Um lacaniano roxo
Outro dia ouvi alguém
dizer “Fulano de Tal” é um lacaniano roxo. Fiquei a pensar no que ouvi e, a
princípio achei que isso era bom, isso de ser um lacaniano roxo. Imaginei que
esta tal pessoa soubesse muito de teoria. Depois comecei a pensar em todas as
referências que tenho para definir o que quer dizer quando alguém é alguma
coisa “roxo”. Dizer que se é roxo por alguma coisa significa que se é
extremamente apaixonado por algo. Mas tem que ser tão apaixonado, mas tão apaixonado,
que não caiba mais nada na vida daquela pessoa. Alguém pode ser roxo no amor
por seu time, por exemplo. Em decorrência disso, brigar de soco com os outros
roxos de outras torcidas.
Também alguém pode ser
roxo por uma religião, tão roxo, mas tão roxo, que saia por aí dizendo que o
outro vai direto para o inferno, sem direito a uma passagem pelo purgatório. Um
outro mais cético, poderá ser roxo por ciência e criar assim sua própria
religião. Muitas intolerâncias tiveram início a partir de discursos
científicos, roxos. Desconsiderar a subjetividade e tentar relegá-la ao
esquecimento, só pode ter sido obra de algum cientista roxo que atribui todas
as variabilidades humanas a hormônios e suas alterações, ou às combinações
genéticas.
Ser roxo é ser contrário
aos questionamentos. Se ser roxo é ser extremamente apaixonado, não nos
esqueçamos que a palavra paixão tem origem em pathos, a mesma palavra que dá
origem a “patologia”. A paixão não abre espaço para questionamentos, é feita de
certezas. As certezas são inimigas da busca pelo saber, das dúvidas. Então
pensei que ser lacaniano roxo não deve ser nada legal. Até porque a psicanálise
não é religião, nem dogma, e não é inquestionável. Freud e Lacan sempre se
esforçaram para manter suas teorias em constante reformulação. Mantiveram-se
abertos ao diálogo com a literatura, a matemática, a física, etc.
Viajando um pouco mais
pensando no roxo, lembrei que quando batemos o corpo fortemente, ou somos
batidos, o hematoma é roxo: “Fulano está com o olho roxo”. Pensei que, com a
passagem dos dias, a cor vai ficando esverdeada, amarelada, até sumir. Já disse
o porquê de não gostar do termo “roxo”, também não gosto do amarelo, porque me
lembra: “Beltrano estava tão nervoso que ficou amarelo”. Gosto do verde. No
hematoma, é quando ele já saiu da fase crítica. Então, ao invés de lacaniano
roxo, preferiria ser lacaniana verde.
Isloany Machado -
Psicóloga clínica (CRP 14/03820-0) Psicanalista, membro da Escola de
Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Fórum do Campo Lacaniano de
MS. Especialista em Direitos Humanos pela UFGD e em Avessos Humanos pelo
Ágora Instituto Lacaniano. Mestre em Psicologia pela UFMS. Despensadora
da ciência e costuradora de palavras por opção.
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