As mulheres poetas na literatura brasileira - Publicação I -
Não
faz muito tempo elas deixaram a cozinha, os crochês e as costuras. Hoje elas
são executivas, médicas, empresárias, políticas, professoras --e até
presidentes. Mas já faz tempo que elas ingressaram na literatura, onde fizeram
e fazem um excelente trabalho. Vamos dedicar este espaço a divulgar o trabalho
das nossas poetas. Antes, porém, leiam este histórico.
Quando
fez, em 1928, a famosa palestra sobre a presença da mulher na literatura
inglesa, na Universidade de Cambridge, Virginia Woolf jamais poderia
imaginar que a famosíssima Britannica iria ignorar sua posição
feminista e omitir de sua bibliografia o livro A Room of One’s Own, onde
foi publicada a conferência e outros escritos.
Como
se vê, não é privilégio tupiniquim o esquecimento proposital da contribuição
cultural da mulher em vários campos do saber e das artes. No caso específico da
literatura, a questão é mais séria ainda. Afinal, tanto Silvio
Romero como José Veríssimo –famosos historiadores da nossa
literatura no século 19- registraram pouquíssimos nomes femininos.
E
na História Concisa da Literatura Brasileira –a mais usada no ensino
atual- o Prof. Alfredo Bosi só menciona quatro nomes de
poetisas: Francisca Júlia, Gilka Machado, Auta de Sousa e Narcisa Amália.
Mesmo assim, somente a primeira mereceu biografia e algum destaque. Mas essa
ausência, que passa uma ideia equivocada da influência feminina na cultura do
país, vem sendo corrigida através de pesquisas, teses, livros, artigos e
ensaios. Escritoras Brasileiras do Século XIX, organizado por Zaidhé
Muzart, foi o pontapé inicial em direção a uma reavaliação desse nosso
patrimônio literário e cultural. Publicado
em 2000, o livro, com cerca de 1000 páginas, revela nada menos que 52
autoras e mostra nomes que nunca ouvimos falar — resultado desse trabalho
paciente de “revolver escombros e garimpar entulhos” conforme texto
introdutório da própria autora, Zaidhé Muzart.
É
inquestionável o mérito desse trabalho e de um sem número de outros que foram
surgindo sobre as questões relativas à mulher. É crescente, sem duvida,
a presença delas em todas as áreas das atividades humanas. Hoje, temos
até uma presidente mulher. Quanto à literatura mais recente, não podemos nos
queixar. Existem muitas escritoras mulheres e elas também se apresentam em
dissertações, teses de doutorado, pesquisas apresentadas em congressos e outras
publicações.
Sem
a pretensão de desenvolver uma avaliação desse panorama, utilizo este espaço
para prestar uma homenagem às mulheres. Mais especificamente: às mulheres
escritoras. Ou mais especificamente ainda: às mulheres escritoras de
poemas. Afinal, por incrível que pareça, existe uma nítida predominância
em nossa literatura de escritoras que se dedicaram à prosa, notadamente ao
romance. Caso de Rachel de Queiroz, por exemplo, a primeira mulher a
ingressar, em 1977, no clube do bolinha que era a Academia Brasileira de
Letras. Pouco depois, a ABL acolheu duas outras prosadoras
consagradas: Dinah Silveira de Queiroz e Lygia Fagundes Telles. O
incrédulo leitor poderá perguntar: e as nossas poetas, onde estão?
É
curioso observar, mas mesmo em épocas mais recentes, as escritoras continuavam
sendo preteridas. Um exemplo é a inexistência de qualquer nome feminino
vinculado à literatura na Semana de 22. A exceção é Cecília
Meirelles, que já havia publicado Espectros, em 1919 , Nunca
Mais e Poema dos Poemas, em 1923, e Baladas para El Rei, em 1925. Assim
mesmo, ela não participou da festejada Semana.
Só
para não ficar sem registro, relaciono aqui alguns nomes femininos. Alguns são
desconhecidos até de especialistas, outros conquistaram alguma visibilidade.
Mas todas essas escritoras desempenharam um papel que não se restringia às
funções de esposa, mãe e dona-de-casa. Elas foram à luta e deixaram seu
recado --para além do recato.
São
elas: Auta de Souza, Maria Firmina dos Reis, Narcisa Amália, Francisca Júlia,
Cecília Meireles, Carolina Maria de Jesus, Clarice Lispector, Gilka Machado,
Lúcia Miguel Pereira, Tatiana Belinky, Cora Coralina, Hilda Hilst, Dora
Ferreira da Silva, Nísia Floresta, Adélia Prado, Barbara Lia, Renata Pallotini,
Neide Arcanjo, Carolina Nabuco, Maria Rita Kehl, Adalgisa Nery, Lupe Cotrim,
Astrid Cabral, Eunice Arruda, Helena Armond,Mirian de Carvalho,Raquel
Naveira,Thereza Cristina Rocque de La Motta, Angélica Torres, Beatriz
Bajo, Nydia Bonetti, Jacineide Travassos,etc.
