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ARNALDO BAPTISTA: MUITA VIDA EM 75 ANOS

Arnaldo Baptista se dedica às artes plásticas desde 1982 (imagem: André Burian)

Arnaldo Baptista: muita vida em 75 anos

Influência do artista na música brasileira vai além do que fez com Os Mutantes
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Poucos nomes podem ser apontados como um ponto de virada na história da música brasileira, e menos artistas ainda são tidos como o epicentro dessa revolução. Mas, se existe um antes e um depois de Os Mutantes na produção fonográfica do país, é porque tínhamos seu fundador Arnaldo Baptista como figura central na banda, ao lado de seu irmão Sérgio Dias e da eterna Rita Lee.

Quando o assunto é a estética psicodélica do rock, a influência do grupo é citada por imprensa e músicos ao redor do mundo, e foi definitiva desde a sua fundação, em 1966, para a música popular brasileira e como participante direto do movimento Tropicalista. Desde que deixou a banda, em 1973, a carreira solo de Arnaldo Baptista, ainda que menos conhecida pelo público, serve como referência para também outras escolas do rock no Brasil, e reafirma a personalidade, o talento e a genialidade do artista.

Como explica o produtor Rod Krieger, parceiro do músico em projetos na última década: “Nós sabemos bem quem é John Lennon dentro dos Beatles. E nós sabemos também quem é Arnaldo Baptista dentro de Os Mutantes”.

Arnaldo Baptista na época do disco "Singin’ alone", de 1981 (imagem: Grace Lagoa)

Amplificadores valvulados

Nascido em 6 de julho de 1948, Arnaldo Dias Baptista foi iniciado no piano clássico ainda na infância por sua mãe, Clarice Leite, e depois estudou contrabaixo clássico, violão prático e piano jazz-rock. Na adolescência, fez dança moderna e balé clássico. São vivências que contribuíram para o desenvolvimento de sua sensibilidade artística e para a construção de sua mente criativa, culminando em trabalhos também na escrita e principalmente nas artes plásticas – carreira à qual ele se dedica em paralelo à música desde 1982.

Sua discografia solo estreia em 1974, um ano após ter deixado Os Mutantes. Lóki?, considerado hoje um clássico do rock brasileiro, coloca o piano como protagonista e nos oferece um olhar sobre a melancolia do artista. Nas décadas seguintes, Arnaldo transitou com grande liberdade por experimentalismos em composição, arranjo e produção, também com uma nova banda, Patrulha do Espaço, entre 1975 e 1978. Em Singin’ alone, de 1981, ele foi o responsável por todos os instrumentos e também pela produção, fazendo jus ao título (“cantando sozinho”). O mesmo espírito inventivo estava ali mais de 20 anos depois no álbum Let it bed (2004), produzido em parceria com John Ulhoa (da banda Pato Fu), que rendeu ao músico um novo momento de grande destaque pela crítica no Brasil e no exterior.

“Por causa de sua carreira muito longa, Arnaldo tem muitas gerações de fãs”, conta Rod Krieger, “tem fãs de Os Mutantes que mal sabem que Arnaldo tem disco solo, tem gente que só conhece Lóki? e tem aqueles que estão escutando esse álbum só agora. Em 15 anos rodando o Brasil, conversei com gente que não ouviu [os discos com] Patrulha do Espaço. E, nele, eu já consigo escutar todas a bandas dos anos 1980, como Barão Vermelho. Não porque elas copiaram Arnaldo, mas porque ele estava à frente de tudo”.

Ex-integrante da banda Cachorro Grande, Rod explica que sempre foi “assombrado” por Arnaldo Baptista, “uma figura sempre muito presente na minha vida”, desde que começou a estudar música no Rio Grande do Sul e a escutar o rock brasileiro de bandas como Titãs. “Mas eu gostava mais do rock psicodélico dos anos 1960”, explica o músico, “e ele me mostrou que eu poderia fazer aquele som ‘tipo Beatles’ em português”.

Os dois se conheceram pessoalmente quando Rod visitou uma exposição de Arnaldo, mas estreitaram relações quando, tempos depois, o ex-Cachorro Grande escreveu uma carta à mão durante um ímpeto alcoolizado. Para sua surpresa, seu ídolo lhe respondeu também com outra carta, acompanhada de presentes. A amizade entre os dois, movida pela “paixão pelas guitarras Gibson, pelos amplificadores valvulados, pelo vegetarianismo e por não gostar de redes sociais”, resultou em uma homenagem a Arnaldo em 2018 e, no ano seguinte, em um show de comemoração dos 45 anos de Lóki?.

Rod contou com o ex-Mutantes também na faixa de abertura de seu álbum A elasticidade do tempo, intitulada “Louvado seja Deus”. “Ele é tudo o que eu queria ser quando crescesse”, diz o músico, “morar com a mulher que eu amo em um sítio, com todos os equipamentos valvulados, pintando meus quadros e ouvindo meus discos sem ninguém por perto enchendo. Acho isso sensacional. Ele continua lançando coisas, só que as novidades são mais espaçadas”.

Arnaldo Baptista na época do disco "Singin’ alone", de 1981 (imagem: Grace Lagoa)

Lá bemol

Em 2013, quando Boogarins lançou As plantas que curam, muito se falou sobre a banda goiana ser um novo grande destaque para a música psicodélica no Brasil, e houve quem chamasse o quarteto de “novo Mutantes”. Embora os integrantes de Boogarins tenham comentado em várias entrevistas ao longo dos anos que essa nunca foi sua ambição, a banda dos anos 1960 sempre foi inegavelmente uma referência – assim como Arnaldo em seu trabalho solo.

O baixista Raphael Costa (Fefel) comenta que “Arnaldo, como ninguém, faz poesia nonsense com clarões de lucidez, e por isso sempre o ouvi desde esse lugar transcendental dos grandes compositores brasileiros”. Ele diz ter sido sempre fascinado pelas sequências de frases que compõem canções como “Dia 36” (do álbum Os Mutantes, de 1969) e em momentos como “Bomba H sobre São Paulo”, “Tacape” e “Vou me afundar na lingerie”.

Seu companheiro de banda Benke Ferraz comenta que “como tudo que é bom na vida, para além do viés artístico, os bons ícones são os que ficam para a história, e Arnaldo está aí para além de Syd Barrett ou de um Kurt Cobain”. O guitarrista e produtor relembra que Lóki? e Let it bed são alguns dos discos que marcaram sua vida, e que “Tacape” foi a música que ele mais ouviu entre a adolescência e o início da vida adulta: “Até hoje, se eu ouço um lá bemol, reconheço na hora, de tanto que escutei essa música”.

“Arnaldo tem estilo, é um baita cantor e instrumentista”, conta Fefel, “gosto de pensar que temos alguma ligação porque nós dois sabemos da superioridade do baixo Gibson”. O músico relembra a vez que pôde ver Arnaldo Baptista se apresentar ao vivo, em 2017: “Foi intenso e leve. Saí ‘chorrindo’”.





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