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AMOR: QUATRO LETRAS TOLAS [ Raul J.M. Arruda Filho ]

AMOR: QUATRO LETRAS TOLAS 

Não há nada mais complicado do que os relacionamentos amorosos. Na melhor das hipóteses, se assemelham ao caminhar na corda−bamba ou ficar preso na areia movediça. Ao menor descuido − catabum! − a catástrofe assume o centro do palco e se instala como se tivesse direitos vitalícios para bagunçar a vidinha mais ou menos de qualquer indivíduo mais ou menos que resolveu perder o sossego em alguma confusão mais ou menos.

Aquela história fofinha de que "quando um não quer dois não brigam" raramente se aproxima da verdade. Conversa pra boi dormir. Em qualquer deus-nos-acuda afetivo, alguém sempre está em pé de guerra. Borduna na mão. Disposto a destruir o outro sem piedade. Dá até para ouvir o som do crânio rachando. Isso se a vítima tiver sorte. Normalmente não tem.

Claro, a diversão proporcionada pela reconciliação vale qualquer sacrifício. Embora os rituais de conquista sejam exercícios de crueldade, ninguém foge da arapuca. Brincar com o passarinho na gaiola é diversão garantida. Inclusive porque ficar estressado pelo resto da vida nunca foi bom negócio. Preciosos instantes de tranqüilidade são alimentos essenciais para corações combalidos. Deixar – impunemente − a toalha molhada em cima da cama, por exemplo, constitui pequena compensação para o tumulto diário. É nesses momentos que a vida adquire algum sentido. Infelizmente, o preço da liberdade cobra juros e correção monetária. Por isso, enquanto o boleto, quinhentas salgadíssimas parcelas, não aterrissa debaixo da porta cabe aproveitar beijinhos, abraços e muito mais. Aliás, é por esse "muito mais" que o combate encontra suas mais importantes justificativas. Sem medir esforços. Ou tréguas. Cinco minutos (recorde mundial!) de sexo selvagem recarrega as baterias por algumas semanas. Verdade ou não, pouco importa. A canalhice masculina exige que esse assunto seja relatado (sem os detalhes íntimos, claro) em final de tarde, lá no boteco da esquina, entre cervejas e gargalhadas. 

Como ninguém consegue conviver com a felicidade, a paz desaparece de forma delicada, deliciosa. Duelo ao final da tarde ou no meio da noite, quem é que consegue sacar a arma primeira? Pouco importa, é hora do quebra−pau. Literal. Nenhuma novidade. Elefante em loja de louças não brinca com origami. Uma palavra na hora errada, um gesto menos apaixonado, flores de plástico, uma adolescente que caminha pela calçada (vestindo um daqueles shortinhos que provavelmente causará o desalinhamento dos planetas). Qualquer coisa. Até coisa nenhuma. Que o estado natural dos relacionamentos é a guerra. Tiros trocados entre algozes não doem − muito. Velhos hematomas costumam ser substituídos por novas cicatrizes.

Motivos justos para agressão bélica, tiros de canhão, gritos ou esquecer-se de comprar o iogurte favorito da cara metade são causados por ataques de carência, chatice explícita, ciúme mórbido ou grude excessivo. É o horror, o horror. Não há tesão que resista a esse massacre. Exaurir o veio aurífero com dinamite. 


Amor rima com flor e dor. Nos piores poemas. Não há dúvidas ou dívidas. É preciso força e determinação para disputar bola dividida. Diversão é aquilo na mão e a mão naquilo. Sem apertar ou arranhar, que golpe sujo não vale. Quer dizer, vale−tudo entre quatro paredes, desde que as paredes não caiam em cima do casal, espetáculo sem igual nas manchetes do jornal. Então, (de)compostos no ritmo sem ritmo das regras propostas pelo cio, cabe começar a arruaça. Nem que seja por pirraça. Bobo é quem deixa de perceber essas sutilezas da paixão. Da ilusão. Miragem e oásis fazem parte da paisagem. Melhor se houver bastante sacanagem.

E o estopim para gerar tanta energia sempre encontra abrigo na possibilidade de novo round. Para principiar incêndio basta isqueiro. Ou caixa de fósforos. Ao longe, como se fosse raio solar, o olhar fagueiro alimenta o fogaréu. O amor é isso, quatro letras tolas, prêmio de loteria ou música. Beijo, porrada e desejo. Entre as chamas da cama, você diz que me ama. Eu também.



Raul J.M. Arruda Filho, 53 anos, Doutor em Teoria da Literatura (UFSC, 2008), publicou três livros de poesia (“Um Abraço pra quem Fica”, “Cigarro Apagado no Fundo da Taça” e “Referências”). Leitor de tempo integral, escritor ocasional, segue a proposta por um dos personagens do John Steinbeck: “Devoro histórias como se fossem uvas”. 
Todos os direitos autorais reservados ao autor.

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