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Designer Tomislav Zvonaric |
Faça uma dieta de leituras
Passar o dia inteiro nas redes sociais é tão saudável
quanto viver à base de fast-food
O Facebook está insuportável hoje. Pelo menos foi isso
o que um amigo me disse. Não duvido: com a quantidade de assuntos polêmicos em
pauta, poucos resistem à tentação de entrar em debates acalorados e intermináveis
sobre tudo. O advogado de bermuda, a comentarista descompensada, o Batman no
Leblon. Quanto mais pitoresco o tema, maior parece ser a vontade de se debruçar
sobre ele para escrever um post “definitivo”. Perdi a conta de quantas vezes
sucumbi a essas armadilhas. Com a proximidade das eleições, elas devem se
tornar cada vez mais frequentes. Tenho tentado não cair nelas. Estou de dieta.
Houve um tempo em que os pessimistas diziam que
passaríamos o dia inteiro assistindo à televisão e não leríamos mais nada.
Estavam errados. Ironicamente, nunca lemos tanto quanto hoje, nos celulares,
tablets e na tela do computador. E, infelizmente, nunca lemos tão mal.
Nutricionistas costumam organizar os tipos de alimentos
numa pirâmide. Na base estão os cereais, verduras e frutas que precisamos comer
várias vezes ao dia. O meio é reservado às carnes magras e derivados do leite,
que devemos comer com moderação. No topo, tudo aquilo que devemos evitar no
dia-a-dia, como doces e carnes gordurosas.
Poderíamos fazer um gráfico semelhante com as leituras.
Na base estariam os livros. No topo, as discussões vazias nas redes sociais. No
meio ficariam os artigos e reportagens, online e offline. Alguns podem ser tão
enriquecedores quanto um livro. Outros, tão superficiais quanto uma foto de um
gato no Facebook.
Não é preciso levar o exercício mental muito adiante
para perceber que nossa dieta anda péssima. As redes sociais tomam a maior
parte do nosso tempo de leitura. Elas nos levam com frequência a blogs ou sites
de notícias.
Aproveitamos um texto ou outro, mas nos esquecemos da imensa
maioria.
Aos livros, que teoricamente deveriam ser nossa
principal fonte de leituras, reservamos apenas uma pequena fração do nosso
tempo de leitura. Por acreditar que os livros exigem concentração e silêncio,
preferimos nos distrair com textos irrelevantes o dia inteiro e deixar as
leituras sérias para o dia seguinte ou para mais tarde, quando já estamos
cansados de ler bobagens e mal aguentamos manter os olhos abertos. É como se
tivéssemos um banquete à nossa disposição, mas nos entupíssemos de balas e
cachorros-quentes antes de sentar à mesa.
O primeiro passo para mudar a sua dieta de leituras é
reconhecer que aproveitamos muito mal nosso tempo. Vale repetir a pergunta
proposta pelo escritor suíço Rolf Dobelli em seu livro A arte de pensar
claramente: de todas as notícias e posts em redes sociais que você leu no
último ano, quantos realmente fizeram diferença na sua vida? Minha resposta foi
alarmante: apenas dois ou três posts em blogs e, com sorte, meia dúzia de
reportagens. Nenhum post em redes sociais. Nada que justifique as dezenas de
horas que dedico a essas leituras semanalmente. Quanto aos livros, lembro de
todos os que li durante o período. Mesmo os que não gostei de ler me ensinaram
algo.
Era hora de mudar meus hábitos.
Seria um exagero abandonar o Facebook completamente,
assim nenhum nutricionista que se leve a sério diria para alguém cortar os
doces para todo o sempre. O mesmo vale para o fast-food da informação. As redes
sociais nem sempre são prejudiciais. Basta usá-las com moderação e tirar algum
proveito delas. Cada um sabe sua forma de aproveitá-las.
Desde que decidi fazer uma dieta de leituras, abandonei
as discussões no Facebook e no Twitter. Em vez disso, tenho usando as duas
redes para receber e compartilhar reportagens sobre literatura. Por falar em
reportagens, também reduzi o tempo que dedico a elas. Jamais conseguiria ficar
três anos sem ler notícias, como Dobelli ficou – especialmente na minha
profissão. Mas descobri que posso sobreviver tranquilamente lendo somente as
principais notícias do dia e assinando três ou quatro publicações essenciais
para quem trabalha na minha área. O resultado? Além de conseguir mais tempo
para os livros, não sinto a menor falta das polêmicas digitais.
Na próxima vez em que o seu Facebook estiver
insuportável, não reclame dele. Feche a aba do navegador. Procure outras
leituras. Se alguém insistir para que você diga algo sobre o assunto polêmico
do dia, experimente a sensação libertadora de não ser obrigado a expressar sua
opinião sobre tudo. Peça desculpas. Diga que está de dieta.
DANILO VENTICINQUE
é editor de livros de ÉPOCA. Conta com a revolução dos e-books para
economizar espaço na estante e colocar as leituras em dia. Escreve às
terças-feiras sobre os poucos lançamentos que consegue ler, entre os
muitos que compra por impulso (Foto: Sidinei Lopes/ÉPOCA)
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