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Remisson Aniceto - Poeta Brasileiro

Remisson Aniceto nasceu em Nova Era, pequena e aconchegante cidade do interior de Minas, próxima à Itabira de Drummond. Desde muito cedo tomou gosto pela leitura, incentivado pelo seu pai que não dispensava nem bula de remédio. Arredio como bicho do mato, escondia-se entre as árvores do quintal sempre que sua família recebia visitas. Ali, ficava lendo horas a fio. Começou a escrever aos oito anos e pouco depois lia alguns clássicos na biblioteca pública (não tinha condições de comprar livros). Dessa forma conheceu Machado, Cecília, Sabino, Quintana, Pessoa, Eça, Goethe, Rilke, Garcia Marquez... Seu namoro com a leitura e a escrita auxiliou muito na sua integração social. Sempre imaginou que algum dia atravessaria as montanhas para ver o Drummond - afinal, moravam bem próximos - mas, como ele já havia advertido bem antes, "tinha uma pedra no meio do caminho".
Alguns anos depois, em 1987, o poeta viajou e nunca mais reapareceu. Remisson mudou-se para São Paulo em 1979, à procura de trabalho. Premiado em concursos de contos e poesisa, seus textos podem ser lidos nas seguintes publicações: Revista Internacional de Poesía de Rosario Nº 18, Revista Partes, Revista Bacamarte, Revista Remolinos N. 4, Revista Cultural Amsterdam Su N. 5, nos sites Auténtica Poesía, Antología de Grandes Poetas en el Mundo, Garganta da Serpente e outros. Remisson criou o Blog Nosso mundo (http://www.nossomundo.bligoo.com.br), aberto para publicação de poesias, cartas, contos, notícias e artigos gerais em qualquer idioma.

Alguns enlaces para seus textos:


Livros:

*Poesia para o mundo, Bubok (2009)
*Todo dia é dia de poesia, iG Editores, Stella Maris/Pão-de-Açúcar - SP - (2002)
*Novos talentos da poesia brasileira, Forever Editora - SP - (1995)
*Palavras de Poetas, Physis Editora - SP - (1997)
*Escrevo nos espaços que me restam, Editora Bauhaus - SP - (1982)

Poemas:

Transição

É tão fria a cova e tão escuro o horto
onde depositam meu corpo doente!
_ Como a cova é fri a se o corpo é morto?
A partir de agora s ó a alma sente...

Ah! Esta cama rude onde estou deitado
e este quarto escuro e tão bem fechado!
Tento levantar, mas estou tão cansado...
Que rumor é esse ali no quarto ao lado?

Há um jardim bem perto: sinto o odor das flores.
Quero levantar, mas estou tão cansado...
Estou tão cansado mas não sinto dores.
E o rumor aumenta ali no quarto ao lado.

_ Desçam o caixão! _ diz alguém lá fora.
Quem morreu enquanto estive dormindo?
Bem perto da porta ouço alguém que chora,
lamentando a sorte de quem vai partindo.

Quero levantar, faço força tamanha
mas tenho as mãos inertes e o corpo duro.
Agora o padre reza numa língua estranha,
enquanto fico preso neste quarto escuro.

Está caindo terra sobre o telhado.
Parece que o mundo está desabando...
Falta-me o ar neste quarto fechado
e lá fora há um a multidão chorando.

Sinto um trem or leve, um breve arrepio...
Já quase nada mais estou sentindo.
Por que não me tiram deste quarto frio?
Alguém morreu enquanto estive dormindo.

É tão fria a cova e tão escuro o horto
onde depositam meu corpo doente!
_ Como a cova é fria se o corpo é morto?
A partir de agora só a alma sente...

Poesia classificada em 2º lugar no Prêmio Cataratas 2006, da Fundação Cultural de Foz do Iguaçu, e menção honrosa no Prêmio Cidadão de Poesia, de Limeira - SP

*****

Herança

A confecção deste poema foi um caso à parte, diferente dos demais poemas meus, que normalmente levam horas, às vezes dias para ser finalizados. Herança veio de uma golfada; nasceu, se muito, em trinta minutos, já pronto pra se mostrar ao mundo.

E eu morro a cada dia
quando cada coisa morre.
Outrora Deus me socorria;
agora já nã o socorre...

Vai um pássaro, coit adinho,
de hirtas e opacas asas.
Vai com ele um bocadinho
da minha alegria tão rasa.

Vão-se o amigo, o cão, o gato, o boi,
tudo vai nesta infalível jornada.
Só fica a angústia do que foi
na minha memória cansada.

Até um jovem filho se vai
sem mesmo saber pra onde,
na vã liberdade que atrai
e mil armadilhas esconde.

Nenhuma alegria perdura
e todo gozo é passageiro.
Só de tristeza há fartura
todo dia, o ano inteiro...

