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A ALTERAÇÃO DO REGISTRO CIVIL DE PESSOAS TRANSEXUAIS SEM A REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL [EDSON JORDAN MENDES DE SOUZA]


A Alteração do Registro Civil de Pessoas Transexuais sem a Realização de Cirurgia de Redesignação Sexual:
Uma Conquista do Direito Civil Constitucionalizado


RESUMO

As pessoas transexuais, de forma resumida, são pessoas que não se identificam com o gênero sexual com o qual nasceram. Algumas dessas pessoas passam por um processo cirúrgico de redesignação sexual e, naturalmente, após isso acabam mudando o seu registro civil, o nome e o sexo. Entretanto, a disforia genital não ocorre com todas aas pessoas transsexuais, sendo incabível tal requisitos ser essencial para a mudança do registro uma vez que é comprovado que está cirurgia acarreta em danos gravosos a saúde do indivíduo. A pessoa transexual e definida assim por um fator mental e não apensa físico, portanto, a pessoa transexual tem direito a mudança de seu registro civil, mesmo se não houver realizado a cirurgia de redesignação sexual. Portanto, sob a ótica do princípio da personalidade da pessoa humana e suas garantias fundamentais, este deve se adequar para reestabelecer a dignidade dessas pessoas através da mudança do nome e do sexo no Registro Civil delas, pois o transexual não redesignado vive em situação de incerteza, de angustias e de conflitos, o que lhe dificulta, senão o impede, de exercer as atividades dos seres humanos. Os direitos da personalidade são direitos inerentes à pessoa humana, abrangendo e resguardando sua imagem, dignidade, honra, integridade física e outros direitos intrínsecos a pessoa humana.

PALAVRAS-CHAVE: Transsexuais; Registro civil; Cirurgia de redesignação sexual.



INTRODUÇÃO

O presente resumo tem por objetivo apresentar, em linhas gerais, o reconhecimento jurídico da possibilidade de pessoas transexuais procederem à alteração do registro civil sem realização de cirurgia como momento significativo do paulatino reconhecimento de direitos às pessoas transexuais como um dos avanços empreendidos nos 30 anos de vigência da Constituição Federal de 1988. A partir do direito civil constitucional, apresenta-se tal avanço como uma nova forma de compreensão do direito privado por força da normatividade dos direitos fundamentais.


MATERIAL E MÉTODOS

As metodologias utilizadas para desenvolver o presente trabalho são a bibliográfica e a analítico-dogmática. Com a metodologia bibliográfica temos uma análise da literatura jurídica especializada e dedicada ao tema do reconhecimento dos direitos das pessoas transexuais. A investigação analítico-dogmática tem por objetivo analisar a legislação aplicável e interpretá-la de modo a viabilizar o máximo reconhecimento de direitos fundamentais.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Transexualidade refere-se à condição do indivíduo cuja identidade de gênero difere daquela designada no nascimento, e que procura fazer a transição para o gênero oposto através de intervenção médica, podendo ser redesignação sexual (cirurgia de redesignação sexual) ou apenas feminilização/masculinização dependendo do gênero a ser transicionado (administração de hormônios), sendo também que pode ou não haver a disforia genital, que é a aversão ao órgão genital ao qual nasceu.

Nesse sentido, Jesus (2012).tece alguns esclarecimentos sobre a subjetividade e auto percepção da pessoa transexual: Transexuais sentem que seu corpo não está adequado à forma como pensam e se sentem, e querem corrigir isso adequando seu corpo ao seu estado psíquico. Isso pode se dar de várias formas, desde tratamentos hormonais até procedimentos cirúrgicos.

Farias e Rosenvald (2017) esclarecem que a pessoa transexual não pode ser confundida como o homossexual, o bissexual, o intersexual ou mesmo com a travesti. O transexual sofre com uma dicotomia físico-psíquica, possuindo um sexo físico, distinto de sua conformação sexual psicológica. Assim, o transexual tem em sua condição um fator mais psicológico do que físico. O que define se uma pessoa é “trans” ou não deriva de um fator psicológico onde a mesma não se identifica com o gênero imposto a ela em seu nascimento, podendo haver, ou não, subversão a sua genitália.


