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ORGULHO E PRECONCEITO [Raul Arruda Filho]

ORGULHO E PRECONCEITO 

Nas horas de crise, quando o mundo parece estar em ruínas, a medicina deveria recomendar aos pessimistas e deprimidos alguns romances ingleses do século XVIII. São maravilhosos antídotos contra a mediocridade e a angústia. Além disso, todos celebram os finais felizes – que é uma das formas mais elegantes de suavizar os descompassos da vida. O poder terapêutico de qualquer uma das seis narrativas escritas por Jane Austen pode ser comprovado em 90% dos casos – sendo que Orgulho e Preconceito é o favorito de nove entre dez estrelas de Hollywood (como se dizia no tempo de minha avó). Quem é que consegue resistir aos encantos do relacionamento amoroso que une e separa Elizabeth (Lizzy) Bennet e Fitzwilliam Darcy?

O enredo é simples. As cinco filhas do casal Bennet (Jane, Elizabeth, Lydia, Catherine e Mary) precisam casar, pois o direito de herança determina que a propriedade da família, Longbourn, por falta de um descendente masculino, deve passar para as mãos de um parente distante, o Sr. William Collins, que exerce função eclesiástica em Hunsford. A chegada de estranhos, que alugaram Netherfield Park, uma mansão próxima, muda – para melhor – as perspectivas das moças Bennet. Na primeira oportunidade social, um baile público, a mais velha e a mais bonita das irmãs, Jane, se apaixona por Charles Bingley. Na mesma ocasião, Fitzwilliam Darcy consegue demonstrar o quanto é antipático – defeito que Elizabeth considera inadmissível em um cavalheiro. O resto do romance, mais de 400 páginas, está relacionado com enganos, mal-entendidos, desencontros, confusões e paixão.

Orgulho e Preconceito não é um drama clássico. Ao contrário, há trechos engraçadíssimos. A ironia e a comédia estão presentes em alguns dos principais personagens. O humor refinado do Sr. Bennet se destaca no meio de uma multidão de tolices. A mãe de Elizabeth, obcecada pelo futuro de suas filhas, transita entre o constrangimento e a inconveniência. Collins acumula tantas qualidades negativas (pernóstico, puxa-saco, medíocre,...) que é difícil escolher uma que não o considere uma aberração humana. Charles Bingley é um pateta sem personalidade, incapaz de decidir qualquer coisa, inclusive a própria felicidade, sem se apoiar nas opiniões da irmã ou de Darcy.

Em lado oposto, a seriedade está representada pela banalidade e a canalhice que caracterizam George Wickham – um personagem raso, desses que estão em cena para dissimular as diferenças entre o certo e o errado. Lady Catherine de Bourgh, tia de Darcy, unindo o histriônico com a prepotência, não consegue entender qualquer coisa que se afaste do mundo aristocrático – redoma que se mostra incapaz de proteger os valores que defende. A falta de graça desses dois personagens vai se transformando lentamente em humor. Eles são elementos de uma paródia, de uma caricatura grotesca.

O feminismo avant-la-lettre de Elizabeth Bennett é, provavelmente, a melhor qualidade de Orgulho e Preconceito. Ela consegue entender os acontecimentos antes dos outros personagens. Utiliza esse predicado como um jogador de xadrez – que calcula vários lances antes de seu adversário. Rebelde à tirania masculina, reverte qualquer situação desfavorável com presença de espírito. Herdou do pai a língua afiada, o uso da ironia como arma de combate. Nenhum homem consegue levar vantagem com ela. Inteligente, despreocupada com as aparências, lutando ardorosamente contra as convenções machistas, Elizabeth consegue encantar o coração empedrado de Darcy. Quando ele se declara apaixonado, confirma aquilo que o leitor desconfiava desde as primeiras páginas do livro: por trás daquela máscara de indiferença com o que é importante para as mulheres, há um homem carente.

Embora não seja a mais velha das cinco filhas, Elizabeth lidera as outras irmãs. Quase todas. A insensatez de Lydia não têm controle. Em compensação, a forma com que Elizabeth oferece solidariedade para Jane é exemplar. Embora não tenha muita estima pelo estilo atrapalhado de Charles Bingley, ela quer, antes de tudo, que a irmã seja feliz. E não economiza esforços para que o romance dos dois consiga chegar a um bom termo. Quando Darcy intervém para que o casal se una, o que o leitor percebe não é exatamente o triunfo de uma história de amor. O relevo dessa cena é o poder de Elizabeth agindo nos bastidores – muito mais forte do que as forças do destino.

Orgulho e Preconceito celebra a valentia das mulheres – e a fragilidade dos homens. A reunião desses dois ingredientes resulta em um romance magnífico, um triunfo da sagrada arte de compartilhar boas histórias com o leitor. Em síntese, um clássico. 

P.S.: Há várias versões cinematográficas e televisivas de Orgulho e Preconceito. Uma das mais conhecidas foi dirigida por Joe Wright, em 2005. Keira Knightley e Matthew Macfadyen interpretam os papéis principais.


Raul J.M. Arruda Filho, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008), publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional, segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias como se fossem uvas”.

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