Quando eu me for [e será breve!]
levarei comigo esta carga.
Não quero que alguém herde
tanta lembrança amarga.

***

Súplica

Reza por mim, amor.
Reza por mim
e não serei um mero grão disperso,
e não serei um anel de Saturno
desgarrado, solto no espaço-tempo
da Eternidade.
Que aqui tudo é mistério,
tudo é descobert a,
há outro sentido,
outro concei to de Existência.

Aqui não há espera,
só a lembrança fugaz,
só a vaga imagem do teu rosto
na moldura do Infinito.
Não te deixei, amor,
roubaram-me de ti,
despejando-me no vácuo do tempo.
Reza por mim,
fumaça disforme ora diluída,
ora rejuntada,
assumindo formas várias e inúteis,
bailando aos dissabores
da inconsciência.
Reza por mim, amor.
Imagina-me como um lago
de águas puras, serenas,
e assim hei de ser
para matar minha sede
de ti.

****

Vestuário

Roupas, roupas,
vestimentas,
enganos do corpo,
engodos, farsas.
Panos, panos,
linhos grossos,
fininhos,
obstrução de caminhos...

****

Chuva

Um c orpo na mesa -
e lá fora o dia chora
águas de tristeza

*****

Áurea

Faço poemas
em versos negros
e versos brancos
para que todo poema
seja livre.

********

Realeza

Por que em tudo quanto vejo cuido vê-la?
Por que não fico um segundo desta vida
sem pensar na minha amada e esquecê-la,
se é uma jóia que pra mim está perdida?

A cada fim-de-semana tão sofrido
me transformo nas flores que lhe oferto,
mágica forma que creio ter aprendido
para vê-la, pra senti-la, pra estar perto...

Abdico hoje da tristeza,
do sofrer e da amargura abdico,
qual um rei que não quer na dor a realeza.

E como antes para tê-la eu me dedico,
para ser rei, mas rei feliz e tenho certeza:
qua ndo a tiver, serei de todos o mais rico!

*******

Insurrecto

Misérrima
vida
de favela
que vivi.
Desvalida
vida ávida,
desprovida,
vida sem brio,
sob pontes,
sobre rios...
Vi-a vil,
hostil,
dividida.
Quisera vê-la
à luz de velas,
baixelas...
Ah! Vida vil,
vil vida.
Viu vida mais vil?
Viu?
Ó Orco!
Ao me vires,
vil verme,
ousarei vê-la
in extremis
à luz de velas!

****

Fantasia
Para Rosangela de Fátima

Ó bela Flor, purpúrea, serena,
de sutil formosura, eflúvio de rosas...
Desvelada Flor, sublime, amena,
mescla escarlate das veias ardorosas.

Ó infinita Flor, plácida, aérea,
rubra Fl or dos meus anseios...
Visão indel? ?vel, magicamente etérea,
lampejo de cor dos devaneios...

Ó Ros'angelical, rósea Flor mirim,
fulgente glória dos meus sonhos,
cobre-me com pétalas carmim!

Ó majestosa Flor, pujante e sincera,
sê real! Dissipa a névoa do medonho,
ó inefável Flor de Quimera...

********

Invólucro

Idiota! Não vês que nada és?
Apenas fina capa bolorenta te protege
da podridão. Vermes famintos te rodeiam.

Ignoras que num lance mágico, num segundo apenas
cai por terra toda a altivez e o belo
 papel-presente revela a fétida massa?

O gosto amargo do fel, a visão incerta,
o entortar das pernas, o descontrole total...

tudo é inevitável!

Mais dia menos dia serás presa fácil:
o temp o é impiedoso.

O trágico fim independe de tua vontade.
A arrogância que despejas não passa
de faceta inútil das tuas diversas faces
vãs e mundanas.

Ao sol poente, o rosto murcho e os ossos corroídos
doerão mais do que naqueles que tiveram
a precaução e o bom senso de serem
simples e ocultos.

Restarão teus lindos cabelos...

E que utilidade terão teus cabelos, fios
órfãos e subterrâneos, dispersos, opacos
sobre os ossos?

****

Prisão e liberdade

À noite, o rosto nas grades da janela
do colégio interno onde estudava,
perguntei ao padre que cidade era aquela,
toda escura, de onde nada se escutava.

Aos domingos, muita gente lá passeia
e outras, brancas, imóveis _ serão guardas ?
Em novembro de flores fica cheia
e de velas as finas ruas enfeitadas.

_ Que cidade é esta, diz pra mim,
que me atrai com seus noturnos mistérios?
O padre me olha sério e diz por fim:

_ Ali moram reis e rainhas de finados impérios,
ricos, pobres, crianças, todos que dormem, enfim...

Aqueles muros brancos, filho, são os muros do cemitério.

