Sponsor

AD BANNER

Últimas Postagens

O acendedor de lampiões [Ângelo Monteiro]

O acendedor de lampiões

Ângelo Monteiro

a.jmonteiro7@gmail.co

Há um soneto de Jorge de Lima, em metro alexandrino, O acendedor de lampiões, que até hoje nos serve de lição para certas discrepâncias do comportamento humano, a partir da simbólica sugerida pela figura, hoje extinta, com o aparecimento da luz elétrica, do acendedor de lampiões. Para começar, ele é parodiador do sol e associado da lua, conforme a primeira estrofe do soneto: "Lá vem o acendedor de lampiões da rua!/Este mesmo que vem infatigavelmente/parodiar o sol e associar-se à lua/quando a sombra da noite enegrece o poente!". O segundo quarteto nos mostra o personagem, em seu afã imperturbável, a acender lampiões mal o sol começa a mergulhar no poente: "Um, dois, três lampiões acende e continua/outros mais a acender imperturbavelmente/à medida que a noite aos poucos se acentua/e a palidez da lua apenas se pressente."


Os dois tercetos já nos preparam para receber o elemento implícito em toda a formulação poética: a revelação do real, o real que irrompe com a presença do próprio acendedor de lampiões, na atmosfera provinciana, procurando iluminar a noite dos homens. É quando, então, os dois tercetos vêm nos trazer outro tipo de claridade: o de natureza poético-ontológica. O primeiro terceto nos chamando a atenção para o elemento contraditório patente em toda a atividade humana, que nem sempre encontra a espera adequação, não só em termos materiais mas espirituais, por parte daqueles que a exercem: "Triste ironia atroz que o senso humano irrita/ele que doura a noite e ilumina a cidade/ talvez não tenha luz na choupana que habita." O segundo terceto, em que o soneto se conclui, nos aponta para um fato mais do que comum nos homens, em todas as épocas, que encarnam uma realidade oposta àquela que costumam pregar, e nas ideologias geralmente frenéticas e malsãs que sempre dominaram o mundo, sobretudo no último século, com o advento do fascismo, do nazismo e do comunismo: "Tanta gente também nos outros insinua/crenças, religiões, amor, felicidade/como este acendedor de lampiões da rua!" 

Normalmente os chamados ideólogos, ao proporem suas promessas de salvação, se esquecem de dizer como elas podem se materializar no tempo, se não conseguem realizá-las em si mesmos. É dessa contradição entre o que vivem e o que apregoam que se alimentam tanto certos indivíduos quanto certos discursos que fizeram fama na história de todos nós.

Ângelo Monteiro é ensaísta

2 comentários

MARCELO M. disse...

Poema perfeito, tão enigmático...

JuMaravilhaa disse...

Um poema tão profundo que está na no plano da estrutura narrativa que me deixa sem palavras. Ele simplesmente relata uma transformação de estado feita pelo acendedor de lampiões! Fantastico