AS MULHERES POETAS NA
LITERATURA BRASILEIRA (22)
SONIA PEREIRA (1952) poeta
paulista, é arquiteta formada pela USP e também compositora. Organiza e
participa de saraus e oficinas literárias em São Paulo. Já participou de várias
coletâneas e obteve algumas premiações. Publicou dois livros: Conta Gotas (1998)
e Maldições e Outras Crueldades (2004). Atualmente produz seus próprios livros
e integra o grupo lítero-musical Sampestre.
RESISTÊNCIA
A fresta do muro
é suficiente. Cabem:
a lua e o sol poente
FÁLICA
Falo de mim,
sempre falo.
Deslizo em meus
Vãos
desejos de
línguas e mãos
ávidas
e falo,
sempre falo.
ALVORADAS
então bebo
o descompromisso
do amanhã
o dia engendra coisas
à minha revelia
e tudo é
bem maior que
a mesquinhez do destino
e se anuncia na bruma
surda
tola
linda
de hoje
A preocupação com a grana
me engana
a pena falha
a poesia engasga
o peito se retrai.
Vazio,
o bolso gargalha.
MÁRCIA MAIA (1951) poeta
pernambucana, é médica e participou de várias antologias, no Brasil e Portugal.
Edita os blogues Tábua das Marés e Mudança de Ventos. Teve poemas publicados na
revista Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional, 2001. Já publicou 6 livros:
Espelhos (2003), Um Tolo Desejo de Azul(2003), Olhares/Miradas (2004) e Em
Queda Livre (2005), Cotidiana e Virtual Geometria(2008) e Sem Amém (2011).
A chuva enxágua as
calçadas
da sexta-feira
deserta.
Encharcada, a miséria se
abriga
sob os pórticos das
igrejas
antigas
pintadas de novo
— preciosamente
preservadas —
sombria imagem de
esquecidos.
Não há páscoa, nesta
cidade
de vivos-mortos.
Sem ressurreição e sem
saída
aqui é sempre
— e todo dia —
sexta-feira da paixão.
INTIMIDADE
se tocar um blues
e eu estiver de azul
como a tarde
me beija o pescoço
me explora o decote
( aos amigos se permitem
certas intimidades ).
mas,se tocar um tango
dança comigo
me beija na boca
quem sabe me ama
( que não é de ferro
a amizade ).
depois
tomar café com leite
e pão torrado
e seguir sendo amigos
por infinitas outras
tardes.
ÍNTIMO
sentes?
esse arrepio que disfarço
essa chuva que dentre as
pernas
se me brota
umedecendo-me secretamente
o descompassado bater do
meu
coração urdindo
jam sessions de desejo
dentro em mim
enquanto olhar sereno riso
nos lábios
todas as tuas histórias escuto
sem que te apresse
sem que me apresse
sentes?
MUDANÇA DE HÁBITO
desistiu.
cortou os cabelos,
encurtou
as saias, trocou a cor do
batom e o número do
telefone
celular.
esqueceu promessas e juras
- mentiras antigas –
bem como a cor dos seus
olhos e
o tom grave da sua voz
: a dele.
tratou de, em paz, viver a
vida
:a sua.
as cartas, entretanto,
guardou
para o caso de
arrependimento
futuro ou se viesse a
pesar a solidão.
MARY CASTILHO (19 ) poeta paulista, foi criada em Catanduva
e reside em São Paulo desde 1981. É professora pós-graduada de literatura e
língua portuguesa. Publicou o livro Cântico dos Destorcidos,(2005) com
apresentação dos poetas Álvaro Alves de Faria e Mariana Ianelli. Tem
participado com regularidade de leituras e saraus. Tem livro pronto a ser
publicado: As Mãos e o Sal.
RAÍZES
No pescoço de meu avô,
eu lia o tempo
nas fendas e rugas
quadricularmente marcadas.
Nas suas mãos,
com cheiro de curral,
sem ajuda cigana
liam-se palavras da terra.
Nos olhos verdes de meu
avô,
nunca entendi a luz opaca
timidamente mostrando
nossas origens reais.
Os pés de meu avô,
de tanto fincarem-se ao
solo,
plantaram-se.
Arvoreceram-se.
E ainda hoje ali está
- carícia alento-
das copas verdes da árvore
a sombra de meu avô.
Cântico dos pães
"Recebe o batismo e lava
os teus pecados “(At 22, 16).
Quando amasso o pão
volto-me às mulheres,
minhas ancestrais.
