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A Mulher na Literatura Brasileira ( 6ª Publicação) [Rubens Jardim]

A Mulher na Literatura Brasileira ( 6ª Publicação)



MIRIAN DE CARVALHO, poeta, ensaísta e crítica de arte, nasceu no Rio de Janeiro, estudou história da arte, educação artística e filosofia, área em que defendeu tese de doutorado. Docente na UFRJ, lecionou estética. Em 1999, publicou seu primeiro livro de poesias: Cantos do Visitante (Edição da autora). Seguiram-se Teia dos Labirintos(2004), O Camaleão no Jardim (2005), Travessias (2006) e Violinos de Barro (2009).


DESEJO À DISTÂNCIA

Herdeiros do mito, eu
Os escrevo na tela de cristal
Onde os humanos são deuses
Do desejo à distância.

Ante a impossível proximidade
Do corpo do outro, minha cabeça
De serpente enrola-se na própria
Cauda.

Ás vezes (muitas vezes)
Respirar é doloroso.


INCOMPREENSÕES DO TATO

Perdidas em meio à selva de códigos
Deságuam cachoeiras de mensagens
Que emergem entre estranhos na ânsia
De algum projeto de encontro.

Aperto de mão ou abraço não há.
Troca de carícias não há. Olhar não
Se completa se não aquele do voyeur
Colecionando imagens do amor intocável.

Às incompreensões do tato,
O que sobrevive é cio.

E poesia.


VERMELHO

Em alameda livre, saltam meus cavalos
de carmim. Saltam com narinas afeitas
ao que vive ao redor da casa.
E ao redor dos limites do portão.

Eriçando a pele, meu cavalo de rosas
respira. Do mundo da fábula, chegou-me 
este centauro de corolas abertas. Afoita cauda 
correndo atrás do vermelho da crina. 
                                            
À procura de pouso e fêmea,
meu cavalo do verão se olha
no lago das chuvas.

Lambendo a imagem desfeita,
ele ergue imenso falo. E a tarde
o amansa às horas de lascívia.



AMARELO

Das sementes da papoula floresceu
o pelo-de-topázio. Carregando fardo
ameno, ele resfolega  atento ao que
lhe pulsa entre as veias e as costas.

Molhando-lhe o dorso, escorre a seiva
da amazona de lírios, que ao repouso
lhe roça o falo com sedução.
E lábios de pétalas. 

Vindo do Leste, ele acorda os pássaros.
Meu cavalo da manhã despertando
para o coito.

Meu cavalo de sol carregando
a vida. Que o recebe em berço
de gozo.


II
Nas folhas do Corão menciona-se
Do pensamento o frágil habitat

Sobre a tecelã, paira a dúvida do profeta:
Tece ela as roupas? Ou a ilusão do mundo?

Tecendo o viver, a textura do ambíguo.

V
Nos manuais de viagens, não há travessias.
Travessias não há, nesses espaços lacunares.
Imobilizadas, as fronteiras não assinalam portas.
Nem janelas. Entre rabiscos simulando rios,
Não há margens. Plantio. Nuvens não há.
Sequer cinzas. Lenha. Ou lenhador. Neutros,
os mapas não acendem o forno. Não mostram
a tigela de leite sobre a mesa.

Ao ermo, lamentam-se as clareiras do fogo.

Fogo alto. Fogo de papel. Em minha
barriga, cismam as fomes dos mortais.

***


THEREZA CHRISTINA ROCQUE DA MOTTA, poeta e advogada nascida em São Paulo. Viveu em Boston, Assunção, Montevidéu, Rio de Janeiro e  São Paulo. Aqui se formou em direito, publicou livros, organizou leituras e exposições de poesia. Atualmente  reside no Rio. Publicou entre outros Papel Arroz (1981),  Joio & rigo  (1982), Areal (1995), Sabath  (1998), Alba(2001), Chiaroscuro  –  Poems in the dark (2002), Fundou a editora Íbis Libris, e organiza a Ponte de Versos desde 2000.








