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Dulce Morais [Poeta Poruguesa}

Dulce Morais -Sou originária da cidade de Tomar, Portugal. Se nasci em país lusófono, deixei-o ainda criança para seguir o destino, com rumo a várias culturas, acabando por me fixar durante a adolescência à beira do Lago Léman, em Genebra. Foi lá que vivi durante vinte e cinco anos, estudei, fundei uma família e comecei a rabiscar versos e prosas em cadernos ou folhas soltas, escondidos em seguida em gavetas bem fechadas.

As mudanças de país e de horizonte foram-me saudáveis e criaram uma constante curiosidade pela Humanidade, pelas ciências, pela psicologia, mas sobretudo, pelas letras. Desde que aprendi a decifrar o maravilhoso código da escrita, penso não ter vivido um dia sem carregar um livro e viajar em devaneios através da imaginação dos autores. Se iniciei com Mark Twain e prossegui com Robert Louis Stevenson e semelhantes, foi na adolescência que descobri as irmãs Brontë, Jane Austen, mas também Hermann Hesse, Gabriel Garcia Márquez e tantos outros.



Absorvi de tal forma da cultura e o idioma dos países onde vivi, que quase não pratiquei a língua portuguesa até aos 36 anos. Tendo decidido regressar a Portugal em 2010, aprendi a língua das minhas origens durante um ano inteiro antes de me instalar novamente na cidade da minha infância. Desde então, vivo uma paixão pela língua de Camões e, graças aos conselhos de amigos, descubro a literatura portuguesa e brasileira com entusiasmo.

Quanto à escrita, se nunca desisti de deixar fluir as palavras em francês, é agora em português que me expresso com mais frequência escrevendo, e, em particular, na poesia, mas também na prosa poética, contos e reflexões, que divulgo no meu blogue pessoal: http://crazy40blog.blogspot.pt/, mas também no blog "Pense fora da caixa": http://penseforadacaixa.com/

Enfim, acabo de lançar um projecto de divulgação de artes em todos os seus aspectos, que poderão ver aqui: http://tubodeensaio-laboratorio.blogspot.pt/.




TRABALHOS DE AGULHA


Desfazem-se as malhas,
uma a uma,
do trabalho construído
Por mãos delicadas.
Com devaneios perdidos,
arrancam-se os nós
de uma vida sonhada.
Resta uma linha
amarrotada, usada,
em ondas de fragilidade.

Foram necessárias mãos ágeis,

a agulha da emoção,
cumplicidade partilhada
e sentimentos sinceros,
para tecer cada pedaço
da obra emaranhada.
Agora que as mãos tremem
e que a agulha foi espetada no peito,
é arrancado o fio do futuro
que deixa aberto
o novelo da vida.

Enrola-se em círculos repetidos

a linha dos projectos.
E o sangue derramado
pelo coração aberto
nutre a dor do que foi perdido.
E as lágrimas que rolam
sobre o rosto escondido
matam a sede da lembrança
do trabalho outrora construído.

Ao Céu dirige-se a linha,

num gesto desesperado,
para rogar ao Eterno
que não apague a memória;
a mágoa é a prova
que no mundo existiu
o parceiro perfeito
da obra que os uniu.

Em gestos frenéticos se fabrica,

sem agulha nem paixão,
outro trabalho de lã.
Um cobertor que se aplica
n’alma derrubada ao chão
para tentar ver o amanhã.




CANTEIRO

Afastei o espinho
Da rosa oferecida
Mas já era tarde
Para sarar
O pingo vermelho
Que escorria.
Esqueci para melhor curar
O coração enrugado.
E vivi.
Longe do jardim,
Das rosas e dos lírios.
Avancei sem parar.

O ciclo da água
Continuou a girar
Dos mares para os céus
E das nuvens para a terra
Para meus passos lavar.
Os sonos foram pesados,
Sob as luas inúmeras,
E deixaram os sonhos,
Serem meras ilusões.

À esquina de uma vontade
Procurei a mesma flor.
Impossível, direis,
Pois a natureza leva
O que tão generosamente oferece.
Mas a alma nunca carece
De esperança ilógica
Desde a primeva idade.

Vi uma pétala
Que acordou o meu peito.
Vi a corola
Refazer o que tinha desfeito.
O espinho também veio,
Arrependido ainda
De uma mão ter picado.

Como sobreviveu a planta
Ao deslize das épocas?
É especial, saibam:
Não tem fim nem começo.
E todas as noites
É no seu cálice que adormeço.




CONTOS:


DESASTRE NATURAL DA ALMA


Sentiu-se, no início, o trémulo apenas percetível do chão a mover-se ligeiramente. O choque nas entranhas da Terra fora certamente ligeiro. Vindo das profundezas até à superfície, percorreu lentamente as camadas sucessivas da crosta, atenuando-se a cada etapa. Não produziu ainda o estrondo ensurdecedor do terramoto devastador, mas deixou já o sentimento indefinido do que viria a ser. O evento, por ser tão leve, não causou qualquer dano mas deixou a certeza que o que viria em seguida não seria tão clemente. E passou.


Ouviu-se, depois, o vento que sacudia as suas asas na preparação do furacão devastador. Quando ganhou força suficiente, arrasou tudo no seu caminho, engolindo cuidadosamente todas as ideias e sentimentos que, na sua imprudência ou no seu descuido, se encontravam desprotegidos. Arrancou as árvores da certeza, levantou ondas de mágoa e, quando por fim acalmou, desfazendo-se dos sopros violentos, deixou pairar à superfície das águas um coração aberto e ferido em busca de conforto. E ficou.


