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José Saramago na
apresentação do
livro "A Viagem do
Elefante"
MAURICIO LIMA
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A
ausência de Saramago na paisagem
Por Fábio Monteiro
Depois de José Saramago, a
literatura portuguesa mudou. O Nobel da Literatura português morreu faz hoje
quatro anos.
“Nunca me imaginei assim
tão grande, obrigado”, disse José Saramago, ao fotógrafo João Francisco
Vilhena, em 1998, na sala de espelhos do Grande Hotel da cidade de Estocolmo,
depois de terem trocado um abraço. Saramago estava na Suécia para receber o prémio
Nobel da Literatura. Ia juntar-se a nomes míticos da literatura mundial como
Thomas Mann, Gabriel Garcia Marquez, Knut Hamsun, Albert Camus, Luigi
Pirandello, William Butler Yeats… Nunca um escritor de língua portuguesa tinha
conquistado este prémio, e até hoje, 2014, tal não se voltou a repetir.
Mas não é aqui que começa
a história do fotógrafo com o escritor. Duas semanas depois de ter sido
anunciado que José Saramago tinha ganho o prémio Nobel da Literatura, Francisco
José Viegas, na época a trabalhar como jornalista para a revista Ler, a
arquitecta Luísa Pacheco Marques e o fotógrafo voaram para Lanzarote. João
Vilhena estava responsável por “conceber uma exposição” sobre o autor para ser
mostrada em Estocolmo, à data da entrega do prémio.
Desde 1993 que Saramago
tinha-se auto-exilado na ilha de Lanzarote, nas Canárias, com Pilar del Rio, a
jornalista espanhola com quem casara em 1988. O veto oficial à candidatura do
romance “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, publicado em 1991, ao Prémio
Literário Europeu, precipitou a sua saída de Portugal.
“Ele [José Saramago] sai de Portugal e vai
morar para a ilha mais vulcânica de todas [das Canárias]”, diz João Francisco
Vilhena, dentro do Palacete Seixas, sede do Camões – Instituto da Cooperação e
da Língua, local onde está a decorrer a exposição fotográfica “Lanzarote, a
Janela de Saramago”, até ao dia 27 de Junho.
João convenceu José
Saramago a fazer uma caminhada até à cratera do vulcão El Cuervo, em 1988, para
uma sessão fotográfica. Até indicou que roupa devia vestir: calças e camisa
preta, o que causou uma certa estranheza. Queria “misturá-lo com a paisagem,
transformá-lo na paisagem”, explica. Uma das imagens expostas nas paredes do
palacete, feita em contra-luz, mostra a silhueta de Saramago com as mãos
estendidas à altura da cintura. Se não soubéssemos que era o escritor ateu
assumido, facilmente podia dizer-se que era alguém a rezar ou a meditar. “Ainda
nos vão dizer que andamos aqui a fazer fotografias de carácter religioso”,
disse Saramago na altura. Saramago aparece a sorrir na foto. Deste encontro,
embora breve, ficou uma ideia na cabeça de João Francisco Vilhena: fazer um
livro sobre a vida do autor na ilha, regressando a Lanzarote.
Para o fotógrafo, o Nobel
português nunca se expôs tanto como a partir do momento em que foi morar para
aquela ilha vulcânica. “O português melancólico” que foi absorvido pela
energética família andaluz de Pilar del Rio, ficou com a “escrita mais
interior”, lembra. Um Saramago consciente sobre a falta de tempo que tem, a
iminência da morte. “Para amar a mulher, família, amigos.” Não foi por acaso
que o escritor fez referência à sua terra natal, Azinhaga, na cerimónia de
entrega do prémio Nobel.
José Saramago nasceu na
aldeia de Azinhaga, na Golegã, a 16 de Novembro de 1922, e apesar da mudança
com a família para Lisboa, com apenas dois anos, o local de nascimento seria
uma marca constante ao longo da sua vida. Teve um infância pobre. Devido a
dificuldades económicas, foi obrigado a abandonar o Liceu Gil Vicente e matriculou-se
na Escola Industrial Afonso Domingues, onde terminaria em 1939 os estudos de
serralharia mecânica.
Nas palavras do filósofo Eduardo Lourenço,
a quando da morte Saramago foi, na sua história pessoal e de escritor, “o que
de mais próximo tivemos da Gata Borralheira, uma gata borralheira rústica, que
nasceu num berço pobre e chegou àquele trono de Estocolmo”.
