizam e que reagem sensivelmente a todas as manifestações e ações, como por ex. do sistema capitalista de consumo, que aos poucos vai “coisificando” o homem, limitando e anulando sua vez e voz.

O poeta contemporâneo procura ofertar uma nova visão de realidade ao homem comum, fazendo-o perceber com sua lírica a importância de ser único, especial, agente transformador. Deseja possibilitar sentir, de forma verdadeira, o mundo, sendo parte importante dele. A poesia liberta o homem de suas amarras e dá asas para ele voar livre, alarga-lhe o horizonte para enxergar as novas possibilidades que se abrem, para que se valorize e tenha um pensar crítico. Para isso ela também necessita ser livre, se soltar das garras da elite hierárquica, excludente. A poesia contemporânea já se apresenta de diferentes formas: múltipla e fragmentada como é o homem contemporâneo e está mais viva do que nunca, mas, ainda encontra-se presa por teias sombrias e inóspitas em nosso país.

Em “A cegueira da cisma - poesia brasileira contemporânea e sua crítica
Renato Rezende,  poeta, tradutor e crítico literário contemporâneo, Escreve:
“... apesar de  potente, variada e abundante, a poesia brasileira contemporânea, ou pelo menos uma parte significativa dela, carece de lugar e de trânsito social, como se não tivesse valor cultural, como se não instigasse interesse e diálogo, como se falasse de algo alheio a nós; ou seja, como se a possibilidade de sua leitura tenha se tornado opaco, insolúvel, inassimilável. Muitas e entrelaçadas podem ser as razões para isso, num país que por muito tempo demonstrou ter uma forte tradição poética: as dificuldades de escoamento e circulação da produção escrita, numa época de primazia da imagem; o natural esgotamento das linguagens experimentais do modernismo; o abandono do projeto de construção de uma identidade nacional; o estabelecimento de políticas públicas para as artes alinhadas à cultura de massa e aos ditames de mercado; etc... – a poesia continua presa em cismas – ou falsos cismas – que a paralisam. É importante ressaltar, no entanto, que essa paralisia é da crítica, e não da produção poética. Incapaz de compreender a poesia contemporânea, a crítica – muitas vezes exercida pelos próprios poetas, instigados pela necessidade de elucidar a natureza do impasse – tem produzido dezenas de textos, mais ou menos felizes e elucidadores, na tentativa de digerir o passado para fruir o presente.”

“... O país continua a pensar de forma hierárquica, excludente, e isso ainda é muito presente nas academias. Está mudando, mas continua sendo o modus operandis da nossa sociedade, que é apenas falsamente aberta e plural, com uma elite muito mal preparada, insegura (e ao mesmo tempo arrogante) e inculta. Tal mentalidade e incapacidade de se abrir para a pluralidade de vozes que, isso sim, caracteriza o pós-modernismo e a experiência do contemporâneo, me parecem de grande pobreza. Tal situação excludente, no entanto, não deve durar muito. A poesia contemporânea brasileira, num todo, é de grande vigor, e essa riqueza múltipla aos poucos, vem à tona e encontra sua ressonância.”

No Jornal de Literatura do Brasil Rascunho, em “Poesia Sequestrada” fevereiro de 2013,  Renato Rezende conclui seu ensaio dizendo:

“... Que venha um novo pensamento teórico/crítico, capaz de plenamente resgatar a poesia contemporânea — ou as poesias contemporâneas — de seu sequestro. Que venha um novo pensamento teórico/crítico, capaz de estar à altura do amplo leque de ações e produções da poesia brasileira contemporânea. Que venha um novo pensamento teórico/crítico, pois a poesia contemporânea brasileira está — desde muito — em renovação. Não podemos permitir reduzir a vasta galáxia da poesia brasileira contemporânea a um pequeno sistema solar, de onde sentimos que não conseguimos sair, mantendo nas trevas poetas de riquezas insondáveis. A crítica da poesia precisa estar à altura de um país que se pretende contemporâneo, plural, inclusivo e democrático.”

Com os grandes avanços tecnológicos, a internet e suas redes sociais, hoje a poesia contemporânea está conseguindo sair do “calabouço” em que foi submetida e está se disseminando pelo planeta. O poeta contemporâneo encontrou ali um espaço de divulgação de sua arte poética de livre expressão e sem os altos custos de impressão. E está se aventurando conectado, explorando a web e dando vazão a sua imaginação e inspiração.

As redes sociais atingiram sua maturidade e começaram a influenciar a Humanidade. Ainda que sem o propósito de manipulação da consciência coletiva elas ofereceram, de imediato, um instrumento de enorme penetração e os escritores logo  perceberam a importância e o alcance desse novo recurso de comunicação e relacionamento.  Escrever e divulgar ficou fácil, rápido e atingindo distâncias inimagináveis. Muitos escritores se sentiram estimulados a escrever, a tirar os seus escritos das gavetas, sair do anonimato e publicar na rede. Mas, mesmo com essa grande ferramenta disponível de divulgação,  ainda assim,  o escritor padece no árduo caminho editorial. Tendo que bancar as edições de livros com seus recursos próprios  e ainda a dificuldade para colocá-los nas livrarias.

A internet oferece ao leitor inúmeras possibilidades de leituras através de livros digitais, e-books e outros formatos virtuais, mas, falta-lhes o hábito e o gosto pela leitura. Muitas campanhas,  iniciativas isoladas e projetos de incentivo à leitura estão sendo realizados, mas,  ainda é muito pouco para derreter o gelo do iceberg do desinteresse pela leitura em nosso país.
A Zunái- Revista de poesia &debates. “As várias poéticas contemporâneas” por Fabiano Fernandes Garcez.  Publicou:

“... A poesia tenta restaurar, nesse homem, a individualidade. Talvez seja por isso o visível aumento das publicações de poesia, por pequenas ou médias editoras, edições financiadas pelo próprio autor, suplementos, periódicos e até mesmo publicações em vários formatos nos meios virtuais.”