O LIVRO DAS HORAS 
(in Sabbath)

1
Caminhas
sob águas e ramagens
- manto transparente
sobre paisagens noturnas -
frios olhos
de quem vê através a alma

2
Tua ausência te faz mais belo
Posso aguardar
nos meandros de tempo
enquanto não te vejo
Refaço os contornos de teus olhos
tua boca, teu queixo
e espero tua imagem se dissolver
e se recompor novamente


MADRAS
(Para Selmo Vasconcellos)

Abriste o tempo em gomos,
fruta inteira dada aos pedaços,
para cada parte, um gosto,
visível e táctil favo,
com que prendes os dedos.
Este o tempo degustado,
essa fonte maior que a vida,
sabor de tudo, num naco.


O LEGADO DA POESIA
(Para João Luiz de Souza)

Há um legado de Drummond em todos nós,
como há uma voz de Cecília em todos nós,
um som de Bandeira e um tinir de Mário.
Cada poeta nos empresta sua língua
para aprendermos a falar o que sentimos.
Todos têm um amor de Vinicius,
um galo de Gullar, um cão de Cabral.
Como não trazer o nada de Pessoa para os nossos versos?
Adélia nos ensina a pescar e abrir os peixes.
Cora nos empresta a chaleira e fogão de barro.
Oswald está sempre lá com sua vela.
Murilo traz seu cosmos de fascínio.
Os poetas todos nos dizem em uníssono:
- Escrevei!
Tragam os poetas no bolso.
Como Elisa Lucinda faz quando derrama sua poesia,
como Mano Melo faz quando brada seus versos,
como Chacal faz quando grita seus protestos,
como Tavinho Paes faz quando blasfema na escuridão.
Todos os poetas nos ensinam a poesia.
Leiam! Leiam!
Façam isso por si mesmos.
Um verso de Pedro Lage contém mais poesia do que o universo.
Um verso de João José contém mais sangue do que a carne.
Um verso de Afonso Henriques Neto contém mais fogo do que a chama.
Um verso de Shala Andirá contém mais luz do que a manhã.
Um verso de Armando Freitas Filho contém mais tinta do que a pena.
Um verso de Olga Savary contém mais plumas do que a ave.
Assim os poetas vêm e vão. Inúmeros.
Tantos que não posso todos nomeá-los.
Os presentes, os passados e os futuros.
E só na poesia se anunciam.
Só na poesia existem.
Só na poesia serão lembrados.
A pedra no meio do caminho de Drummond
é a pedra em que todos tropeçamos.
Venham, e juntem-se a nós,
nós, os poetas que lemos,
nós, os poetas que escrevemos.
A poesia é infinita.
Quanto mais se abre, mais se desdobra.
Desdobra-se em inúmeros poemas,
semeados ao vento,
ao tempo,
por todas as idades.


NOMEAÇÃO

Tudo tem seu nome,
o inominado,
o terrível semblante de Deus,
a letra esbelta,
a fome, a falta de vogais
a devorar o nome ancestral.
Sou, és.
Assim está bem.
Recomecemos.


VOLTO-ME E OLHO-ME NOVAMENTE AO ESPELHO .

Recomponho o cabelo com as mãos
e apago as marcas do rosto.
Eu fui o que fui, porque quis,
mas não preciso carregá-lo comigo.
Esquece.

***



MARIA ESTHER MACIEL, poeta, ensaísta e ficcionista, vive em Belo Horizonte desde 1981. É professora de teoria da literatura da faculdade de letras da UFMG, com doutorado em literatura comparada, pela mesma instituição. Realizou estudos de pós-doutorado em literatura e cinema na universidade de Londres, onde ocupou também o cargo de pesquisador visitante.Já publicou vários livros de ensaio e ficção. De poesia só estes dois: Dos Haveres do Corpo(1985) e Triz (1999).







