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OS CHINELOS DE MEU PAI [DAUFEN BACH.]


OS CHINELOS DE MEU PAI

O filósofo grego, Sócrates, afirmou celebremente que “a vida sem reflexão não merece a pena ser vivida”, sugerindo que a vida pode ser enriquecida, se refletirmos sobre os fatos relevantes que nos cercam, que esse processo é como analisar um mapa, antes de empreender a viagem. Percebo na observância das pequenas coisas, essas que passam despercebidas no nosso dia a dia, que temos o hábito enfadonho de nos poluirmos com aquilo que está porta afora, com as ilusões que pertencem a outro contexto e vivemos de fora para dentro, num processo onde não nos encontramos. Sempre estamos em busca de algo para chegar a nós mesmos. Problematizamos a nossa essência e não nos contentamos com o que está refletido no espelho, não valorizamos, como deveria, todas aquelas coisas que amanhecem e anoitecem em nossos universos particulares, quando, na verdade, o ideal seria vivermos de dentro para fora. Entender o que somos, reconhecer nosso valor e valorizar o que nos rodeia, entendendo que essas coisas, pessoas ou sentires, são elementos que fundamentam a nossa forma de ser e, portanto, elas exportam para o derredor a nossa luz, dão visibilidade e firmam nossa presença nesse universo onde somos minúsculos pontinhos esquecidos.

Hoje recebi a visita de minha mãe e, espontaneamente, ela retirou de uma bolsa os chinelos de meu pai e deu-me. Com a verdade objetiva das coisas simples, disse-me: “Esses chinelos eram de seu pai, eles servem para ti e eu acho que ficam bem”. Trouxe-os até onde eu estava, colocou junto de meus pés e por alguns minutos fiquei observando, olhando aquele chinelo simples e surrado. Com o pensamento em meu pai, fiquei na dúvida se calçava-os ou não, se era digno ou não e por alguns segundos me assombrou o poder que aquele par de chinelos, sem glamour, possuía. Relembrei Exupéry e dei-me conta que “o significado das coisas não reside nas próprias coisas, mas nas nossas atitudes relativamente a elas” e, então, calcei-os. Dei-me conta, quase sem querer, do que é viver de “dentro para fora”, dei-me conta da representatividade construída por meu pai e do quanto significava o importar dessa representatividade.

Esse sentir provoca uma imersão em nós mesmos. Nos faz interpretar o conceito de “importância” ... O quanto de importância damos as coisas que possuímos? Qual a importância das pessoas que nos rodeiam e, principalmente, como lidamos com os nossos sentires e até que ponto cuidamos da nossa alma, da nossa sanidade emocional e mental? Para ser ponto visível, luz e referência para outrem, é preciso viver de dentro para fora e resplandecer em significados. É preciso que olhem nossos chinelos e enxerguem além. Da mesma forma precisamos ter o cuidado e percepção sobre aquilo que estamos importando para nós. Comumente dizemos: “isso é importante para mim”, “essa pessoa é importante em minha vida”, de fato é? Comumente ouvimos: “você é importante para mim”, de fato temos consciência do que, realmente, isso significa? Nos damos conta que importância vem do verbo importar, do trazer pra junto, do trazer para dentro?

Li, certa vez, Manoel de Barros e seu “Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo” e num dos poemas contidos no livro, dois versos me fizeram demorar um pouco mais. Eles dizem:

“Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).”

Não sei se com espanto ou tristeza, descubro que a maioria daquilo que consideramos insignificâncias, estão em nós, estão passeando em nossos quintais, sobre os nossos pés, estão a olhar em nossos olhos sem que enxergamos, a nos abraçar, escondidos em nossos armários... Estão por aí a resplandecer significados sem nos darmos conta que existem.

Calcei os chinelos de meu pai e acordei para as coisas não percebidas.


Daufen Bach
. Nascido em 1973 na cidade de Ivaiporã, no Estado do Paraná. Hoje reside na cidade de Novo Mundo-MT. É educador lotado na Secretaria Estado de Educação de Mato Grosso. Ocupou cargo de Secretário Municipal de Educação e, também, Secretário Municipal de Administração. Publicou os livros de poesias: “Breves Encenações, Sobressaltos”, pela Editora Biblioteca 24 horas; “Tessituras [do intervalo entre o grito e o silêncio]”, pela plataforma Perse, "No mar de teus olhos (como jardins florescidos no outono)", pela Editora Kelps e participou de diversas antologias, entre elas a “Antologia Internacional “Planeta em Versos”, publicado pela Editora Letras em Cores. Muitos de seus poemas foram publicados em revistas, impressas e digitais, tanto nacionais, quanto internacionais. Possui poemas traduzidos e lidos em diversos países da América Latina e em alguns países da Europa, Ásia, Oceania e África. É “Cônsul dos Poetas del Mundo”, uma associação internacional de poetas com sede no Chile, desde o ano de 2007. É dono e
editor de uma Revista Literária Internacional on line, intitulada Revista Biografia.

3 comentários

Poemas e Cotidiano disse...

Que maravilhoso e verdadeiro texto. Quantas emocoes, como num filme, com a visao de um par de Chinelos. Imagine tudo que ele sentiu andagredos tem esse ndo neles. Provavelmente tomou chuva e banho de lagrimas. Quantas angustias sentiu e quantas alegrias. Quantos segredos... Amei esse texto. Que magnifica interiorizacao.

Simone Cândido disse...

Quantos significados existem em casa detalhe do nosso dia. Esse par de chinelos não é diferente. Nele contém muitos significados daquele que o usou. Minha crônica favorita se chama significado. Belas reflexões.

Ceciliabooks&livros.blogspot.com disse...

Muito emocionante a conexão com o Pai. Se foi, mas deixou as pegadas da sua energia tutelar protegendo seus filhos, através do Primogenito, pelas mãos capazes e carinhosas da Mãe de onde sempre se espalham bençãos, segurança, carinho e apoio...
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