Crônica para o umbigo do
poeta
Por Cláudio Portella
Artigo publicado no site Musa na Mesa
Pensava ter uma pá de
opções, percebo que a única opção é escrever. Ficar colado ao computador. O
vulcão interno, a explosão, a repetição de um monólogo inacabado é a
vivissecção do passado sempre presente. O que é o presente? Um pacote bem
embrulhado, com dedicatória e laço multicor?
Cada nova crônica é a
confirmação mais que científica que o presente não existe.
Abandonei a universidade,
não porque não estivesse preparado para ela. Ela é que não estava pronta para
minha poesia. Sou a medida da minha poética. Quando entrei na universidade, a
primeira coisa que fizeram foi pegar a trena e medir minha poesia. Mediram, deu
1mm, um milímetro de puro medo. Medo estampado no meu cabelo comprido, meu
rosto pálido, meu corpo magro. Disseram, você está terminantemente proibido de
entrar no departamento literário. Aliás, nem passe em frente. Seu medo pode ser
contagioso. Minha poesia… Ia eu dizendo. Quem lhe deu o direito de chamar
minha? Você é indizível. Você é uma chaga. Você é o dedo sujo na sopa de
letrinhas dos nossos poetas. Nossos Poetas sim! São Mestres! Você é o aluno,
quer dizer, você é o indizível. Nossos Mestres medem 100.000.000 de metros cada
um deles. Então peguei meu (eu não posso chamar de meu!) 1mm, enrolei, meti de
baixo do braço e fui embora.
Tenho enorme dificuldade
em falar as palavras poesia e poema. Sou tagarela! Mas, na hora de falar uma
dessas palavras, emudeço. Tento! TEnto! TENto! TENTo! TENTO! Cadê? Nada! Suo,
ruborizo, encho a boca. Não dá! Poesia e Poema para mim são palavras sagradas.
Seria mundano demais se me fosse permitido. Logo eu! O aluno!
Vivi uma emoção forte, tão
forte quanto a pancada que Dom Quixote levou na cabeça. Desde então meu cabeção
chato passou a ver estrelas, e eu pensei ser uma delas. Engoli o Rei e lutei
com tudo que tinha e não tinha contra o papel em branco, contra o dedo parado
no ar apontando para meu nariz, contra o velho que me botava para dormir lendo
suas poesias. Mas o tempo foi passando, dez, vinte, trinta, quarenta, cinquenta
anos e o dedo sempre apontado para mim. Proibindo-me de ir além do que estava
escrito, de passear sozinho à noite. Todas as farras e bebedeiras eram em
grupo, ai daquele que se embriagasse sozinho! Mas não me sinto sozinho agora,
agora tenho o computador.
Poetas, o mundo não é o
umbigo!
CLÁUDIO PORTELLA (Fortaleza, 1972) é escritor,
poeta, crítico literário e jornalista cultural. Autor dos livros Bingo! (2003),
Melhores Poemas Patativa do Assaré (2006; 1ª reimpressão, 2011; Edição em
eBook, 2013), Crack (2009), fodaleza.com (2009), As Vísceras (2010), Cego
Aderaldo (2010), o livro dos epigramas & outros poemas (2011) e Net (2011).
Colabora nas mais importantes publicações do Brasil e do exterior. Ganhou o
concurso de conto da UBENY - União Brasileira de Escritores em Nova York.
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