A
admirável arte de transformar a tragédia em comédia
por Ricardo Coiro
Você, provavelmente, deve
conhecer pessoas que dominam a admirável arte de fabricar gargalhadas
utilizando, como matéria-prima, o próprio tombo. Não conhece? NÃO? Então você
não sabe o que está perdendo.
Conheci um cara que foi
atropelado por um fusca e que, devido ao acidente, perdeu metade da orelha. Ele
passou uma semana de molho em um quarto de hospital, e, quando finalmente
voltou à faculdade, ao invés de choramingar ou de reclamar das pegadinhas do
acaso, disse:
“Foi, com certeza, bem
melhor do que ter lutado contra o Holyfield!”.
Todos riram imediatamente,
e, de uma experiência horrível como um atropelamento, ele fez diversão gratuita
para mais de trinta pessoas. E o bom humor não parou por aí: o recém-atropelado
ainda olhou, fixamente, para uma moça que já havia dado um fora nele, e falou:
“Pronto, amor, agora eu já tirei o pedaço da orelha do qual você não gostava!”.
Ela riu. Todos riram. Eu deveria ter aplaudido. Não sei se ele conquistou o
coração da moça, mas, graças ao bom humor, com certeza conquistou o meu eterno
respeito e a minha imensa admiração. Ele poderia – como vejo muito por aí – ter
dado uma de coitado e ter feito um daqueles discursos tecidos para gerar um bocado
de pena. Só que não! Ele, magistralmente, demonstrou que é do tipo que pode até
perder um pedaço da orelha, mas que nunca, por nada na vida, perderá a chance
de fazer o povo sorrir. Palmas para ele. É
sério, gente, por favor, batam palmas.
O moço com uma orelha e meia
não é único exemplo de gente que, quando cai, ainda do chão, faz com que uma
multidão gargalhe a ponto de cair na calçada. Conheci um cara com hemorroidas
sérias – daquelas que arrancam lágrimas a cada sentada e que obrigariam até o
indestrutível Chuck Norris a dormir de bruços -, porém, o cidadão do cu
sofrido, ao invés de lamentações, em um pequeno boteco de Minas Gerais, quase
me matou de rir quando, repentinamente, parou de falar sobre futebol e
confessou ter tal fragilidade anal. Ele usou a dor que ronda o boga dele para
fazer com que muitas barrigas doessem de tanto rir. Não é genial? Espero que
ele tenha melhorado das hemorroidas, mas que nunca pare de confessar,
publicamente, o quanto uma gotinha de Tabasco pode ser pior do que a vida de
novato com bunda sem pelos dentro de uma cadeia.
Sempre que quero gerar
risos, eu conto sobre uma dentada acidental que eu levei na piroca e que me fez
deixar o motel mais cabisbaixo do que os jogadores espanhóis depois da derrota
para o Chile. Eu, sinceramente, espero que você utilize aquilo que um dia fez
você chorar para fazer com que, um dia, alguém dê boas risadas.
Nunca vou me esquecer do dia
em que fomos (eu e mais uma galera) assaltados em Ubatuba e de amigo que, assim
que os bandidos deixaram a casa na qual estávamos, com o intuito de mandar as
caras de velório para puta que o pariu, imediatamente reacendeu a churrasqueira
e ligou o som. Os ladrões já tinham partido com os nossos celulares, tênis e
relógios, mas meu amigo, sabiamente, impediu que os homens encapuzados levassem
também a nossa alegria. Ou acha que deveríamos ter ficado, pelo resto da
viagem, aos prantos e em luto pelo ocorrido? Nada disso! E ele, o herói
churrasqueiro, para transformar as últimas lágrimas em sorrisos, ainda disse:
“A vantagem é que, se formos assaltados novamente, não teremos mais nada a entregar!
”. É sábio ou não é?
Além de importantes
aprendizados, se quer tirar algo de bom dos inevitáveis dias ruins, aprenda a
transformá-los em piadas e em momentos bons para aqueles que você quer bem.
Pessoas bem-humoradas acham
graça em pneus furados, dão risada da própria careca e não param de dançar
quando a calça rasga bem no meio da bunda! Ou seja: salvam qualquer rolê! Já as
pessoas que reclamam de tudo, meus caros, são mais contagiosas do que
conjuntivite, e, quando são nocauteadas pela vida, fazem o possível para levar,
com eles, o mundo todo para a lona.
Por isso, quando eu morrer,
exijo que, em minha lápide, escrevam: “Marilyn Monroe, prepare uma calcinha de
bolinhas, pois eu já estou chegando!“. Ou acha que eu vou querer provocar
lágrimas em quem, sempre que posso, faço questão de fazer rir?
Ricardo
Coiro
Vive entre o soco e o sopro.
Morre de medo do morno e odeia caminhar em cima do muro. Acha que sensibilidade
é coisa de macho e que estupidez é atitude de frouxo. Nunca recusou um temaki
ou um café. Peca todo dia. Autor do livro Confissões de um Cafamântico.
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