A dama e o bebum
por Ricardo Coiro
Você bebe, no máximo, uma
tacinha de vinho. Eu mamo, no mínimo, meia garrafa de uísque. E, mesmo assim,
nosso amor não apresenta qualquer sinal ressaca ou os sintomas gravíssimos que
comumente são observados em relações excessivamente sóbrias, caretas à beça.
Em dias de porre, você
costuma segurar firme em meu braço, o bastante para marcá-lo com a pontinha de
suas unhas geralmente vermelhas e descascadas, impedindo-me de cair de testa na
sarjeta ou de ser atropelado por um busão. E, para evitar um futuro “Jura que
eu fiz isso?”, você nunca permite que eu doe meus tênis a mendigos nitidamente
menos pinguços do que eu. Você me convence dizendo: “Melhor dar uma nota de
vinte ou pagar um rango, amor!”. Depois, com um ar de mandona irresistível,
pede a chave do meu carro e me leva até a sua casa em total segurança,
perguntando, de vinte em vinte segundos, se eu estou me sentindo bem e se o meu
universo particular (Depois você me paga pelo Merchan, Fred Elboni) está
girando. “Claro que está rodando, cabeça de jujuba!”, afirmo com voz molenga,
de olhos bem fechados e tentando dar um stop em meu carrossel mental movido a
etanol.
Olho pela janela do carro e
vejo a cidade borrada. Algumas janelinhas acesas. Muitas janelinhas apagadas.
Gente que faz compra de madrugada. Gente que limpa cocô de cachorro de
madrugada. Carros indo para… Como é que eu vou saber aonde eles vão? Só sei que
eu gosto mais de Sampa depois da meia-noite e antes das cinco da matina. “Gosto
de você”, repito, sem parar, do bar até a sua rua. Gosto de nós, penso. Também
tenho o hábito de pensar em um dogão completo, com direito a tudo e mais um
pouco, duas salsichas se pá; desses que sujam a pontinha do nariz de purê.
Beber da fome, não dá? Amar também, suspeito.
E você não liga quando o
Zezé di Camargo que mora mim, enquanto eu procuro mais uma latinha de cerveja
na geladeira, resolve dar uma palhinha de Pior é te Perder, à capela e sem
afinação alguma. Não liga mesmo. Até faz uma segunda voz bem melhor do que a do
Luciano. Aliás, o Luciano canta? Ou faz como fazem os participantes do
Superstar. Não importa. O importante é que o Banco Real dá dez dias sem juros
no cheque especial. Brincadeira. O importante, de verdade, é que você,
diferente das minhas ex-namoradas, sempre sorri quando eu, bem no meio de sua
sala, tropeço ao tentar tirar a calça. “Cuidado com a ventania!”, você diz com
voz risonha, antes de me mandar sentar no sofá e de arrancar, com um só puxão,
a minha calça jeans que normalmente possui vestígios do Ketchup que errou a
batata frita. Aí você coloca a mão em um ponto sensível do meu corpo que,
rapidamente, ao meu cérebro, envia a seguinte mensagem: “É hora de ficar sóbrio
e mostrar serviço, afinal, a concorrência parece beber menos que usted!”. E eu,
magicamente, fico a um passo da sobriedade, ao menos enquanto nos embolamos no
chão da sala e nos ralamos – dos pés à nuca – em seu tapete áspero como uma
caixa de fósforos virgem. Eu falei para você cobrar aquele tapete mais fofo,
não falei? Agora aguenta o pessoal do escritório fazendo piadas pornográficas e
baseadas em fatos reais sobre os seus joelhos. Ou comece a usar saias longas e
a privar a humanidade das suas belas pernocas, o que seria uma sacanagem
global. Enfim. Só sei que o nosso rala e rola, enquanto rola solto e sem dó dos
vizinhos com sono leve, faz-me achar que estou são o bastante para praticar
slackline sobre um rio cheio de piranhas devoradoras de pirocas e infestado por
aqueles peixinhos que entram no cu das pessoas desavisadas. Porém, logo depois que
sentimos aquele tremelique gostoso, o universo volta a dar piruetas
mirabolantes, como se eu estivesse dentro do globo da morte, acelerando sem dó
a minha motoca. É foda. O sangue sai do pau e devolve o álcool para o resto do
corpo, só pode.
Depois, eu corro para o
banheiro, chamo o Hugo umas doze vezes, tomo um banho frio o suficiente para
dar um susto nos testículos e, quando finalmente chego ao seu quarto,
encontro-lhe deliciosamente sem roupa e roncando como um bugio com desvio de
septo, o que me leva a uma conclusão importante: o meu fígado não deve estar
legal, mas o meu coração, sem dúvida e graças a você, só pode estar tinindo,
batendo feliz, como na música Carinhoso. Então eu tomo um Engov e prometo que,
no dia seguinte, tomarei vergonha na cara. Em vão, sempre. Porque sempre me
aparece um motivo perfeito para uma gelada. Sempre! Um exemplo? Outro dia
liguei para o Marcão e disse: “Vamos tomar umas para comemorar a castração do
Maguila?”. Aliás, acho que vou abrir uma garrafa de rum para agradecer à vida
pela namorada maravilhosa que eu tenho. Ou será que devo tomar uns shots de
tequila em nome do Paulinho, que passou para segunda fase da OAB?
Falando em comemorações e
motivos para desopilar o Figueiredo, o que você acha de passarmos o Dia dos Namorados
no Bar Azul? Prometo que não tomarei mais do que dez saideiras e que só olharei
para outra mulher quando o álcool lhe duplicar.
Ricardo
Coiro
Vive entre o soco e o
sopro. Morre de medo do morno e odeia caminhar em cima do muro. Acha que
sensibilidade é coisa de macho e que estupidez é atitude de frouxo. Nunca
recusou um temaki ou um café. Peca todo dia. Autor do livro Confissões de um
Cafamântico.
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