O VELHO RELÓGIO DE CORDA
Por Humberto Pinho da
Silva
São quatro horas de tarde
escaldante. O velho relógio de parede acaba de dar quatro sonoras badaladas,
que ecoaram pela casa deserta e silenciosa.
O centenário relógio de
pêndulo, movido a corda, foi de minha bisavó Júlia. Sempre o conheci suspenso
na parede, forrada a papel encarnado, da pequena salinha de jantar, onde
tomávamos as refeições diárias.
Está protegido por sólida
caixa de madeira, esbotenada e lurada de caruncho, de cor castanha, onde dois
grandes ponteiros negros, marcam e contam o tempo.
Insensível, cumpridor fiel
das suas funções, assistiu, altivo e sisudo, às alegrias e angústias da
família.
Passivamente, viu, do alto
da sua parede a morte de minha avó, na flor da idade e à criação de meu pai.
Assistiu, igualmente, aos
derradeiros momentos de minha mãe, vítima de doença que não perdoa, apesar do
progresso da medicina.
Impávido e sereno, sempre
indiferente, sempre na monotonia do tic- tac, o pêndulo de metal amarelo, marca
ritmicamente, minutos e horas. Horas que passam, que foram, mas já não são.
Minha juventude foi
cronometrada por esse velho relógio de corda.
As sonoras badaladas
percorriam a antiquíssima casa, avisando a hora do almoço, e indicando o termo
das divertidas brincadeiras – as construções de madeira, o mecânico, os
soldadinhos de folheta policromados, os bonecos de trapos, que a madrinha
Baptista, com habilidade, paciência e muito gosto, confeccionava, imitando
trajos usados na sua longínqua adolescência.
E sempre ele, o velho
relógio de pêndulo, dia e noite, sem parar, sem descansar, avisava que o tempo
passava.
Um dia fui chamado a
cumprir os deveres para com a pátria.
Levei saudades da casa,
onde nasci; dos carinhos maternos; do sofá, onde, em tardes sombrias, lia e
relia livros que retirava da vasta biblioteca paterna; e do velho e amigo
relógio.
Após a morte de meu pai,
feito partilhas, trouxe-o para minha casa.
Solenemente coloquei-o na
sala de jantar.
Reparei, então, que a
velhice, começara a corromper a complicada engrenagem, que mostrava sinais de
desgaste.
Levei-o ao relojoeiro.
Mirou-o, remirou-o e por fim disse: - “ É muito antigo…Os concertos são
difíceis e caros…
Pendurei-o em local de
destaque, mas não lhe dei corda, para não gastar as peças.
Mas sempre que chega o
Natal, acerto-o. Dou-lhe corda. Começa, então, no seu tic-tac, surdo, o mesmo
tic-tac que ouvia na infância.
O velho relógio de parede
traz, consigo, o passado: cenas, alegrias, tristezas, que sempre partilhou,
impassível, mas atento, do alto da sua parede.
Os objectos antigos, que
passam de geração a geração, na mesma família, possuem encanto especial, e a
magia de unir a família…principalmente os que já faleceram.
Humberto Pinho da Silva nasceu
em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o
liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de
Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano
de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira
Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira,
alemã, argentina, canadiana e USA. Foi redactor do jornal: “NG”. e é o
coordenador do Blogue luso-brasileiro "PAZ
Página na Internet:http://solpaz.blogs.sapo.pt/
E-mail: humbertopinhosilva@sapo.pt
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