Enquanto misturo os ovos e
a farinha,
faço poemas e canto
baixinho
para não acordar a massa
que descansa enquanto
cresce,
assim como crescem minhas
palavras.
Na janela, violetas roxas
silenciam-se
ao me verem antiga e
alimentadora.
Eu nunca me mostro assim,
sem letras, entre
silêncios,
sacramentada pelo pão
fermentado.
Minhas ancestrais sorriem,
pois sabem que permaneço
pura
e envolta pelas paisagens
simples
do adro, do sino, do gado,
da água e do pão
ao lambuzar-me como estou.
Faço delas minha proteção.
Depois me batizam na lida
da casa,
molham meus cabelos com a
água do tempo,
ungem minha testa com o
sal da poesia,
e eu passo a entoar o
cântico dos pães
DAS LEMBRANÇAS
Uma a uma contemplo
as fotografias na caixa
habitada por fungos
e antepassados.
Cobrem-se por tênue véu
do presente sob os arcos
formados pela sombra do
abajur.
Tento colocar-me nos
intervalos
fixados e presos pelo
tempo do retrato.
Ninguém me cede lugar.
Sabem que não faço parte
da seriedade dos corpos
rijos
sob sedas e camafeus,
e nem tenho o olhar turvo
dos mortos que ajudei a
enterrar,
ato que refaço agora com a
tampa
da caixa de retratos.
Eternizando
Sou mulher,
e, como um rio, carrego
a eternidade em mim.
Com a força infinita da
vida,
atravesso o espaço
limitado
e me transbordo sem deixar
que impurezas das margens
maculem meu leito de água.
Como se expandisse por
corredeiras
saltos, pedras e vales,
me deságuo,
ao buscar a palavra
que se materializa
e se faz vida.
Encontro-me como um rio e
carrego
a eternidade das palavras
em mim.
NOÉLIA RIBEIRO (19 ) nascida em Recife foi morar, ainda
pequena, com a família no Rio de Janeiro. Com 12 anos mudou para Brasília, onde
vive até hoje. Fez letras na UNB, especialização em língua portuguesa e
inglesa. Participou do livro Salada Mista com os poetas Sóter e Paulo Tovar. Em
1982 publicou seu primeiro livro, Expectativa eem 2009, Atarantada.
GRÁVIDA
Dentro de mim
o ser busca espaço
empurrando órgãos
até chegar ao coração
e tornar-se filho.
Fora de mim
observo meu companheiro
intrépido
à espera de multiplicação.
Acima de mim
meu irmão de sangue
encontra Deus
para reger a comunhão.
Mas eu permaneço assim:
em estado de graça
e completamente estarrecida.
Alguém me empresta um
projeto de vida?
DEVER DE CASA
A porta de minha casa
separa vontades e deveres.
Estes cumpro fielmente
enquanto o pensamento voa
demente.
À porta de casa,
ainda hesito.
Guardo as asas
e inicio o rito.
CÓDIGO DE BARRAS
A primeira foi o beijo.
Depois vieram a indiferença
e as diferenças,
colocadas lado a lado.
Houve também melancolia
e desprezo velado.
Da mistura dessas barras
impenetráveis
resultou o código do nosso
amor chinfrim:
sem começo e sem fim.
VERSATILIDADE MATERNA
O filho grita,
a filha chora,
o gato mia,
o pai canta.
A mãe pede um minuto de
silêncio
para fazer tudo isso ao
mesmo tempo.
Rubens Jardim,
67 anos, jornalista e poeta. Foi redator chefe Gazeta da Lapa e
trabalhou no Diário Popular, Editora Abril e Gazeta Mercantil.
Participou de várias antologias e é autor de três livros de poemas:
ULTIMATUM (1966), ESPELHO RISCADO (1978)e CANTARES DA PAIXÃO (2008).
Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA em 1973, em comemoração aos 80
anos do nascimento do poeta, evento que contou com o apoio de Carlos
Drummond de Andrade, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Raduan
Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e
publicou JORGE, 8O ANOS - uma espécie de iniciação à parte menos
conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano. Integrou o movimento
CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, cujo lema era: o
lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os
lugares... Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília
(2008) com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional.
Fez também leituras no café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília. E
participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do
Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Teve poemas
publicados na plaquete Fora da Estante, (2012), coleção Poesia Viva, do
Centro Cultural São Paulo. Páginas na Internet: Site: Rubens Jardim e Facebook: Rubens Jardim
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