A correspondência inédita
de Jacqueline Kennedy
Cartas revelam a vida de
Jackie Kennedy, escritas a próprio punho
FLÁVIA YURI OSHIMA
NA INTIMIDADE
Jackie Kennedy em foto de
1964. As cartas mostram o que pensava e sentia a primeira- dama mais célebre
dos EUA (Foto: Bettmann/CORBIS)
"Ele me magoou muito.
Deixou de me ligar por semanas inteiras quando estava em campanha. Até então,
achei que John estivesse apaixonado por mim tanto quanto estou por ele. Agora
sei que, se me pedir em casamento, será por razões práticas. Um político de
respeito tem de ter família.” O relato da jovem Jacqueline Lee Bouvier, de
apenas 22 anos, descrevia seu namorado e futuro presidente dos Estados Unidos,
John Fitzgerald Kennedy. O desabafo ao padre irlandês Joseph Leonard, em 1951,
está nas 33 cartas escritas por ela a Leonard ao longo de 14 anos, de 1950 a
1964. O material acaba de ser revelado.
Jackie conheceu o padre
Leonard aos 21 anos, numa viagem à Irlanda. Tornaram-se amigos, e a
correspondência começou em seguida. Ela encontrou Leonard só mais uma vez, ao
voltar à Irlanda com o marido em 1955. As cartas foram descobertas quando a
Universidade All Hallows pediu a um perito que avaliasse livros antigos que
poderiam ser vendidos. O baú com a correspondência entre Jackie e Leonard
estava entre eles. São 103 folhas, com cartas manuscritas, datilografadas,
cartões, envelopes e algumas fotos. O material será leiloado no dia 10 de
junho. A expectativa é que o valor do lote ultrapasse £ 1 milhão.
Jackie foi uma das mais
importantes personagens femininas da história dos Estados Unidos. Tão
carismática quanto o marido, Jackie era bonita, elegante e culta. Estudara nas
melhores escolas americanas e na universidade francesa Sorbonne. Era uma
leitora voraz de literatura e de livros de história. Jackie povoou o imaginário
feminino tanto por sua aparência quanto por suas ideias.
Há dezenas de obras sobre
sua vida. Nenhuma delas foi escrita por ela. É a primeira vez que se leem as
opiniões pessoais de Jackie sem intermediários e, mais que isso, ditas sem
rodeios ao interlocutor em quem mais confiava. São relatos sinceros, desarmados
e feitos por alguém com cultura e capacidade de elaboração acima da média. Uma
das cartas revela a importância daquela amizade: “É tão bom poder lhe dizer o
que sinto e tirar esse peso do meu peito. Não diria essas coisas a mais
ninguém”. Tudo isso faz dessas cartas o material que mais se aproxima de uma
autobiografia de Jackie.
A faceta que surge das
cartas é uma jovem sensível, com forte senso crítico e madura para a pouca
idade que tinha. Ainda solteira, Jackie percebeu o tamanho que o casamento e a
carreira teriam na vida de seu futuro marido. “Lembrei-me de Byron (poeta
britânico), quando diz que o casamento é uma pequena parte da vida do homem.
Enquanto, para a mulher, representa sua existência completa”, diz ela. Jackie
diz e demonstra nas cartas, ao longo dos anos, que sempre fora apaixonada pelo
marido, mesmo quando se queixava das infidelidades dele. “John é como meu pai:
adora caçar, mas fica entediado com a conquista. Mesmo casado, ele ainda tem de
provar que é atraente. Então flerta com outras mulheres, ainda que isso magoe
quem o ama. Esse comportamento em meu pai quase matou mamãe.” Ou quando reclama
da ambição excessiva do marido, em que também se reconhecia – fato que a
fascinava tanto quanto a assombrava. “Temo por uma espécie de maldição. Sempre
associo a sede de poder à trajetória de Macbeth. E se formos cegados por ela?”
Nos primeiros meses de
casamento, reclamava da sogra, Rose Fitzgerald: “Está longe de ser uma pessoa
brilhante. É do tipo que prefere a Bíblia a um bom livro”. E de seu papel na
glamourosa vida do marido: “Talvez eu tenha pintado um mundo cintilante, cheio
de cabeças coroadas e homens capazes de forjar o destino, para não me ver
apenas como uma pobre dona de casa. Por
fora, tudo é glamouroso... por dentro, pode ser um inferno”. Um ano depois de
escrever essa carta, Jackie tranquiliza o amigo: “Estou muito feliz com minha
relação, mais do que quando me casei”.
Nenhum dos muitos
incidentes dolorosos da vida do casal Kennedy passou em branco nos relatos. Em
1956, ao perder a primeira filha, Arabella, no parto, Jackie escreve: “É
incrível como, ao compartilhar uma dor, o casal se aproxima”. Em 1963, ao
perder seu filho Patrick, que vivera por somente dois dias, diz: “Estou tão
brava com Deus”. O assassinato de Kennedy ocorreu três meses depois disso.
“Queria ter sido atingida no lugar dele... preciso acreditar que existe um
Deus, de outra forma nunca mais poderei me encontrar com John.” O obituário de
Jackie publicado pelo jornal The New York Times, em 1994, dizia: “O silêncio de
Jackie fez de seu casamento com o presidente um mistério”. Com as cartas
recém-descobertas, parte do mistério se desfaz.
Fonte:
Revista Época
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