Foi então o terramoto verdadeiro. Poderoso, destrutor e avassalador. Esse que inicialmente se anunciara com leveza, afogava agora uma alma já enfraquecida, sem escapatória. Ela deixou-se levar, sem resistir, abandonando o corpo em que vivia à vibração dessa mágoa, profunda e esmagadora, causada pelo sentimento de continuar a existir tendo deixado de ser. E partiu.






PREÂMBULO


Sobre a mesa dispuseram-se todos os utensílios necessários. São pincéis de todas as qualidades e matérias, cores de todas as origens, paletas já usadas, como caleidoscópios frágeis onde se aplica a matéria de forma incoerente para construir uma visão involuntária em pigmentos caóticos. Também há, pousados lado a lado, os produtos dissolventes dos quais emana o incomparável cheiro que inebria a mente, como se fosse das tonturas assim provocadas que nascessem as formas esculpidas na alma que permite o que outros chamam arte.


Sobre outra mesa, frente à primeira, um único objecto pousado. Ao contrário do habitual, a verticalidade foi esquecida, para lhe ser preferida a horizontalidade da tela. Como as crianças que pousam sobre a mesa de uma sala de aulas a folha branca antes de desenhar sonhos pueris com lápis de cor, a tela foi aqui disposta horizontalmente para permitir ao homem desenhar sonhos diferentes, nascidos numa alma despedaçada por visões estranhas acumuladas ao longo de uma vida desperdiçada no inútil.


Ao centro, entre as duas mesas, o rosto crispado pela concentração, os olhos perdidos em devaneios, as mãos ainda inertes, o artista observa sem ver. Descalço, deixa o frio do cimento que constitui o piso daquele lugar invadir a planta dos pés até ter a sensação de congelar por dentro. Só o acto de espalhar as cores na tela poderá aquecer um pouco as entranhas petrificadas. Mas, antes de chegar a esse ponto, será necessário vencer a luta que se trava no peito. Após tantos anos daquela prática a que tantos pretendem e que tão poucos conseguem, o homem sabe que só o resultado da batalha interna, seja ele uma vitória triunfante ou uma derrota amarga, permite libertar as mãos que serão, em seguida, capazes de aplicar, de forma aparentemente incoerente, as cores na tela que aguarda.


Em silêncio, o artista parece conversar com a matéria ali disposta. Faz parte da luta e há muito que o devaneio insano que ameaça em permanência virar loucura pura, foi aceite.  Se existe risco de afundar-se na irrealidade, nunca o calculou e não deseja sequer considerá-lo.


Nele, nasceu aquela sensação terrível que acelera o ritmo cardíaco, faz tremer os membros e embacia a visão. Já o tinha sentido nascer desde que ali entrou, e agora pode aceitá-lo: o medo! O que o motiva é inconcebível, inexplicável. E ninguém pede explicações. Por desagradável que seja, é essa sensação que desperta algures nos meandros do cérebro a produção da adrenalina que se espalha rapidamente pelas veias.


As mãos começam a tremer. É incontrolável mas o homem aprendeu há muito a não tentar controlar. Por fim, pega no material que o seu instinto escolhe e dirigindo-se à tela, numa voz que não é a sua, diz:


- Permite-me derramar sobre ti uma parte de mim!



Dulce Morais 
Todos os direitos autorais reservados a autora.

2 comentários

mochiaro disse...

Prezada e querida Dulce Morais

Sou um distante acolhido nessa cidade do Rio de Janeiro - Brasil e, me envolvi através da Revista Biografia de meu amigo Daufen, nos seus escritos.
Uma semente que retorna ao seu canteiro original, reservando ainda o valor de suas qualidades, após longo período de ausência é uma prova de amor as suas origens.
Foi um prazer envolver-me no sentimento por ti reservado nesse retorno, não somente nessa terra de Camões, mas aqui na Terra abençoada chamada Brasil.
Sua simpatia exalta uma beleza interior e seu sorriso encanta pela simplicidade da montagem
Pinto-a em aquarela no aguado em mistura tal como coloquei no meu blog versos maduros em apresentação.
Que seja uma presença constante em nosso convívio.
Apronto abaixo uma poesia minha em homenagem a você

DESPERTANDO

Acordando em indefinido pensamento.
Em sonhos e pesadelos derretidos.
Na sonolência postada em deslizes,
no corrimão da vida.

Buscando a fiação perdida,
na mistura das linhas;
na costura de um modelo;
antes programado e definido,
hoje embaralhado e perdido.

Um caminho a percorrer
Sem base, direção ou sentido
Fico estático em mortificação
Em espera de um toque ou presença.

Muitos vagueiam num vai e vem.
Muitos cruzam, mas não se aquecem.
Uns conheço em parte; outros não.
O que ausente persiste é justamente,
o que me faz presença em falta constante.

Pintei em aquarela no gotejar de meus sonhos.
Viajo em rios de tinta num afogar colorido.
Tomo-te de vez em meu pensamento,
degustando o prazer de tê-la presente...

em ausência.

Um fraterno e querido abraço
(mochiaro1@hotmail.com)
http://versosmaduros.blogspot.com.br/

Tangrê Souza disse...

Oi linda Dulce, lembra de mim?

Tangrê