DIREITOS DA PERSONALIDADE E O PRINCÍPIO DA DIGIDADE HUMANA

Os direitos da personalidade são direitos inerentes à pessoa humana, abrangendo e resguardando sua imagem, dignidade, honra, integridade física e outros direitos intrínsecos a pessoa humana. Se “os direitos da personalidade são os que resguardam a dignidade humana” (VENOSA, 2013, p.182), a dignidade, conforme lição de Mota: “A dignidade é essencialmente um atributo da pessoa humana pelo simples fato de alguém "ser humano”, se tornando automaticamente merecedor de respeito e proteção, não importando sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição sócio-econômica” (MOTTA, 2013).

O marco teórico da investigação é o direito civil constitucional. A Constituição de 1988 causou uma grande transformação na interpretação do direito, trazendo a necessidade de releitura a partir dos princípios previstos no texto constitucional. No que diz respeito à constitucionalização do direito civil, Fiúza esclarece: “Por constitucionalização do Direito Civil deve-se entender que as normas de Direito Civil têm que ser lidas à luz dos princípios e valores consagrados pela Constituição. A bem da verdade, não só as normas de Direito Civil devem receber leitura constitucionalizada, mas todas as normas do ordenamento jurídico, sejam elas de direito privado, sejam de Direito Público. Este é um ditame do chamado Estado Democrático de Direito, que tem na Constituição sua base hermenêutica o que equivale a dizer que a interpretação de qualquer norma deverá buscar adequá-la aos princípios e valores constitucionais. (FIUZA, 2009, p.118)”.

O direito à integridade física de toda e qualquer pessoa e em especial, para fins de realização da presente pesquisa, das pessoas trans, deriva dos direitos personalíssimos da dignidade da pessoa humana. Como observa Venosa apud Szaniawski (1999) que “o transexual não redesignado vive em situação de incerteza, de angustias e de conflitos, o que lhe dificulta, senão o impede, de exercer as atividades dos seres humanos”. Assim, os direitos da personalidade e a dignidade humana consistem no fundamento para o reconhecimento jurídico da cirurgia de transgenitalização, ou ainda, a retificação do registro civil sem a realização da cirurgia, como reconhecimento da liberdade e da dignidade da pessoa que, pelas suas características, escolhe voluntariamente, após meticuloso acompanhamento médico e psicológico, se submeter ao procedimento em questão.

Se o sexo biológico e o nome podem, nesses casos, macular a dignidade humana das pessoas transexuais, a possibilidade de retificação do registro civil, seja quanto ao nome, seja a menção ao sexo, são corolários da dignidade humana. No Brasil, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade encontra fundamento no direito à vida e à dignidade, presentes no art. da Constituição de 1988 (“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”) e no art. 21 do Código Civil (Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.), na medida em que um dos objetivos da proteção da intimidade é garantir ao sujeito uma esfera de liberdade, na qual as escolhas não precisam ser justificadas a ninguém e, portanto, atendam exclusivamente ao interesse do titular do direito, em prol de seu desenvolvimento e autorrealização.


ALTERAÇÃO DO REGISTRO CIVIL SEM A CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL

Como já mencionado, os transexuais, de forma resumida, são as pessoas que não se identificam com o gênero com o qual nasceram. Algumas dessas pessoas passam por um processo psicológico e cirúrgico de redesignação sexual e naturalmente após, acabam mudando o seu registro civil, o nome e o sexo. Mas e quando a pessoa não passou pelo processo cirúrgico e deseja a mudança de seu registro?

