Contar uma história conhecida através de um ponto de
vista inusitado é um dos grandes truques narrativos da modernidade. O
leitor/espectador se identifica com a trama, pois, além de reconhecer muitos
dos detalhes apresentados, promove uma espécie sofisticada de autoengano ao
confiar que o que está lhe sendo oferecido ratificará o que imagina ser de
consenso. Ao mesmo tempo, por uma dessas contradições que somente a psicologia
(não) consegue explicar, anseia por revelações inusitadas, por detalhes
surpreendentes, por reviravoltas no enredo. Em outras palavras, quer a
destruição das certezas.
JFK – a história não contada (Parkland. Dir. Peter
Landesman, 2013), baseado no livro Four Days in November: the assassination of
president John F. Kennedy, de Vicent Bugliosi, faz uma aposta perigosa. Ao
escolher uma versão tangencial do assassinato do presidente estadunidense John
Fitzgerald Kennedy, no dia 22 de novembro de 1963, o filme em alguns momentos
se concentra em uma linha narrativa divergente de episódios conhecidos. Isso
significa que, embora não contribua para a elucidação dos fatos, fornece um
referencial diferenciado de análise. De qualquer forma, o foco narrativo perde
parte de sua força nos momentos em que se atém ao periférico, ignorando o
básico (que imagina ser tão conhecido que dispensa a reiteração). Há um tom de
heroicidade que não corresponde ao fluxo contextual. Além disso, carrega nas
tintas do sentimentalismo e da histeria. Um pouco mais de leveza transformaria
a tragédia em algo suportável.
A câmera-narrador se serve da argamassa ficcional para
estruturar histórias paralelas, todas protagonizadas por personagens
secundários: os jovens médicos do Parkland Memorial Hospital (Zac Efron e Colin
Hanks), a enfermeira-chefe (Marcia Gay Harden), o câmeraman que gravou o
assassinato (Paul Giamatti), vários agentes do Federal Bureau of Investigation,
o FBI (entre outros, Billy Bob Thornton e Ron Livingston), a polícia texana, a
equipe de segurança da Presidência da República, a mãe (Jacki Weaver) e o irmão
(James Badge Dale) de Lee Harvey Oswald.
John Fitzgerald Kennedy (1917-1963)
A soma das partes difere da soma do todo. Os médicos
que tentaram salvar Kennedy também atenderam sem sucesso, dois dias depois, Lee
Harvey Oswald (Jeremy Strong) – oficialmente, o assassino de Kennedy. A morte
de Oswald ou o destino de seu assassino, Jack Ruby, não merecem destaque. Em
compensação, há um visível despropósito comparativo entre os dois enterros.
Como se fosse uma espécie de “jogar para a plateia”, o filme mostra,
rapidamente, que o corpo do presidente recebeu honras de Estado. Em paralelo,
há uma longa cena sobre o enterro miserável de Oswald. Em um cemitério
abandonado, um pastor aposentado – chamado às pressas – encomenda o corpo. Os
agentes policiais, preocupados com a possibilidade de algum distúrbio popular,
se recusam a ajudar. Dezenas de fotógrafos, como se fossem abutres vigiando o
cadáver, acompanham a cena indesejada. Um lugar de merda para morrer, diz um
dos agentes do FBI, se referindo a Kennedy. Poderia ter pensado em Oswald –
seria a mesma coisa.
Produzido por Tom Hanks, Gary Goetzman e Bill Paxton,
JFK – a história não contada não convence como cinema documental, tampouco
mostra credibilidade como ficção. No máximo é um filme curioso, desses que
projetam sobre um acontecimento histórico a esperança de extrair leite de
pedra.
Raul
J.M. Arruda Filho, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008),
publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no
Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional,
segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias
como se fossem uvas”.
Todos os
direitos autorais reservados ao autor.
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