***

À minha mãe

Quisera hoje ver-te, ó mãe querida,
contigo estar no meu torrão
e te contar da minha Vida,
da dor que me aperta o Coração.

Quisera alegrar teus olhos cansados,
curar da falta a grande ferida
que te faço e me fazes. Já quebrados
os meus planos, minh`alma está partida.

É tão longa a distância, mãe amada,
que me consola esta página amarelada
onde me debruço a chorar o meu tormento.

Contudo, mãe, se são desfeitos os meus planos,
meu Coração, mesmo entre tantos desenganos,
tanto te ama e não te esquece um só momento.

***

Classificado

Contrata-se um assassino, um matador de aluguel
que tenha na profissão bastante experiência.
Deve ser frio, calculista, insensível e cruel.
Exige-se carta de referência.

Quem o trabalho puder assumir,
favor encontrar-me na mais triste praça.
Direi que a vítima não vai reagir,
que é homem semimorto, descartável e sem graça.

Mas que seja certeiro o tiro ou o golpe do punhal:
não quero que o ferido se arrependa.
Melhor no coração, pra ser fatal.

Depois, já não haverá dor ou ferida.
E que o contratado não se surpreenda
ao saber que o pagamento é a minha vida.

***

Terapia do riso absurdo

Contraídos o risório e o zigomático,
explode em ti sonora gargalhada.
Do veneno do teu riso tão elástico
minhas cordas também são contagiadas.

Tudo em ti é motivo de euforia
e até o vento faz-me cócegas passando.
De tudo rimos e na falsa alegria
o teu riso com o meu riso vai rimando.

Com o riso tu me enganas e eu te engano.
Se sorrimos, damos bah! para a tristeza.
Riamos, que o riso encobre o dano.

Devemos rir, pois só o riso nos sobeja.
Serão bobos? vão dizer. Somos insanos!
E talvez rindo, a triste Morte não nos veja.


***

Substância
Para Rosangela de Fátima

Encontro-me tantas vezes pensando em ti
e visualizo tua perfeita forma de mulher,
o dia a aflorar-te nos lábios de veludo,
a noite a escorrer-te pela seda dos cabelos.
Se estás longe de mim, dia após dia
transformo-te na delícia do fruto que aprecio,
no frescor da água que me sacia a sede
e na substância, e nfim, que me permite o amanhã.
Posso te sentir na suave brisa matutina,
nos primeiros raios do sol que me aquecem
e ouso ver-te em cada objeto, em cada rosto,
em cada gota de orvalho da verde grama
e no ruflar das asas das andorinhas...
Sou pequenino ante tua presença
e obscuro na tua transparência,
mas meus olhos mantenho cerrados
enquanto o dia corre,
enquanto a hora vital não chega,
até que te encontro, nascida do nada,
florescida, cristalina ante meus olhos,
e bebo da taça dos teus lábios
e aqueço-me do sol do teu sorriso
e me desfaço em infantil alegria...
E vão-se do meu rosto a sombra e a amargura
e tudo o que me faz sofrer quando não te tenho.
Onda que vem
e que vai
e vem novamente
e torna a partir,
mas que não escoa nunca,
neste oceano de delícias que é o teu corpo,
que banha o meu corpo,
que faz nascente o sol no meu rosto.
És a delícia, a doçura dos meus dias
e a cada hora te espero
para reinares sempre em minha vida.

****

Poemas em castellano:

Áurea

Hago poemas
en versos negros
y versos blancos
para que todo poema
sea libre.


***

Insurrecto

Misérrima
vida
de favela
que viví.
Desvalida
vida ávida
desprovista,
vida sin brío,
bajo puentes,
sobre ríos.
La vi vil,
hostil,
dividida.
Quisiera verla
a la luz de velas,

vajillas...
¡Ah! Vida vil,
vil vida.
¿Vio vida más vil?
¿Vio?
Oh Orco!
Al verme
vil gusano,
osaré verla
in extremis
a la luz de velas!

***

Envoltura

¿Idiota! ¿No ves que nada eres?
Apenas fina capa mohosa te protege
de la podredumbre. Gusanos hambrientos te rodean.
¿Ignoras que en un pase mágico, en un segundo apenas
cae por tierra toda la altivez y el bello
papel de regalo revela la fétida masa?
El gusto amargo de la hiel, la visión incierta,
el torcerse de las piernas, el descontrol total...
todo es inevitable!
Cualquier día serás presa fácil:
el tiempo es impiedoso.
El trágico fin no depende de tu voluntad.
La arrogancia que derramas no pasa
de ser faceta inútil de tus diversas faces
vanas y mundanas.
Al sol poniente, el rostro marchito y los huesos corroídos
dolerán más que en aquellos que tuvieron
la precaución y el buen tino de ser
simples y ocultos.
Quedarán tus lindos cabellos...
¿Y qué utilidad tendrán tus cabellos, hilos
huérfanos y subterráneos, dispersos, opacos
sobre los huesos.

