Luzes acesas
São tantos acontecimentos
tristes nos últimos tempos... O que constitui na verdade a cultura de um povo?
Por que as pessoas estão por demais submissas a credos e dogmas? Por que a
falta de questionamento interno e obediência tão cega ao que vem de fora? E a
capacidade de ouvir a voz interior, o coração, onde está? Será fruto do medo o
que estamos presenciando em relação aos atentados que acontecem com tanta
frequência pelos Estados Unidos e Europa?
Aos horrores do Oriente Médio? Medo
de perder a identidade cultural, respondendo com ódio de morte ao que é
considerado blasfêmia? Por que tanta provocação? Interesse da indústria de
armamento?
Lembro-me que em minha formação católica de
berço, algum tipo de dúvida e descrença
era considerada sacrílega. Isso incluía questionar a respeito dos valores
religiosos ou dogmas da Igreja, o que nos levava à punição de ficarmos
excluídos de receber a Comunhão, isto é, Jesus em corpo e alma na Hóstia
Consagrada! Tínhamos pesadelos horríveis se comungássemos sem antes termos
passado pelo confessionário. Pagaríamos
o “pecado” indo direto para as labaredas do inferno. As freiras contavam
histórias horrorosas dos que cometeram tal sacrilégio! Espírito das pessoas que
voltavam e deixavam marcas de mãos queimadas nas paredes da Igreja, frade que
submergia da terra ao ser enterrado, para que lhe tirassem da boca a hóstia que
não havia merecido comungar. Espíritos
que não permitiam que a Missa fosse rezada por eles porque “já estavam
perdidos...” Um horror! Ao mesmo tempo, quando crianças, tínhamos medo dos
judeus que mataram Cristo e olhávamos com reprovação, os evangélicos que
celebravam seu culto em frente a minha casa e
ainda dos espíritas que recebiam a alma dos mortos. Tudo isso nos foi
ensinado.
Quando saí de casa aos 22
anos, sacudi um pouco a poeira da religião que me fora imposta, mas o medo do
inferno continuava... Então, passei uma grande fase da minha vida ouvindo as
pessoas, aproximando-me das outras crenças, entrando em outros templos e me
tornei irmã de alguns budistas, evangélicos, messiânicos, judeus, espíritas,
etc... Dentre todas, a mais perturbadora
presença para mim era a do ateu. Era
algo desconcertante não crer em Deus!
Mas me refiro ao ateu legítimo! Não o que considera “a religião o ópio
do povo”, por modismo, nem do que faz do ateísmo outra religião, depreciando a
fé dos outros, mas aquele pacífico, tranquilo, como foi Betinho em sua jornada
contra a fome, como Dráuzio Varella, médico muito lúcido que publicou um livro
surpreendente sobre os prisioneiros aos quais dava assistência. Causavam-me
estranheza. Hoje em dia os compreendo e
aceito com tranquilidade.
Por causa dessas convivências,
os preconceitos começaram a caducar dentro de mim porque tornei-me autocrítica e capaz de perceber esse mundo muito louco com
os olhos da compaixão. Não digo a grande
Compaixão de Cristo, Buda, Maomé e outros iluminados, mas aquela que procura
compreender o outro em seu código. Contanto que a linguagem seja amorosa. Este foi o grande ganho que obtive ao sair
do meu lar católico, onde exceto a presença da minha mãe, sempre doce, havia
sérios conflitos entre pai e filhos.
Motivo pelo qual migrei para outro Estado.
Mas a mudança que se operou
dentro de mim foi bem maior que tudo isso. Passei a sentir e valorizar o que
têm em comum as diversas religiões, como
a sentir que só no núcleo do meu ser, no centro da grande mandala, ocupada por
todas elas, posso encontrar-me
plenamente com Ele, o Cristo. De tal
forma internalizado que só nesse
colóquio único e verdadeiro, chego à caverna do coração onde, como diziam os
sufis, a alma, nobre dama, toma o vinho do amor com seu Amado.
Gosto sim de participar de
rituais das várias religiões por causa da oração em conjunto, da energia que
vem da comunhão entre elas, do significado de cada gesto. Aprecio o Papa
Francisco, Dalai Lama e outros seres a caminho da iluminação. No entanto, sinto
que minha fé é solitária. Mais solitária ainda que a de Charles de Foucauld no
deserto, em frente ao Santíssimo Sacramento.
É muito bom destituir-se de
todo e qualquer preconceito, vestir uma túnica branca, ficar descalço e
penetrar no templo que fica no interior de si mesmo e sentir a Luz que dele
emana para todos. Sentido uma vela
acendendo outra vela no que têm em comum e comungar da mesma Luz que ilumina a
todos os corações, sem distinção de raça,
gênero ou religião.
Maria J. Fortuna - Nasceu em São Luís, Capital do Estado do Maranhão. Escolhi
Serviço Social como profissão. Com toda esta incursão no mundo das
artes, descobri que não podia viver longe desse cenário. A literatura
havia brotado cedo. Desde menina, sou fascinada pela palavra. Ingressei
na REBRA, onde recebi incentivo e divulgação do meu trabalho e resgatei
alguns textos que foram escritos no desenrolar da minha existência, aos
quais não dei muito valor na época em que foram produzidos. Recomecei a
escrever poesias, crônicas e livros infanto-juvenis. Publiquei cinco
obras infanto-juvenis, ao longo dos últimos anos: O menino do
velocípede, A incrível estória de amor de Mimo e Dedé , ilustrados pela
autora, ambos esgotados. O anjinho que queria ser gente, que está na 2ª
edição e O pardalzinho desconfiado, com ilustrações de Josias Marinho.
Os dois últimos pela Mazza Edições de Belo Horizonte. Em 2008, foi
lançada em Portugal outra obra de minha autoria por essa Editora:A
sementinha que não queria brotar, com ilustrações de Regina Miranda.
Este livro foi adotado pela Prefeitura de Belo Horizonte para as
crianças da rede escolar. Participei de duas Antologias a convite da
Editora Rosane Zanini: "A cidade em nós" - em três línguas (2010)," Um
dia em minha cidade"(2012). Ambas com crônica. Neste último ano,
participei da Antologia: "L´indiscutable talento des Écrivaines
Brésiliennes" pela REBRA, com poesia.
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