Vamos
começar com elas:
AUTA
DE SOUZA ( 1876-1901) Nasceu em Macaiba, RN e publicou apenas um
livro: Horto (1900) que foi prefaciado por Olavo Bilac.
Tudo Passa
I
Aquela moça
graciosa e bela
Que passa sempre de vestido escuro
E traz nos lábios um sorriso puro,
Triste e formoso como os olhos dela...
Diz que
su’alma tímida e singela
Já não tem coração: que o mundo impuro
Para sempre o matou... e o seu futuro
Foi-se n’um sonho, desmaiada estrela.
Ela não
sabe que o desgosto passa
Nem que do orvalho a abençoada graça
Faz reviver a planta que emurchece.
Flávia! nas
almas juvenis, formosas,
Berço sagrado de jasmins e rosas,
O coração não morre: ele adormece...
NARCISA
AMÁLIA (1852-1924) Nasceu em São João da Barra, Rio, foi poeta e a
primeira jornalista profissional do Brasil. Combateu a opressão da mulher, a
escravidão e possuía fina sensibilidade social. Publicou apenas um livro de
poemas: Nebulosas (1872)
Por que sou forte
Dirás que é
falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo
d’alma toda vez que hesito...
Cada vez
que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a
angústia - ao sentir que desfaleço...
E toda
assombro, toda amor, confesso,
O limiar
desse país bendito
Cruzo: -
aguardam-me as festas do infinito!
O horror da
vida, deslumbrada, esqueço!
É que há
dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar
do mundo não macula, a terna
Lua,
flores, queridas criaturas,
E soa em
cada moita, em cada gruta,
A sinfonia
da paixão eterna!...
- E eis-me
de novo forte para a luta.
FRANCISCA
JÚLIA (1871-1920) Paulista, a poeta fez sucesso com versos de conteúdo
parnasiano. Seus últimos trabalhos já mostram a influência do simbolismo.
Publicou vários livros de poemas. Sobre seu túmulo está a estátua da “Musa
Impassível”, de Victor Brecheret, em homenagem a um de seus poemas mais
famosos.
A florista
Suspensa ao
braço a grávida corbelha,
Segue a
passo, tranqüila... O sol faísca...
Os seus
carmíneos lábios de mourisca
Se abrem,
sorrindo, numa flor vermelha.
Deita à
sombra de uma árvore. Uma abelha
Zumbe em
torno ao cabaz... Uma ave, arisca,
O pó do
chão, pertinho dela, cisca,
Olhando-a,
às vezes, trêmula, de esguelha...
Aos ouvidos
lhe soa um rumor brando
De
folhas... Pouco a pouco, um leve sono
Lhe vai as
grandes pálpebras cerrando...
Cai-lhe de
um pé o rústico tamanco...
E assim
descalça, mostra, em abandono,
O vultinho
de um pé macio e branco.
GILKA
MACHADO (1893-1980) Carioca, publicou seu primeiro livro, Cristais
Partidos, em 1915. Poeta simbolista, foi eleita a “melhor poetisa do Brasil” em
1933.
Ser mulher...
Ser mulher,
vir à luz trazendo a alma talhada
para os
gozos da vida; a liberdade e o amor;
tentar da
glória a etérea e altívola escalada,
na eterna
aspiração de um sonho superior...
Ser mulher,
desejar outra alma pura e alada
para poder,
com ela, o infinito transpor;
sentir a
vida triste, insípida, isolada,
buscar um
companheiro e encontrar um senhor...
Ser mulher,
calcular todo o infinito curto
para a
larga expansão do desejado surto,
no ascenso
espiritual aos perfeitos ideais...
Ser mulher,
e, oh! atroz, tentálica tristeza!
ficar na
vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados
grilhões dos preceitos sociais!
Aguarde
nova postagem com mais poemas de poetas mulheres!
RubensJardim, 67 anos,
jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e trabalhou no Diário
Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil. Participou de várias antologias
e é autor de três livros de poemas: ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO
(1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008). Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em
1973, em comemoração aos 80 anos do nascimento do poeta, evento que contou com
o apoio de Carlos Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo,
Raduan Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e
publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos conhecida e
divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento CATEQUESE POÉTICA,
iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o lugar do poeta é onde possa
inquietar. O lugar do poema são todos os lugares... Participou da I Bienal
Internacional de Poesia de Brasília (2008) com poemas visuais no Museu
Nacional e na Biblioteca Nacional. Fez também leituras no café Balaio,
Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E participou da Mini Feira do Livro, com
o lançamento de Carta ao Homem do Sertão, livro-homenagem ao centenário de
Guimarães Rosa. Teve poemas publicados na plaquete Fora da Estante,
(2012), coleção Poesia Viva, do Centro Cultural São Paulo. Páginas na
Internet: Site: Rubens
Jardim e Facebook: Rubens
Jardim
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