***

Transición

Es tan frío el hueco y tan oscuro el huerto
donde depositan mi cuerpo doliente!
_ ¿Como el hueco es frío si el cuerpo está muerto?
A partir de ahora sólo el alma siente...

Ah! Esta cama tosca donde estoy echado
y este cuarto oscuro y tan bien cerrado!
Quiero levantarme, pero estoy cansado...
¿Que rumor es ese en el cuarto al lado?

Hay un jardín cerca: siento aroma a flores.
Quiero levantarme, pero estoy cansado...
Estoy tan cansado pero sin dolores.
Y el rumor aumenta en el cuarto al lado.

_ ¡Bajen el cajón! _ dice alguno ahora.
¿Quien murió en tanto estuve durmiendo?
Cercano a la puerta oigo alguien que llora,
lamenta la suerte de quien va partiendo.

Quiero levantarme, con fuerza tamaña
inertes mis manos y mi cuerpo duro.
Reza el sacerdote en una lengua extraña,
mientras quedo preso en este cuarto oscuro.

Va cayendo tierra sobre el tejado.
Parece que el mundo se está derrumbando...
El aire me falta en el cuarto cerrado
y una multitud está afuera llorando.

Siento un temblor leve, un escalofrío...
Ya casi nada más estoy sintiendo.
¿Por qué no me sacan de este cuarto frío?
Alguien murió mientras estuve durmiendo.

Es tan frío el hueco y tan oscuro el huerto
donde depositan mi cuerpo doliente!
_ ¿Como el hueco es frío si el cuerpo está muerto?
A partir de ahora sólo el alma siente...

Traducción: Graciela Cariello


***
Lluvia

Un cuerpo sobre la mesa -
y fuera el día llora
aguas de la tristeza

***

Prendas de vestir

Ropa, telas,
prendas de vestir,
engaños del cuerpo,
mentiras, disfraces.
Telas y prendas de vestir,
líneas gruesas
o transparente,
obstrucción de caminos ...

***

O tal o cual
Entre el amor o el odio
entre la fé y el no creer
entre la vida o la muerte
entre Dios y el diablo
prefiero esto a aquello

Poemas libremente traducidos al español por el poeta chileno Fernando Melón Gat.

***

Poema em italiano:

SUBSTANCIA
Para Rosangela de Fatima

Mi trovo tante volte pensando a te
E visualizzo la tua perfetta forma di donna,
di giorno a sfiorare le labbra di velluto,
la notte ad accarezzare la seta dei capelli.
Se sei lontano da me, giorno dopo giorno
Ti trasformo nella delizia del frutto che apprezzo nella frescura dell’acqua che mi sazia la sete.
E nella sostanza che mi permette il domani.
Posso sentirti nella soave brezza mattutina,
nei primi raggi del sole che mi riscaldano
e sempre ti vedo in ogni oggetto, in ogni volto,
in ogni goccia di brina della verde erba
e nel battito delle ali delle rondinelle…
sono piccolino davanti alla tua presenza
e oscuro nella tua trasparenza,
ma i miei occhi mantengo serrati
mentre il giorno corre,
finchè l’ora vitale non giunge
finchè ti incontro, nata dal nulla,
fiorita, cristallina davanti ai miei occhi
e bevo dalla tazza delle tue labbra
e m iscaldo al sole del tuo sorriso
e mi sciolgo in infantile allegria
e se ne vanno dal mio volto l’ombra e l’amarezza
e tutto ciò che mi fa soffrire quando non ti ho
Onda che vieni e che vai
E torni nuovamente
E torni a partire
Ma che non si ferma mai
In questo oceano di delizie che è il tuo corpo
Che bagna il mio corpo
Che fa nascere il sole sul mio volto.
E’ la delizia, la dolcezza dei miei giorni
E ad ogni ora ti aspetto
Per regnare sempre nella mia vita

Per la traduzione in lingua italiana ringrazio Ena Villani (http://www.enavillani.com/ ) ed i suoi amici.

******

Resenhas:

O Crime do Padre Amaro, Eça de Queirós

Qual o crime cometido pelo jovem padre Amaro? O de ter se apaixonado pela bela Amélia? E se o crime tem uma agravante, qual a pena a ser- lhe aplicada por tê-la engravidado?

Eis um livro que deve ser lido com muita atenção, pacientemente, para o leitor não perder detalhes de como o autor retrata a hipocrisia e a promiscuidade da sociedade portuguesa na segunda metade do século XIX, especialmente dos representantes da igreja católica.

