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CIBELE TENÓRIO, PESQUISADORA DA UNB, GANHA PRÊMIO LITERÁRIO COM BIOGRAFIA DE SUFRAGISTA NEGRA

Cibele Tenório | © Mariana Leal

Cibele Tenório, pesquisadora da UnB, ganha prêmio literário com biografia de sufragista negra
(Matéria publicada, orginalmente, pelo jornal CORREIO BRAZILIENSE)

Cibele Tenório apresenta seu livro premiado que vai contar a história de Almerinda Farias Gama, primeira mulher negra a entrar na política brasileira.

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Cibele Tenório conta que se tornou pesquisadora ao conhecer a conterrânea Almerinda Farias Gama. Em 2015, ela se deparou com os primeiros vestígios da história da alagoana que foi uma figura-chave do sufragismo no Brasil. Com a curiosidade, veio a indignação. "Por que que não sabemos sobre ela? (...) Ela não foi uma moça que estava ali participando, foi uma liderança com um papel fundamental", conta.

O resgate da história da Almerinda é fruto do doutorado em história, em curso na Universidade de Brasília (UnB). Agora, vai se tornar um livro. Cibele é vencedora da terceira edição do Prêmio Todavia de Não Ficção com o projeto de biografia da sufragista brasileira. A obra deve ser lançada no próximo ano. Ao Correio, a também jornalista fala sobre detalhes da vida de uma das maiores pioneiras entre as mulheres negras na política.


O que você tem para contar sobre a Almerinda que todo mundo precisa saber?

Eu estou com a Almerinda desde 2015, quando achei as primeiras coisas dela. E fui me surpreendendo cada vez que ia mergulhando na história dela. É um processo de organizar vestígios, porque nada estava posto. Almerinda nunca escreveu sobre a sua trajetória, embora tenha sido uma mulher que sempre se sustentou trabalhando na datilografia, como jornalista. Nesse trabalho de organizar esses vestígios, buscando as pistas para montar o quebra-cabeça, fui percebendo que o papel dela no movimento sufragista não era uma coisa pequena. E aí, a gente se pergunta: Por que que não sabemos sobre ela? Porque a ideia que a gente tem do sufrágio, na luta pelo voto feminino no Brasil, está muito centralizada na figura da Bertha (Bertha Lutz). E quando a gente vai entendendo e pesquisando, descobre que havia um grupo de mulheres — claro, a Bertha era uma liderança incontestável — com uma atuação muito firme, e a Almerinda fazia parte desse grupo. Ela não foi uma moça que estava ali participando, ela foi uma liderança com um papel fundamental. Ela tinha uma facilidade com a máquina de escrever, que era uma tecnologia nova, e escrevia muito bem. Fazia uma ponte entre o que acontecia na Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e a imprensa, era meio a assessora, as relações públicas. O debate do sufrágio se dava muito na imprensa, e ela era meio a cara pública da federação. Aí, você vai entender porque essa personagem que teve esse papel fundamental nessa articulação, depois, se coloca como candidata na eleição de 1934, na segunda eleição em que mulheres puderam participar. Então, assim, há várias frentes da Almerinda, e a nossa indignação cresce. Por que a gente nunca ouviu falar sobre ela? Por que que a gente, na escola, não ouviu falar sobre o voto feminino como uma conquista, uma luta, não como algo dado?


E com o papel fundamental de uma mulher preta…

Nada veio de graça, veio de muita luta, e a gente pode entender esse processo a partir do olhar da Almerinda, que era uma mulher que destoava de um um grupo, não só um grupo branco, mas de classe média média alta, com muita gente que que não tinha trabalho,vivia do marido. Já a Almerinda era uma assalariada, que nem a gente. Você tem uma mistura de admiração e indignação, porque pensa, assim, por que que não sabemos sobre essas pessoas?


Ela fez essa reflexão ao longo da vida?

