Leitor
de mim, como assim?
Decididamente há aquele
momento crucial ao qual todo leitor atravessa: o ato de terminar a sua leitura
(pois já não há mais nada a ser lido) e prepara-se para uma nova viagem ou
experiência literária. Até aí tudo bem, nada de tão aterrorizante, salvo
aqueles leitores mais dramáticos que não conseguem dizer adeus à sua leitura
apaixonante. Entretanto, temos que chamar a atenção aqui para um fato que,
muitas vezes, passa despercebido ao público leitor em geral: os escritores
também leem. Todavia, o destaque que aqui desejamos dar não é para aquele
escritor que vai até uma livraria e compra um livro para ler ou aquele que é
presenteado com uma obra, mas aquele escritor que, para que seu livro chegue às
prateleiras das livrarias, precisa ler o livro que escreveu. Aqui sim, mora o
desespero.
Alguma vez algum leitor já
se perguntou quando o escritor do livro ao qual ele está lendo decide parar de
escrevê-lo, de contar aquela história ou de “poemar” seus versos e, enfim,
enviar seu texto à editora? Nada é tão simples. Uma obra até chegar ao comércio
passa por várias etapas e a leitura realizada pelo próprio escritor talvez seja
a pior delas. Acreditem!
A pior crítica vem do
próprio autor. Sempre há vírgulas a serem subtraídas, pontos finais a serem
colocados, frases que, numa segunda leitura, já não fazem mais sentido. Ler ou
não ler: eis a questão. A leitura se faz necessário, porém as (re)leituras são
torturantes. Quando o escritor estabelece um distanciamento entre o ponto final
e a sua primeira leitura o quadro piora, pois surgem novas ideias, novas
verdades ou mentiras mais legais, outras saídas, outras possibilidades de
escrever ou (re)escrever o que já foi escrito, o que já teve um ponto final.
As noites são intermináveis,
a imagem das letras e páginas “pipocam” em pensamentos e reaparecem em
pesadelos. Acordamos com um novo final para a trama, uma nova frase de efeito,
uma nova rima para o verso e procuramos um papel na mesinha de cabeceira para
anotar. E voltamos a dormir. Acordamos inquietos. Temos que reler, mudar,
acrescentar, retirar e, principalmente, temos que dar um real ponto final.
Eu, leitor de mim, como
assim? Dificílima tarefa. Principalmente porque o produto final tem que ser bem
aceito pelas editoras, críticos, “pitaqueiros de plantão” e consumidores, pois
um livro é artigo de consumo a ser adquirido através da compra do leitor. O
escritor compraria o seu próprio livro? Nesse momento, muitos papéis são
colocados nas lixeiras, outros são deletados e alguns sofrem com “repaginações”
do que já foi escrito.
Por fim, o escritor, num
desgaste emocional imensurável, num estado físico preocupante, com os nervos à
flor da pele, despacha de vez a sua obra para a editora, não porque enfim
encontrou um ponto de equilíbrio para o seu texto, mas porque a insanidade está
batendo à sua porta, a autocrítica dilacera seus neurônios e a sua paciência já
está por um fio. Se não fizer esse despache agora, não o fará mais. Portanto,
ele envia a obra. E, para fechar com chave de ouro, ele recebe, em alguns dias,
semanas e até meses depois um telefonema do editor com a afirmação: “Temos que
conversar sobre o seu livro!” Opa! Será que o escritor terá que reescrever
tudo?
Cláudia de Villar é professora, escritora e colunista. Formada em Letras pela FAPA/RS, especialista em Pedagogia Gestora e em Supervisão Escolar pelo IERGS/RS, também atua como colunista de site literário Homo Literatus e Jornal de Viamão do RS, além de ser pós-graduanda em Docência do Ensino Superior (IERGS/RS). Escreve para diversos públicos. Desde infantil até o público adulto. Passeia pela poesia e narrativas. Afinal, escrever faz parte de seu DNA.
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