NOTURNO 
                
(a T. S. Eliot )
 
O dia é noite no poema:
Sombras, pedras, luas secas
encobrem a estação das flores.
Sobre o deserto
memory and desire
ainda restam:
ecos entre as cinzas
deste verso.
Will it bloom this year?
Na terra triste do poema
enterro o fim e o infinito:
me faço silêncio, eclipse.

PAISAGEM COM FRUTAS

 Duas peras sobre a mesa
esperam a tua fome.
O dia é verde
e o vento tem cores provisórias.
Sobre o muro
um pássaro mudo
de olhar escuro
perscruta a tua sombra
Ele sabe
que ninguém sabe
em que azul
ocultas
teu absurdo.


MANUSEIO

Tépidas
essas mãos
que divagam
devagar
por meus relevos
óbvios
e demoram
fundo
no obscuro
ponto
onde o corpo
se abisma
e silencia,
absurdo.


AMOR

Na véspera de ti
eu era pouca
             e sem
sintaxe
eu era um quase
         uma parte
sem outra
            um hiato
de mim.
No agora de ti
            aconteço
tecida em ponto
              cheio
um texto
com entrelinhas
          e recheio:
um preciso corpo
um bastante sim.


OFÍCIO

Escrever
a água
da palavra mar
o voo
da palavra ave
o rio
da palavra margem
o olho
da palavra imagem
o oco
da palavra nada.


BLACKHEATH

A poesia me chama entre as árvores
de folhas incompletas.
O vento é frio, apesar de terno.
Corvos mancham o azul sem peso
desta tarde que não começa.
O trem também me chama.
E não vou.

***


MYRIAM FRAGA, poeta,escritora, jornalista e biógrafa. Tem 20 livros publicados, entre poesia e prosa. Pertence à Academia de Letras da Bahia e ao Conselho de Cultura do Estado. Participou de várias antologias no Brasil e exterior, tendo poemas traduzidos para o inglês, francês e alemão. Entre suas recentes publicações: Poesia Reunida (2008) com o conjunto de sua obra.








PERSPECTIVA

Este é um mundo-limite
(A que me oponho)
De ciciadas palavras,
De mesuras,
De faces decalcadas
De outras faces
E de sentenças duras.

Este é um mundo-mentira
(Não me enganam)
Da espiral de cinza.
Do frangalho do sonho.
Onde a espera faz-se inútil
E o tempo é nada.

Mundo-agora.
O demônio com seus filtros
O desvairado cachorro.
Sua matilha.
Semeando este chumbo,
Esta ameaça.

Duro é o espreitar do olho
Em cada face.
Na boca devastada
A fome pasce
E a mão ensaia o gesto
E se disfarça.


2

De que serve a memória
— fuso e roca —
farta de prodígios,
tinjo e lavo
o fio das meadas,
o fio desta vida

lavo com água e
mornos sais
                 o corpo
e enquanto afagas
tua remota cicatriz
tuas
chagas enigmáticas,
heroicos feitos, falos
eu refaço
            as feridas
minhas — doces talhos
de incruentas batalhas.


ABRIL

Escrevo de memória.
A infância é um bolo
Na garganta
E a dor de dividir-se
Nos espelhos.
Que foi feito de mim,
Daquela estória
Que eu me contei um dia
E que perdi?
Escrevo sempre à noite;
Pela manhã apago
E recomeço.
É tão difícil viver,
É tão de açoite
O vento nas vidraças!
É abril e chove
E a terra morta
Onde o lilás floresce
É minha pátria agora,
Meu destino. Insula.
II
Em luz e sombra agora
O contemplado
Rosto de antigamente
Exato e raro.

Tudo que foi
Aqui está enterrado.

Em branco e preto
A soma revelada
Do que outrora foi vida
E hoje é distância.


MINOGRAM

Não te mires no espelho
Côncavo das virtudes.

Esquece o labirinto.

Não cogites,
Devora.


RubensJardim, 67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil. Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas: ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008). Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80 anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília (2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional. Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim

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