Para instigar a curiosidade dos futuros leitores, vale ressaltar algumas passagens do romance, como a cena da refeição dos padres à mesa da S. Joaneira, discutindo banalidades e a vida alheia, as qualidades e defeitos dos homens e das mulheres, a vi da dos pobres ("azar o deles") e os "arranjos" para conseguir dinheiro com os políticos.

Amélia, diante da impossibilidade de se casar com seu querido Amaro e para não "cair na boca do povo", é convencida a se preparar para contrair núpcias com o escrevente João Eduardo. João Eduardo que, num horrível sonho de Amaro, adquire as feições do Diabo, impedindo o padre de continuar com sua amada Amélia o caminho para o Céu.

E Amaro também vai se enredando cada vez mais numa teia de mentiras para manter as aparências, chegando ao absurdo de desejar que o filho nasça morto.

Há trechos maravilhosos como o seguinte: "Diante de Nosso Senhor, o verdadeiro marido de Amélia era o senhor pároco; era o marido da alma, para quem seriam guardados os melhores beijos, a obediência
íntima, a vontade; o outro teria quando muito o cadáver..."

Ou ainda quando o severo Dr. Gouveia, descobrindo por fim o estado de Amélia, diz: "Eu bem tinha dito a tua mãe que te casasse!" e, resignado, complementa: "A natureza manda conceber, não manda casar.

O casamento é uma fórmula administrativa..."

Não consumado o casamento por desistência do escrevente, tenta-se deseperadamente conseguir outro noivo antes que Amélia dê à luz ao fruto proibido.

Fosse eu enumerar todas as partes maravilhosas deste livro e o reescreveria por completo. Fica, assim, a indicação da leitura de um dos grandes romances de Eça de Queirós, um verdadeiro documento humano e social da sociedade portuguesa de então: O Crime do Padre Amaro.


*****

O Primo Basílio, Eça de Queirós

Lisboa.
Jorge e Luísa: um casamento.
Luísa e Basílio: um caso.
Durante a viagem do marido Jorge, engenheiro de mina s, Luísa envolve-se com seu primo Basílio, paixão de adolescente, que retorna rico após temporada no Brasil.
Ambientes como O Paraíso e o Hotel Central e personagens como Mendonça, Sebastião, Joana, Dona Felicidade, O Conselheiro, Mendes, Julião, Dona Leopoldina, Juliana e as cartas comprometedoras (objetos de chantagem) e outros ajudam a compor a trama, onde amor e ódio, traição e morte se entrelaçam, habilmente temperados por Eça de Queirós, pai também de O crime do Padre Amaro, Os Maias, As cidades e as serras, A ilustre casa de Ramires...

Manipulando com maestria temas aparentemente comuns do nosso cotidiano, o autor português conduz a vida da protagonista Luísa (mulher-objeto), amarrando os capítulos e prendendo o leitor até o desfecho, inesperado e tragicômico.

******

Dom Camilo e os Cabeludos, Giovanni Guareschi

Giovanni Guares chi, versátil escritor italiano morto em 20 de julho de 1968, narra neste livro - último capítulo da série do Pequeno Mundo de Dom Camilo - as discussões do padre não-conformista com o
prefeito comunista Peppone e sua convivência com a juventude que contesta todos os valores estabelecidos pela sociedade.

No capítulo "São Miguel tinha quatro asas" ele diz que "o hábito é um negócio tal que nos faz ver até o que já não existe, mas o subconsciente acusa a mudança. Não há obstáculos capazes de deter os jovens; nem a morte, talvez. Uma pesquisa sobre o comportamento dos joven s de hoje é impossível: o seu cinismo, o seu desembaraço, às vezes sacrílego, fazem dos jovens uma geração cruel e imprevisível".

Por trás do pequeno mundo de "Dom Camilo e os cabeludos" encontramos a bela cidade de Parma e a residência de Guareschi, a planície emilia na e ainda as barrancas do rio Pó, onde vive e convive um povo
bastante sedutor, generoso, hospitaleiro e cheio de amor, mas cuja paixão política pode explodir a qualquer momento.

Belo livro de Guareschi, que foi membro da Resistência Italiana durante a Segunda Guerra Mundial e prisioneiro dos nazistas, tendo sido até deportado para a Alemanha.

Pequena enciclopédia de personagens da literatura brasileira, Clóvis Bulcão

Concentrar muitos livros num só livro, ressuscitand o grandes personagens da nossa literatura. Eis a façanha realizada por Clóvis Bulcão nesta memorável "Pequena Enciclopédia de Personagens da Literatura Brasileira" (Ed. Elsevier/Campus).