Saramago alimentou a
paixão pela literatura de forma autodidata, passando noites a ler na Biblioteca
do Palácio das Galveias. Trabalhou nos serviços administrativos do Hospital
Civil, antes de se ligar profissionalmente à Caixa de Abono de Família do
Pessoal da Indústria da Cerâmica. Foi crítico literário, tradutor, jornalista
e, em pleno PREC, foi diretor adjunto do Diário de Notícias, uma passagem que
seria marcada pelo polémico saneamento de quem se opunha à linha ideológica do
jornal, e acabou por ser demitido no dia 25 de Novembro de 1975. E para bem de
todos os leitores: Saramago decidiu que a partir de então, seria um escritor a
tempo inteiro. Saramago reinventou a língua portuguesa.
David Machado, escritor
português, lembra que quando descobriu os livros do Nobel português, achou que
podiam ser sul-americanos do realismo mágico. Ficou impressionado pela forma
como “ele tratava a linguagem”. David foi a muitas conferências e até ao
lançamento de um livro do autor, mas não o chegou a conhecer pessoalmente.
“Pedi-lhe uma vez um autógrafo, há muitos anos, na feira do livro”, diz. Esteve
na fila durante “uma meia-hora” e encontrou “um homem cansado, muito simpático
e prestável.” As pessoas não levavam um livro para autografar, punham-lhe
pilhas em cima da mesa, lembra.
Em 1998, João Vilhena
voltou para Portugal durante uma semana para revelar as fotografias e preparar
a exposição. De seguida, voou para Estocolmo, na data da cerimónia de entrega
do prémio a Saramago, onde trocaram um abraço que lhe ficou na memória. Depois
do Nobel, a vida de Saramago nunca mais foi a mesma. “Respondia a todos os
convites.”Viajava incessantemente pelo mundo, até ao ponto de ficar muito
debilitado de saúde.
Talvez o testemunho mais
profundo da vida do autor após o Nobel seja o documentário José e Pilar, que o
realizador Miguel Gonçalves Mendes disponibilizou integralmente no Youtube.
Só muitos anos depois, ao
serviço do jornal Sol é que João Francisco Vilhena voltou a visitar Lanzarote.
Lá, encontrou um Saramago doente e muito debilitado. A ideia para um novo
projeto arrastou-se. Saramago morreu. “É muito triste regressar à ilha onde ele
[Saramago] já não está.” Passados 15 anos, João Francisco Vilhena voltou a
Lanzarote para fotografar um vazio, completar uma ideia. Falou com Pilar del
Rio, leu os cinco volumes dos Cadernos de Lanzarote. Durante 12 dias, morou no
apartamento construído por cima da biblioteca do escritor. Percorreu caminhos
passados com excertos dos diários do escritor na cabeça. Encontrou a mesma
paisagem, as mesmas cores, as mesmas pedras. E uma ausência.
“Estás a olhar para a paisagem e falta-lhe um
vulcão: Saramago”, diz o fotógrafo
Em Maio, foi publicada a
ideia que João Vilhena teve há 15 anos em Lanzarote. Um livro de homenagem, com
um tamanho semelhante a um diário, “algo mágico” e “cozido a linhas pretas como
a cor do vulcão.” A capa do livro não tem título: só um homem vestido de preto,
conhecido por muitos a nível mundial, em simbiose com a paisagem.
Às 12.30 do dia 18 de
Junho de 2010, José Saramago morreu na sua residência em Lanzarote “em
consequência de uma múltipla falha orgânica, após prolongada doença. O escritor
morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de forma serena e
tranquila”, segundo o comunicado emitido pela Fundação José Saramago naquele
dia. Quatro anos depois a sala de exposições no Palacete Seixas, em Lisboa,
está vazia, mas Saramago está presente. “O esquecimento é a morte definitiva”,
escreveu um dia o único prémio Nobel da Literatura em língua portuguesa.
Recordar Saramago é contornar a definitividade da morte.
–
Lanzarote, a Janela de
Saramago
João Francisco Vilhena
(Maio de 2014, Porto
Editora)
Nº de páginas: 104
PVP: €16,60
Fábio Monteiro - Jornalista
“Sou um homem ridículo.” Entrei na faculdade para estudar Astronomia,
licenciei-me em Ciências e Tecnologias do Ambiente. Gosto de contar
histórias verdadeiras, ouvir e de silêncio.
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