Conselhos
divinos, sexo e vídeos
por Cinthia Kriemler
Tem gente que dá ideia.
Tem gente que põe em prática.
Assim que fiquei sabendo
sobre o tal pastor que mandou a paróquia toda praticar sexo sete dias por
semana, achei que aquela era a minha igreja. A teoria precisava de uns ajustes,
mas nada que impedisse uma súbita e deliciosa sensação de euforia.
É verdade que a coisa
tinha sido receitada para evitar traição, mas confesso que me atraiu muito mais
a prática do que o resultado projetado. Chamei o maridão na sala, na mesma
noite, e soltei de uma vez: “Você sabia que é da vontade de Deus que um casal
faça sexo sete dias por semana? ” Bom, se não era isso, era quase isso.
A descontração do momento
e as gargalhadas que soltamos acabaram por nos conduzir ao objetivo principal
do papo. E assim foi, a cada noite, uma após a outra, sem falta: a gente
começava o assunto, caía na risada e depois...
Nas primeiras semanas, o
controle sobre o maridão foi mais afrodisíaco que o sexo. Eu, finalmente, tinha
aprendido a ligar e desligar o sujeito! No começo, me senti poderosa. Com sete
anos de casada, as coisas já estavam mais pra pijama de bichinhos e pantufas do
que pra camisolas de renda. Quando eu pesava a memória na balança, o prato do
tomar-um-banho-sozinha-depois-jantar-ver-um-filme-em-DVD-assistir-o-jornal-da-noite-dar-uma-bicota-de-leve-e-dormir
sempre estava mais pesado que o do
te-recebo-na-porta-com-olhares-gulosos-e-em-vez-de-jantar-vamos-tomar-banho-juntos-e-ir-direto-para-o-quarto.
Quem não sonha com sexo
diário? Quer dizer, das mulheres que conheço — todas as que eu conheço gostam
muito da coisa — nenhuma rejeitaria a possibilidade de fazer sexo com o marido
(ou sem ser com o marido) todos os dias. Imagine então se, além do ritmo
frenético, ainda pudessem dizer: "Eu estou cumprindo ordens divinas."
Ensinei a fórmula para os
casais mais próximos. Minha melhor amiga, algumas colegas de trabalho, minha
irmã. Tenho certeza de que mamãe também andou ouvindo a história, porque, de
repente, ela e papai começaram a cochichar pelos cantos e a ir para o quarto
cedo da noite. Mas, no caso de mamãe, afirmo e reafirmo que não tive nada com
isso. Detesto pensar que mãe faz sexo. Não. De jeito nenhum! Mãe é virgem.
O primeiro sintoma de que
a Teoria do Sexo Abençoado tinha começado a falhar, para surpresa minha, não
foi no maridão. Numa terça-feira magra, acordei de um sonho esquisito com
taquicardia e suores. No meu sonho, o maridão queria fazer sexo e eu o
empurrava para longe de mim, mas ele continuava insistindo. Até que numa das
tentativas de afastá-lo eu o acertava com um soco no olho. Dez minutos mais
tarde, me encontrei de verdade com meu marido no banheiro: olho roxo, humor
roxo.
Engraçado, eu nem me
lembrava mais quando é que eu tinha tido uma dor de cabeça... Dei pra ter
várias. Depois tive cólica. Uma cólica que durou uns cinco, seis dias, dez
dias. Logo em seguida, dor de dente. Mais sete dias. E ainda fiquei com ódio
quando o dentista me disse que eu não tinha cárie, nem nervo exposto, nem
gengivite, nem nada. Pior de tudo foi enjoar de cheiros sem estar grávida.
Parei de usar batons, perfumes, sabonetes e até desodorante. Por fim, enjoei do
cheiro do maridão.
Aí aconteceu o misterioso
sumiço das minhas camisolas de renda. Toda noite, na hora de cumprir a vontade
de Deus, nenhuma peça disponível. Encontrei todas elas amarradas num saco atrás
da porta da despensa. Como assim? Quem tinha colocado minhas camisolas ali?
Então, o maridão me pediu
para sentar ao lado dele no sofá e foi me mostrando no celular um vídeo atrás
do outro. Primeira filmagem, ele tentando me abraçar na cama: soco. Segundo
vídeo, ele me dando um beijo no ouvido, na cama: soco. Terceiro, me abraçando
por trás, deitado na cama: cotovelada no olho. Quarto vídeo, eu sentada na
cama, no meio da noite, de olhos bem fechados, enfiando as camisolas de renda
num saco. Quinto vídeo, eu, novamente de olhos fechados, pendurando o saco
atrás da porta da despensa.
Chamei o maridão para
discutir a relação. Eu não tinha culpa de ser sonâmbula. Crise. Três dias sem
sexo. Dois sem conversa. Eu sem entender o exagero da coisa. No quinto dia, ele
me disse que ia para a casa da mãe dele. Queria “dar um tempo”. Pânico.
Implorei ao maridão para discutir a relação outra vez. E foi então que ele me
mostrou o sexto vídeo.
Eu, pijama de bichinhos,
dando o dedo da mão direita e, na esquerda, segurando um cartaz na frente do
rosto que dizia, em letras bem grandes: Por
favor, me traia! Deus não sabe de nada!
Cinthia Kriemler
- Formada em Comunicação Social/Relações Públicas pela Universidade de
Brasília. Especialista em Estratégias de Comunicação, Mobilização e
Marketing Social. Começou a escrever em 2007 (para o público), na
oficina Desafio dos Escritores, de Marco Antunes. Autora do livro de
contos “Para enfim me deitar na minha alma”, projeto aprovado pelo Fundo
de Apoio à Cultura do Distrito Federal — FAC, e do livro de crônicas
“Do todo que me cerca”. Participa de duas coletâneas de poesia e de uma
de contos. Membro do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal e da
Rede de Escritoras Brasileiras — REBRA. Carioca. Mora em Brasília há
mais de 40 anos. Uma filha e dois cachorros. Todos muito amados.
3 comentários
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk òtimo, divertido, imaginei que fosse acontecer mesmo. ADOREI!!
Cruzes! Que medo!!! kkkkkkkkkkkk...
Muito bom!! Adorei!!
Muito bom!!!! Kkkkkk
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