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/PRANTA/ OU /PLANTA/? A GENTE EXPRICA!

Almeida Júnior (1893). Óleo sobre Tela. O Violeiro, 1899, Pinacoteca do Estado, São Paulo

/Pranta/ ou /planta/? A gente exprica!


Essa alteração do R pelo L é um fenômeno fonológico conhecido pelos linguistas como ‘rotacismo do L’. Rotacismo vem do grego antigo ‘rhotakizein’, que significa ‘usar demais a letra rô’.
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Lembro-me de minha aluna que, há muitos anos, deu, na universidade, uma aula inteira de Botânica falando /prânta/ em vez de /planta/. Aula impecável, didática, concisa; a fala era desenvolta e bem-humorada, com voz agradável e firme; os desenhos no quadro-negro eram lindos. Tudo saía bem, exceto pela /prânta/ que era carregada de /frôr/. Os demais alunos que a assistiam riam baixinho e a brilhante aula foi ofuscada pela troca duma simples letra.

Essa alteração do R pelo L é um fenômeno fonológico conhecido pelos linguistas como ‘rotacismo do L’. Rotacismo vem do grego antigo ‘rhotakizein’, que significa ‘usar demais a letra rô’. Rô (ρ) é a sétima letra do alfabeto grego, corresponde ao erre latino (o nosso ‘r’). Então, é o mesmo que ‘usar demais a letra erre’.

O rotacismo é um fenômeno fonológico característico do dialeto caipira, em que é comum encontrarmos quem fale /chicrete, Cráudia, grobo, crasse, frauta, brusa/. Trata-se de um dialeto que abrange a região conhecida como Paulistânia, isto é, a que abrange os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul e parte de Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás e Paraná – todos com influência cultural do modo de falar do interior de São Paulo.

No entanto, o rotacismo não é exclusivo desses estados nem do dialeto caipira. Ele aparece com frequência também nas regiões Norte, Sul e no Nordeste. Na canção “Assum preto” (1950), Luís Gonzaga já cantava logo no comecinho: “Tudo em vorta é só beleza/ Sol de abril e a mata em frô”.

Aliás, a troca do L pelo R não é coisa só do Brasil nem só de nossa língua. É um fenômeno bastante comum e antigo, mostrando-nos que essas trocas não são desregradas, mas seguem a tendência natural da língua.

Mesmo na evolução do latim vulgar para o português, o rotacismo estava lá fabricando várias palavras que nos são hoje triviais. Foi assim que o latim ‘blancus’ passou a ‘branco’; ‘flaccus’ → fraco; ‘obligare’ → obrigar; ‘plica’ → prega; ‘clavus’ → cravo; ‘sclavus’ → escravo; ‘duplus’ → dobro.

O grande poeta português Luís de Camões, no século XVI, por exemplo, usava rotacismos pra caramba. Em ‘Os lusíadas’ (1572), encontramos o verso “Doenças, frechas, e trovões ardentes”. Camões ainda mandou palavras como “Ingrês”, “pruma”, “pubrica”, “frauta” e “pranta”.

Está no DNA da língua portuguesa. O rotacismo sempre nos acompanhou de uma maneira bastante intrínseca. Isso acontece porque os sons do /r/ vibrante e /l/ estão muito próximos do ponto de vista articulatório, pois ambos são produzidos com a ponta da língua tocando os alvéolos dentais (as cavidades onde os dentes estão inseridos).

Como parte dum dialeto, o rotacismo é apenas uma das inúmeras variações fonológicas que compõem a língua portuguesa. Ele nunca foi um problema para os seus falantes. Pelo contrário, onde todos falam /pranta/, aquele que disser /planta/ certamente será ouvido com estranhamento; ele que é o “errado”.

Mas o rotacismo marca diferenças sociolinguísticas que não são bem aceitas em vários contextos – o universitário é um deles. Minha aluna me agradeceu quando lhe adverti sobre a pronúncia de /pranta/ e /fror/ no ambiente acadêmico, o que tratou de corrigir, mas sabiamente me comunicou tempos depois: “Aqui na universidade, só falo /planta/ agora. Valeu pelo toque, professor, mas lá na minha cidade, com meus amigos e minha família, não tem jeito, a gente fala é /pranta/!”. E ela está certíssima, craro!




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Referências: ‘“Vamos prantar frores no grobo da Terra”: estudando o rotacismo nas series iniciais da rede municipal de Ensino de Moita Bonita/SE’, por Raquel Meister Ko Freitag & al., na ‘Revista virtual de Letras’ (dez. 2010).

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