Heróis e heroínas, vilões e vilãs de épocas e lugares diferentes desfilam livremente pelas suas quase 300 páginas, amando, sofrendo, brigando, morrendo, apr ontando mil peripécias, enfim... Livro recheado de maravilhosas personagens, como Alaíde, que morreu atropelada (Vestido de Noiva - Nelson Rodrigues); Capitu (Dom Casmurro - Machado de Assis); a peleja de Fabiano (Vidas Secas - Graciliano Ramos); Santiago (O Alquimista - Paulo Coelho); Ana Clara (As Meninas - Lygia Fagundes Telles); O Major Vidigal e sua justiça falível (Memórias de um Sargento de Milícias - Manuel Antônio de Almeida); Ana e seus seis irmãos (Lavoura Arcaica - Raduan Nassar) e outros, outros, muitos outros... Puro de leite! Qual obra literária como esta é capaz de construir tão sólida ponte entre as personagens e suas histórias, elo através do qual o leitor, curioso, pode passar para conferi-las integralmente?


******

Fogão de Lenha, Maria Stella Libânio Christo
Ed. Vozes - 1ª edição de 1991

De todos os livros de culinária que já li, tem o meu apreço especial
este Fogão de Lenha, em capa dura, da Maria Stella Libânio Christo,
cuja introdução é de Aureliano Chaves, que à época da 1ª edição
(1977) era o governador de Minas. Sim, este é um livro de receitas
mineiras, que traz lindas ilustrações relacionadas ao tema, todas
tiradas do Álbum Debret, das quais destaco algumas: O jantar; Negras
vendedoras de angu; Transporte de carne verde; Ar mazém de carne
seca...

Não sei se este é um livro de culinária mineira ou de receitas de
poesias, crônicas e cartas sobre cozinha e suas gulodices, dada a
excelência dos nomes que desfilam pelas suas páginas: Carlos
Drummond de Andrade, Pedro Nava, Autran Dourado, Códice Costa
Matoso, Cecília Meireles, Antônio Lara Resende, Manuel Bandeira,
Cora Coralina...

Vale a pena divulgar aqui algumas das pérolas dos ajudantes de
cozinh a recrutados por Maria Stella. Os textos destes incomparáveis
auxiliares temperam de forma inigualável as primorosas receitas de
doces, sopas e quitutes desta obra-prima da literatura. Renato de
Barros diz: "Rosca, broinha e pão de queijo/são tão gostosos/quanto
da moça o beijo" (1953). Manuel Bandeira avisa: "Mamãe não avisou
que vinha./Se ela vier, mando matar/uma galinha". E Drummond
complementa: "Havia jardins, havia/ man hãs naquele tempo!"

Há muitas outras curiosidades literárias nesta obra, registros de
receitas e documentos afins que remontam à época do Império, cartas
e até quadras, como esta de Cecília Meireles:

"Passas longe, entre nuvens rápidas,
com tantas estrelas na mão...
- Para que serve o fio trêmulo
em que rola o meu coração?"

Certamente hão de me perguntar: Cadê as receitas? Você não vai
escrever uma sequer? e respondo: Receitas de bolos, doces, quitutes
e outras iguarias encontramos em muitos livros, uns melhores, outros
piores. Este Fogão de Lenha situa-se acima dos demais, sem dúvida,
mas o meu forte não é o labor da cozinha. Após ler o livro duas
vezes, resolvi, certo dia, preparar uns olhos de sogra e fui ao
índice sistemático, página 131. Claro que voltei duas páginas para
passar os olhos (os meus, não os da sogra) na introdução do Pedr o
Nava (Baú de Ossos, Rio, 1973), um verdadeiro tratado sobre o melado
e a rapadura. Extasiado, esqueci a receita dos olhos de sogra e me
dirigi a outro texto, depois outro, e outro e mais outro... Quando
dei por mim, já era muito tarde para executar a receita que eu,
totalmente desprovido de dotes culinários, certamente não
conseguiria levar adiante. E toda vez que tenho este livro nas mãos
ocorre o mesmo, perco-me nas suas páginas deliciosas, esque ço do
mundo, me alimento de Drummond, Cora Coralina, Bandeira, Dantas
Mota, Rubem Braga, Cecília Meireles, Pedro Nava...

Sendo o Fogão de Lenha um livro de receitas de cozinha, o leitor
pode não concordar comigo, mas considero estas como secundárias,
elevando os demais textos ao primeiro plano. Ainda assim, reafirmo
que esta obra, para o que se propõe (mesmo que se suprimissem os
demais textos) seria superior a todas as outras do gênero e ind ico
sua leitura a todos os que apreciam a boa literatura e a boa mesa,
que não se sobrevive sem uma nem outra.

Finalizo com o preceito bíblico (Provérbios 14: 23) transcrito na
página 156: Mais vale um prato de verdura com amizade, que um boi
com inimizade.