Não. Pude confirmar por várias fontes que ela era uma pessoa que não guardava mágoas. Em nenhum momento, ela fala disso com uma amargura ou com uma coisa assim de nunca ter recebido o reconhecimento. O Joel Zito Araújo, que fez um filme sobre a Almerinda que me ajudou muito, me disse que a casa dela, assim como a da dona Rute de Souza, era um museu particular. Então assim, se lá fora as pessoas não me reconhecem, se lá fora as pessoas não me dão o crédito que eu mereço, na minha casa as minhas conquistas vão estar estampadas. A casa era cheia de recortes de jornal, de clippings que ela fazia das coisas dela, de fotos.

Documentos da sindicalista, advogada e jornalista, Almerinda Farias Gama, que integrou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino(foto: Divulgação/FGV)

O livro é uma tentativa de fazer com que essa história se dissemine?

Muita coisa se perdeu, ela perdeu a casa. Mas isso diz muito sobre um senso de autovalor e sobre o Brasil. Quando eu comecei essa pesquisa, a data da morte dela não era conhecida, e isso me causava uma angústia muito grande. Como é que uma pessoa que teve essa importância para mulheres de alguma maneira teve uma morte como um indigente? Ela não foi enterrada como indigente, mas uma indigente social. Não tinha registro, documentação. Eu fazia a pesquisa e, ao mesmo tempo, tinha essa questão. Minha orientadora dizia que a pesquisa não dependia disso. Mas, para mim, era fundamental devolver para a Almerinda esse lugar de dignidade. Eu rodei e consegui achar a certidão de morte dela. Ela nasceu em 1899 e morreu em 1999, prestes a fazer 100 anos. Esse trabalho de pesquisa é, de alguma maneira, uma contribuição, um tijolinho da ciência, de divulgação pública de quem foi essa personagem. Eu falo isso, a história é um palco, e os historiadores e as pessoas que contaram a história oficial colocaram alguns protagonistas que a gente sabe quem são. As mulheres sempre estiveram fora dessa cena. Então, meu trabalho, de alguma maneira, é a contribuição de colocar a Almerinda no palco da história como a protagonista que ela foi. E a minha única tristeza é ela não ter vivido para ver esses pequenos reconhecimento que começam a acontecer. Esses dias, uma uma colega jornalista de Maceió me mandou uma foto que, agora, na cidade, tem um parque das mulheres em uma praça e um dos totens é da Almerinda, com uma pequena bibliografia dela. Uma coisa vai puxando a outra. Que ela tenha, mesmo com atraso, esse reconhecimento.


E a pesquisa continua?

Faço doutorado na UnB e sigo pesquisando esse universo. Fazendo pesquisa sobre o sufrágio, a gente vai vendo que já tem muita pesquisa sobre o movimento, sobre quem foram essas mulheres, mas sabemos zero sobre as primeiras eleitas no Brasil. Então, a gente tem algumas mulheres que foram eleitas em 1933, 1934 — por exemplo, a primeira deputada federal brasileira, que é a Carlota Queiroz, e não temos pesquisa, não sabemos como atuou. Agora, eu peguei a primeira deputada eleita na Bahia, deputado estadual, que era a parte desse grupo da Berta, da Almerinda, a Maria Luiza Bittencourt. Ela foi eleita por 25 anos, muito jovem, era uma liderança também. A ideia, agora, é entender como essas mulheres conseguiram êxito nas eleições, que tipo de política elas fizeram, como era chegar atrasada em um espaço em que todo mundo conhecia as regras do jogo.


Parece que os desafios não mudaram muito nos dias atuais…

Exatamente. A gente percebe, vendo as atas, as tentativas de silenciamento. Outra coisa que a gente percebe, muito no começo ainda, é que a maioria delas vinha de famílias que já estavam na política, o que também é uma coisa muito brasileira. Por isso que, quando surge uma Benedita, uma Marielle, que são as filhas da pobreza, isso causa um espanto e questionamentos do tipo "Esse lugar não lhe pertence". Eu falo sempre que a Almerinda, a Antonieta de Barros, elas abriram caminho para a Benedita da Silva, que abriu caminho para a Marielle Franco. Nossos passos vêm de longe inclusive nesse aspecto.




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Fonte: CORREIO BRASILIENSE




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