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Livros para ler? Não, para colorir! [Jacira Fagundes]



Livros para ler? Não, para colorir! 


Estou quase me conformando com o tanto de coisas estranhas acontecendo.

Não digo estranhas a ponto de assustarem, isto não. Mas confesso meu incômodo com tal tipo de coisa.

Quero falar da invasão dos livros de colorir para adultos, que vem extrapolando as prateleiras nas livrarias, revistarias e bancas.

Qual foi o boom? Onde teve esse começo de mexer com os corações adultos, das mulheres em especial, a ponto de convencê-las a amar perdidamente a novidade? Quem profetizou que livros para colorir fariam as cabeças dos adultos voltarem avidamente aos lápis de cor e passarem a se entreter imitando os gostos infantis? E que tipo de marketing assegurou ao livro de colorir para adultos o lugar pra lá de sustentável e confortável no ranking dos objetos de desejo?

Com certeza, algo muitíssimo diferente do que vem acontecendo com a leitura, onde a política econômica não vem fazendo qualquer esforço na busca da expansão da cultura.

Andei me dedicando a consultar sites na Internet sobre os tais livros de colorir. Encontrei vários. Em todos,  o número de curtidas não apresentava menos de 4 dígitos.  E pasmem! Um sábado desses, um shopping da capital organizou evento que juntou tribos de adoradores, isto mesmo, adoradores,  que se amontoaram em bancadas para, freneticamente, compartilhar seus talentos ditos colorísticos.  Com certeza, muito lucrou a livraria do shopping – posso imaginar a disputa pelas marcas dos lápis de cor, na conquista dos melhores, dos mais caros, dos mais bonitos. A disputa pelos livros – os de mais saída, os mais indicados, os que constam na listagem  do Facebook. Fico pensando se crianças teriam o mesmo comportamento. Mas acho que não, elas costumam ser bem mais criativas.

Uma amiga entrou numa livraria dia desses para comprar um presente. Estava frente a uma bancada de livros, folheando um e outro, quando foi abordada por uma das vendedoras. Aproveitando a indecisão da cliente, foi logo insistindo em outra direção. “Aqui você vai encontrar o presente certo. É o que há de mais irresistível, todas adoram.”, ela apontava a bancada com vários livros para colorir.  Não lembro qual foi a resposta que recebeu, se é que merecia alguma resposta.

Então parece que se quer a coisa compulsória: todas gostam! E daí? Virou mania, febre, TOC? eu perguntaria. Nada contra o objeto, nada contra passar algum tempo envolvida com uma atividade artesanal, como um croché, um tricotar, um passatempo, enfim. Mas daí a propagar que se trata de um livro de arte, cuja interferência demanda a cura do estresse e da ansiedade e acorda o talento é força da voracidade do mercado. 

Fonte: 



Jacira Fagundes é professora e escritora. A trajetória literária, encarada como ofício, teve começo em 2002, com a premiação do conto “Noite fria de vigília”, quando do lançamento do Prêmio Literário Nova Prova – 20 anos. Ficou entre os quinze autores selecionados e seu texto foi publicado em obra

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