Luar de Festa
Talvez fosse agosto, setembro ou se anunciasse outubro.
Sabia-se apenas da lua cheia. Àquela hora a lua ia alta. Parecia bem maior que
o de costume.
Sob o céu ela caminhava e embalava-se entre seus amores
pueris e seus sonhos juvenis por não saber bem onde se encontrava. Ainda
conservava seus tons de menina que ria alto, que batia palmas de alegria, que
roubava doces em festa, que espiava por trás de portas. Ganhara, porém, traços
novos, mais juvenis, quase adultos. Acostumara-se a ter segredos, até para si
mesma. Estava aprendendo a usar os seus olhares, equilibrava-se em saltos altos
e suspirava diante da lua cheia, como naquela noite.
Era um baile. Ela, uma das convidadas de honra. Para
compor-se adequadamente usava um vestido pré-determinado pela dona da festa e
isso a desagradava. Os sapatos a desagradavam mais: eram altos e meio
apertados. Ter os cabelos semipresos a deixava mais bonita. Uma franja caia-lhe
muito bem sobre os olhos. Ajudava a criar um ar de mistério em seus olhares
emoldurados por um combinado de sombras que ia do prata ao preto, em degrade,
além do contorno fino e forte cuidadosamente traçado por um delineador.
A ideia do tal baile não a apetecia nem por um minuto.
Achava tudo muito lugar-comum. Via as pessoas com uma monotonia que a enjoava.
Não percebia sorrisos sinceros, ao contrário, plásticos.
Entre as mesas circulavam garçons, recepcionistas,
seguranças e todo o tipo de prestadores de serviços que esses bailes
chatíssimos e tradicionalíssimos exigiam. Ela achava tudo chato. Nada prendia a
sua atenção. Nem os amigos, nem as conversas, nem as expectativas. Só a lua.
Alta. Cheia. Mais próxima da Terra, talvez.
Habilidosamente se desprendeu das teias das conversas
das quais não havia pegado nenhuma meada e deslizou para fora do salão, desatenta,
rumando para o jardim também preparado para a festa. Lanternas coloridas se
espalhavam entre as árvores que não eram tão frondosas e nem tinham frutos.
Talvez fosse o fim do inverno ou já estavam na primavera, por isso algumas
flores pendiam.
Procurou uma árvore mais afastada, ainda na área da
festa e se jogou ao seu pé. Recostou-se no tronco duro, olhando sempre para a
única coisa que prendia a sua atenção naquela noite.
Não pensava em nada. Desliza os dedos pelo bordado de
seu vestido. Agora já familiarizada com ele. As flores brancas até caiam bem
naquele tom de azul profundo... O azul a fez pensar no mar, no céu, naquela
noite. Fechou os olhos e cantou para a lua, como se pudesse ser ouvida. Era
qualquer canção de amor. Dessas que tem como nome o de uma mulher: Cecília,
Luíza, Carolina, Beatriz. A musa da
canção era exaltada. Despertava tremores, chegava a impedir a respiração do
admirador. Ela invejava essa musa e pensava se sua existência era real e
possível. Em seu íntimo desejava encontrar um sorriso qualquer que a fizesse
sentir aqueles mesmos tremores cantados.
Teve sede. Era uma noite quente. O vestido parecia lhe
aprisionar naquela cor. Pensou-o branco, limitador, angustiante. Saiu à procura
de algo para beber. No caminho encontrou com um par de óculos que emolduravam
castanho-escuros brilhantes e aparentemente perdidos que eram completados por
um marfim polido e largo, que era chamado de sorriso. Era um riso gentil,
apesar de parecer acanhado e incerto de onde estava. Ela pairou sobre os saltos.
Parou por três segundos. Lembrou-se de respirar. Desviou-se dos óculos e entrou
em busca de algo que a refrescasse.
“Está na hora, vamos!” – foi despertada por uma voz
conhecida. Seja lá que hora fosse aquela, ela precisava ir. Foi resgatada de
onde estava imersa sem que se desse conta. Sorriu, levantou-se e seguiu o fluxo
dos acontecimentos. Perdeu-se nas horas, nas brincadeiras, nas danças ensaiadas
e nas improvisadas e buscava a lua pelas grandes vidraças do salão de vez em
quando.
Libertou-se dos sapatos, o penteado desarmou e
cercou-lhe o rosto, enfatizando seu castanho-avelã curioso e atento na lua que
ela buscava, já a caminho da árvore para se jogar, exausta, de novo, aos seus
pés.
Decidiu pegar uma taça de qualquer coisa que estava
sendo servida. Tocou de leve e sorridente o ombro do jovem garçom: o dono dos
olhos que a deixaram entorpecida no inicio da noite. Quedou-se paralisada.
Mergulhou naqueles olhos como se fossem um mar negro, mas lembrou-se de
respirar antes que se afogasse. Sorriu na esperança de rever aquele riso de
pérolas que não demorou. Balançou a cabeça agradecida, tímida, corada.
Chegou ao jardim, olhou a lua. Cantou mais duas ou três
músicas e riu: teria se apaixonado pelo garçom mais bonito da festa? Teria ela
entrado no labirinto das paixões, que é o destino de todo coração humano?
Poderia isso acontecer assim, entre luas, taças, pretos, brancos, azuis
profundos, músicas, castanhos e fugas do que é entediante? Seria possível que
experimentasse assim a sensação cantada por ela há poucas horas em músicas que
a agradavam pela melodia e poesia?
Para encontrar a resposta ela precisaria refazer o
caminho. Analisar cada passo dado. Observar-se a si mesma, mas agora a lua tão
branca a mastigava como se fossem aqueles dentes. Suspirou. Achou graça de sua
sorte. Calçou os sapatos e pôs-se a caminho de casa, tentando desfazer em si
mesma aquelas sensações que lhe correram pela espinha. Haveria de ser mais uma
dessas coisas que acontecem com os corações que ainda oscilam entre o pueril e
o juvenil.
Dy Eiterer.
Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Edylane é Edylane desde 20 de
novembro de 1984. Não ia ter esse nome, mas sua mãe, na última hora,
escreveu desse jeito, com "y", e disse que assim seria. Foi feito. Essa
mocinha que ama História, música e poesia hoje tem um príncipe só seu,
seu filho Heitor. Ela canta o dia todo, gosta de dançar - dança do
ventre - e escreve pra aliviar a alma. Ama a vida e não gosta de nada
morno, porque a vida deve ser intensa. Site:Dy Vagando
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