*******
Sobre a poesia de Remisson Aniceto:
Belo Horizonte, dezembro de 1999

Mesmo afastado das salas de aula há duas dezenas de anos, ainda recebo muitos textos para avaliação, a maioria sem qualidade. No último janeiro (já estamos no Natal) descobri quase uma centena de poemas assinados por Remisson Aniceto, nome até então totalmente desconhecido para mim. E o autor roga que eu lhe escreva algumas linhas, o que, após ler su a poesia, não me é nenhum sacrifício.

Confesso que há muito não me interessava pela poesia, mas após me alimentar de tão belos textos meu gosto se renova. É verdade que fui atraído pela essência, pelo tempero, e não pela forma que, cá entre nós, não deixa muito a desejar, não.

A poesia deste autor não parece ser puramente confessional, tampouco assintomática. Entretanto, se não retrata totalmente as suas vivências, também procura se valer do real, às vezes. É como se o olhar do poeta se incorporasse ao olhar dos transeuntes - não à revelia do primeiro - e ele se visse através do observador e se descrevesse. Assim, se de início nos parece uma artimanha do poeta para se descompromissar de sua poesia, nessa concepção a sua poesia é ele mesmo, analista do olhar cotidiano que o observa.

Ouso dizer, ainda, que os poemas menores, pouquíssimos, não comprometem a excelência da maioria dos textos deste autor que, através da poesia, almeja ser o que não foi, fazer o que não fez, ter o que não teve... Sonho de quase todo poeta.

E como, constantemente, sou atacado pela fome do indissolúvel e pelo desejo do impalpável, recorro aos seus poemas e me sacio. Delicioso néctar da imaginação!

Antoine Verger
Professor e crítico literário

*****************

Beba!
Água potável!
Coisa mais difícil é opinar sobre uma obra engendrada por seu amigo.
Se não agradou, como falar mal de um filho para o pai?
Se agradou, como exprimir-se na intensidade adequada e justificar
seu parecer?
E põe dificuldade nisto se for poesia!
É um desafio que sempre enfrentei. Os muitos anos (quase trinta), dia
a dia, vividos na tentativa de interpretar para os alunos as contribuições que
a arte literária já firmada pela cultura pode trazer a cada pessoa, em vez
de insensibilizar criaram uma inquietude. Confesso que ao encontrar alguma
mina nova aflorando a terra, tentando abrir um sulco para expor-se como água
de beber, tenho sede e sempre experimento, até com um ar de obrigação.
É o caso de Remisson. Li, digerindo, uns 50 poemas seus.
É terra privilegiada que absorve todas as chuvas. Sinto infiltrando-se nele
águas do Romantismo, do Parnasianismo, do Si mbolismo (mais Alphonsino
que Cruzeano) do Augusto inclassificável dos Anjos desangelizador e até
jorros da bilha do Fernando português. Mas, não só. Há chuvas de todos os
climas e estações.
Mas tudo sai a seu modo, à sua pessoa. Repito: é terra fértil, não porosi-
dade filtrante.
Remisson tem tudo de nascente: filtra, enriquece, mistura, alquimiza.
Como todo mundo, adota calhas, mas o faz com arte e competência,
sobretudo as do soneto. (Acho, aliás, que todo bom sonetista é sempre um
grande poeta). A prova disto é que a água corre, mineral, cristalina, leve,
surpreendente, medicinal.
Pode beber. Em algum local psíquico, em algum momento sedento,
vai lhe fazer bem.

Prof. João E. Magalhães - Literatura
Colégio Stella Maris (SP)
Agosto de 2001

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Quem anda por uma cidade do Brasil ou de outras partes do mundo, não
raro descobre cheio de surpresa e encanto, algum jardim que toca a emoção
e evoca a sensibilidade para o belo, perdida em meio aos seus edifícios cin-
zentos. Mas, pedacinhos de beleza envolvidos pela agressividade do ambi-
ente não são exceções. Ao contrário, se ali se apresentam é justamente
porque arquitetos e urbanistas compreendem que a vida não pode ser feita
apenas de competência, competição e precisão, mas por momentos de poe-
sia, instantes de encantamento.
A surpresa acontece, entretanto, quando esta ou aquela flor teima em brotar
no vão estreito da calçada quebrada, quando entre ruínas de construções
inacabadas aparece uma linda surpresa da grama teimosa, a ousadia do verde
ramo, ali impossível. Foi por acreditar na singularidade dessas surpresas que
li com interesse crescente essa sensível obra do Remisson Aniceto.
Conhecendo-o em sua atividade profissional, jamais o imaginei poeta e assim
quando seu verso me deixou, bati um primeiro olhar como se nada de surpre-
endente pudesse descobrir. Mas errei.
Seus poemas possuem sensibilidade, seus pensamentos envolvem-nos por
surpresas. Não sou crítico literário, mas me consola saber que não é essa crí-
tica que o autor solicita. Sou um professor, apenas isso e na simplicid ade de
minha tarefa de ensinar, cabe espaço para também aprender a fina sensibili-
dade de uma poesia agreste, de versos que brotam como ramos ousados em
meio a dureza escaldante do asfalto. Valeu, poeta.