Recentemente o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) iniciou um julgamento onde se discutia a possibilidade de alteração de gênero no assento de registro civil de um transexual, mesmo sem o procedimento cirúrgico de mudança de sexo. Justifica-se essa discussão o direito fundamental à identidade de gênero com base nos princípios da dignidade da pessoa humana (Art. 1, inciso III), da igualdade (Art. 5, caput), da vedação de discriminação odiosa (Art. 3, inciso IV), da liberdade (Art. 5, caput) e da privacidade (Art. 5, inciso X), constantes na Constituição de 1988. No julgamento em questão, cujo número não foi divulgado por se tratar de segredo de justiça, foi decidido que independentemente da realização de cirurgia de adequação sexual, é possível a alteração do sexo constante no registro civil de transexual que comprove judicialmente a mudança de gênero. Nesses casos, a averbação deve ser realizada no assentamento de nascimento original com a indicação da determinação judicial, proibida a inclusão, ainda que sigilosa, da expressão “transexual”, do sexo biológico ou dos motivos das modificações registrais. O STJ entendeu que o direito das pessoas transexuais à retificação do registro não pode ser condicionado à realização de cirurgia, que pode inclusive ser inviável do ponto de vista financeiro ou por impedimento médico.

O relator do recurso, ministro Luís Felipe Salomão, ressaltou que, como Tribunal da Cidadania, cabe ao STJ levar em consideração as modificações de hábitos e costumes sociais no julgamento de questões relevantes, observados os princípios constitucionais e a legislação aplicável. Com efeito, o ministro Salomão entendeu que a simples modificação de nome não seria suficiente para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Para o relator, também seriam violados o direito à identidade, o direito à não discriminação e o direito fundamental à felicidade.


CONCLUSÃO

A Constituição de 1988, ao inaugurar o Estado Democrático de Direito no Brasil, trouxe uma ampla previsão de direitos fundamentais, os quais, juntamente com os princípios constitucionais da liberdade e da dignidade humana, viabilizaram uma nova interpretação do direito civil. Referida intepretação possibilitou o reconhecimento dos direitos de uma minoria vulnerável por força de sua condição sexual. Mesmo com o preconceito remanescente em face das pessoas transexuais, o direito civil, interpretado a partir dos princípios constitucionais, reconhece os direitos da personalidade das pessoas trans e, desde 2017, autoriza expressamente a alteração do registro civil sem realização de cirurgia. Portanto, a mudança do nome civil e/ou do sexo da pessoa transexual deve ser admitida ambos os casos, com ou sem a cirurgia de redesignação sexual, uma vez que tal ato diz respeito a um direito personalíssimo da pessoa humana, contribuindo para o bem-estar físico e psíquico do sujeito transexual. A decisão em questão representa um grande avanço no reconhecimento dos direitos fundamentais e na compreensão atual dos direitos da personalidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código Civil. LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 05.10.2018.

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /constituição/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 05.10.2018.

FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Parte Geral e LINDB. Ed. 15. Salvador: Editora JusPodivm, 2017.

FIUZA, César. Direito Civil. Curso Completo. 13. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações Sobre a População Transgênero: Conceitos e Termos. Brasília: Autor, 2012. Disponível em: < https://www.sertao.ufg.br/up/16/o/ORIENTA%C3%87%C3%95ES_POPULA%C3%87%C3%83O_TRANS.pdf?1334065989>.... Acesso em: 10/10/17.

MOTTA, Artur Francisco Mori Rodrigues. A dignidade da pessoa humana e sua definição. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 119, dez 2013. Disponível em: < http://www.ambito-jurídico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14054.>. Acesso em 12 .10.2018.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. Ed. 13. São Paulo: Atlas, 2013. Disponível em: < https://direitouninovest.files.wordpress.com/2016/04/direito-civil-vol-1-parte-geral-venosa-sc3adlvi.... Acesso em: 12.10.18.



Edson Jordan Mendes de Souza. Formado em Direito pela FAVAG; Pós-graduando em Direito Tributário; Pós-graduando em Direito e Processo Civil; Advogado militante no campo do Direito Empresarial, Cível, Contratual, Previdenciário, Propriedade Intelectual e Industrial, Direito Imobiliário, e, Mediação, Conciliação e Arbitragem. Atuante na área de pesquisa e extensão voltada aos direitos das minorias sociais, especialmente no que tange aos Direitos devidos à comunidade LGBTQIA+, objetivando desenvolvimento e aplicação das políticas públicas vigentes. Possuindo vasta publicação científica no campo de pesquisa.

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