Esse estudo possibilitou-me refletir e  perceber ainda mais a importância de fazer parte da ANLPPB, essa academia que nos acolhe, e tem como real e fundamental o objetivo da valorização e divulgação da poesia do poeta vivo.

Aclamando-o e eternizando-o. Para isso, sua diretoria trabalha bravamente, sempre inovando e criando formas simples, praticamente isentas de custos. Desbravando e levando primeiro e intensamente dentro de nosso país, a poesia contemporânea,  em suas múltiplas facetas e especificidades. Seja  através de saraus,  antologias,  redes sociais, projetos de incentivo a leitura, como o que ocorre todo dia trinta de cada mês e se intitula: “Um tesouro chamado livro”.  E agora se utilizando também, da ferramenta do rádio, fazendo ecoar nossas vozes pelas ondas cibernéticas.

São muitos os escritores contemporâneos que admiro por cumprirem seus  papeis sociais com brilhantismo, no pleno exercício do ser poeta e formador da consciência crítica transformadora.

Destaco neste estudo, três deles: Renato Rezende, Daufen Bach e Angela Ramalho. O poeta Renato Rezende, poeta reconhecido, escritor, tradutor e editor de livros, graduado em literatura espanhola pela Universidade de Massachusetts, Boston, EUA, e mestre em Arte e Cultura Contemporânea pela UERJ. Como poeta, é autor de diversos livros, e ganhador o Prêmio Alphonsus de Guimaraens da Biblioteca Nacional para o melhor livro de poesia em 2005.

Suas últimas produções é uma trilogia.  Dono de uma escrita pungente, penetrante e impactante. Para ele o escritor é um cristal através do qual a luz se filtra e irradia. Já citado neste texto, onde me “aproprio” de suas palavras, para bem ilustrar o estudo. 

FESTAS 

...Acordo de ressaca.

Eu sou melhor quando não sou.
(Eu me sinto melhor quando não sou.)

O Amor é esse outro Eu.

[Não é uma questão de competição, e sim de humildade].

Nesta nova manhã amo e dou as bênçãos—desejo o melhor—a todos nós, essas pessoas imersas no rumor da língua, nos sorrisos, nas danças dos corpos. E, nesta manhã, esse amor se levanta e se expande, se estende para a vizinhança, para a cidade sob a névoa, para o país nas trevas—para o mundo todo, atravessando continentes e séculos—em festas.

O poeta Daufen Bach, escritor e poeta. Foi nomeado Cônsul dos “Poetas del Mundo”. É editor da revista virtual Biografia. "Um romântico incorrigível e um boêmio frustrado" é como ele mesmo se apresenta. Sua lírica é apaixonante e envolvente com a poesia incrustada nas coisas que nos rodeiam. Explora muito a temática do amor e paixão, além de poesias sociais e sensuais. 

"faz de mim teu mimo mulher" 

faz de mim teu mimo mulher,
despeja teu amor e não se arrependa.
                                        crie caso,
                                        me morda,
faz cara de amor partido,
mas faz de mim teu mimo mulher.
exceda. faz de mim teu
                  exercício...
                         vício.
me tome para teu gozo
com tamanha leveza
e não ligue para o sacrifício
da carne machucada.
faz de mim teu detalhe mais
                            discreto,
                          teu afeto,
tua total falta de medidas
e não pense...
seja uma tarde blues.
ah mulher! faz de mim teu ciúme
disfarçado.
ronda meu desamparo
com essa tua finesse de pessoa
e, numa boa,
faz de mim teu mimo?
eu já desaprendi a caminhar com
as próprias pernas,
hiberna em mim, em qualquer estação,
a sutileza com que reverencias
o meio dia,
a tarde toda...
as horas de tua ilusão.
faz de mim teu mimo mulher,
teu brinquedo único
teu lugar de meiguice...

(Daufen Bach) 

“da poesia invisível” 

os versos perderam-se nas ruas,
eu os via seguindo pelos bueiros e esgotos,
se inundando de enxurradas e vertendo nas raízes das plantas.
eram caules
folhas
respiravam o odor do mundo, singulares, solitários
&
piedosos.
misturavam-se a invisibilidade natural
e desciam feitos raios de luz em dias em que as nuvens se despedem.
eu os via deitar no chão,
a esparramarem-se a leste e oeste,
a fazerem –se norte e sul.
eu os sentia enquanto caminhava com meus pés descalços de sensatez

(Daufen Bach)

E para encerrar,  indico com as honras da casa,  a amiga poetisa e acadêmica, Angela Regina Ramalho Xavier que me prende com sua maneira alegre, espontânea e irreverente, imprimindo em seus textos um pensar crítico. Consegue passar sua visão de mundo de forma clara e contundente. 

SER POETA

Pô você é poeta?
Cara, isso é careta!
Careta faço eu,
Para a sua falta de (po)ética.
Quem disse que poetar é caretice?
Quem não entende a poesia,
Passa pelo mundo
De alma vazia!

(Angela Ramalho)


Vera Lucia Fávero Margutti  é capixaba, nascida em 1960. Psicopedagoga, empresária e escritora. Sócia da empresa Margutti Materiais para Construções Ltda onde administra o setor financeiro/bancário.
Blog: http://alemdopoema.blogspot.com

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