Prof. Celso Antunes
Celso Antunes nasceu em São Paulo em 1937. É bacharel e licenciado em Geografia pela Universidade de São Paulo, mestre em Ciências Humanas e especialista em Inteligência e Cognição, além de Técnicas de Ensino e Aprendizagem, membro consultor da Associação Internacional pelo Direito da Criança Brincar, reconhecida pela UNESCO. É autor de cerca de 180 livros entre didáticos, paradidáticos e de divulgação de métodos pedagógicos e também consultor de diversas revistas especializadas em ensino e aprendizagem.


Carta ao autor:
Por Ignácio de Loyola Brandão
São Paulo, 20 de junho de 2006

Caro Remisson,

Demorei para responder, porque minha agenda não é nada fácil.

Fui lendo um dia uma coisa, outro, outra. Como o meu conhecimento de poesia é limitado (sabe que nunca fiz uma só em toda a minha vida?) fui pelo impacto que os textos me produziram. De uns gosto mais, de outros menos. O essencial é que uma pessoa tenha a ousadia de fugir da mesmice do dia-a -dia, do tédio da rotina, procurando criar. A criação é o que fica, nos justifica. Textos, sejam poemas, contos, crônicas, ou o que for têm sua vida própria e atingem os outros de maneira misteriosa e mágica. Gosto de uma coisa, o outro detesta essa mesma coisa. Essa variedade é que torna o escrever fascinante. Lendo um poema como Transição, por exemplo, me vem à mente a poesia de Augusto dos Anjos, autor que rompeu com tudo e formou a cabeça da minha geração. E quando deparo com Vizinho ilustre, sinto em você uma guinada. Muito diferente dos poemas anteriores. Muito forte. Poucas palavras e muita ironia. Este poema define o criador. Vemos o que não estamos vendo. Em O amante você faz o que todos fazemos com a criação. Desafiamos a morte. Ela que venha, que nossos textos nos tornam imortais. É uma auto-confiança enorme, e quem escrever precisa disso. Bem, quando cheguei em Convite, não gostei. Meio chavão, meio clichê. No entanto, em Invólucro, você cresce, domina, extrapola, envolve, aterroriza. Belo, belo! Nova Era é um momento de ternura. Necessário. Quanto a Cara de pau é perfeito. Diz o que muita gente quer dizer e não sabe. Ótimo. Em O eu anômalo entra o sarcasmo, a auto-ironia, a auto-crítica. Muito bons ainda Prisão e liberdade e Só o tempo passa.

O que citei foi o que mais me capturou. Mas quero adiantar que cada leitor é um leitor diferente. Quero afirmar que você precisa escrever, deve escrever, não pode parar de escrever, porque dentro de você está um vulcão em erupção, está um homem com visão de mundo e de vida, um homem inconformado e rebelado. E a poesia é a forma de colocar para fora tudo isso. Para que os outros partil hem.

Grande abraço do Loyola Brandão

Ignácio de Loyola Brandão nasceu em Araraquara (SP) em 31 de julho de 1936. É autor de Cadeiras proibidas, Zero, Não verás país nenhum, Cuba de Fidel, O beijo não vem da boca, Veia bailarina, entre muitos outros livros.

3 comentários

Anônimo disse...

Mais uma vez, tenho a alegria de encontrar uma excelente revista,dirigida por Daufen Bach, Profesor, Poeta, Periodista e... Padre! Tenho que dar-lhe os parabéns pelo rico conteúdo da Revista Biografia e pela bela iniciativa de divulgar conhecidos e novos valores da nossa literatura latinoamericana, como é o caso de Remisson Aniceto, de quem tenho lido textos maravilhosos e de quem ainda - pela alta qualidade de seus textos, ainda teremos muitas notícias. Parabéns, Daufen!!!

Anônimo disse...

Foi uma grande alegria conhecer este magnífico poeta aqui na Revista Biografia. Que estilo cativante de escrever ele tem! Que habilidade com o jogo de palavras, seja na poesia rimada ou nos versos livres. Amor,morte e vida, desilusão, esperança, tristeza e alegria, natureza, família... todos estes temas são habilmente retratados pelo Reminson, nos fazendo passar maravilhosos momentos de leitura. Este site está de parabéns por publicar tanta literatura de qualidade. Um abraço!

Mônica Saldanha
monicasald@bol.com.br

Marcio disse...

Bela revista Biografia, com conteúdo diversificado, sempre atualizado,trazendo poesia, crônica, biografia, cinema, artes plásticas... uma maravilha.