Poesia na ponta da agulha
ORTHOF, Sylvia. Ponto
de tecer poesia. Ilustrações de Tatiana Paiva. São Paulo, FTD, 2010. 40
p.
Há uma enorme
semelhança entre agulha, lápis, bico de pena e varinha de condão. Com todos
esses objetos se pode produzir mágica. Bordar com linha ou com letras, no
tecido, no papel ou na vida é trabalho para quem sabe pegar o fio, seja ele da
palavra ou da linha, e fazer brotar dele a poesia. Às vezes, construindo apenas
um suave desenho de amor.
Neste livro vamos encontrar 25 poemas, curtos e com grande linha melódica, com
rimas que mudam de lugar, que variam entre um verso e outro, mas que ecoam de
forma leve e quase sempre bem humorada, para falar do exercício de escrever, de
amar, de viver.
Os poemas da obra
ora definem o que é poesia, ora comparam-na com o trabalho constante da
natureza, trançando seus fios, seja no trabalho da aranha, na lã da ovelha, no
algodoado de uma nuvem, nas penas de um passarinho, na asas de uma borboleta,
na teia do sol, na tecelagem fininha da neblina, na linha desmanchada do
horizonte. É o uso de palavras como essas que vão dando aos poemas do livro uma
flutuação e uma transparência, que chegam a fazer o leitor sentir o voo: o do
poema, no vento; o do lenço bordado, assoprado pela emoção; o das canções de
amor, como nas modinhas cantadas nas serenatas ao pé da janela da amada.
Mas há, na
linguagem simples e nos versos curtos um universo feminino que acaba por
sobressair de modo claro, alvo e brilhante. São sereias, rendeiras, belas
adormecidas, Penélopes, fadas e bruxas, pespontadas com brincadeiras verbais,
para provarem que poesia e bordado, seja com agulha ou pena, exigem um toque de
delicadeza e de alegria.
Para o leitor notar o inesperado da poesia, há um punhado de imagens lapidadas:
os quilos de beleza, os litros de chuvarada, um colar de contas de orvalho, os
metros de luar de purpurina. São cativantes as tentativas para fazer voar o
verso, a lembrança e o espinho que ficou fincado no poeta, e que o faz poetar.
Por fim, os
poemas bordados, com tantos diferentes pontos – de crochê, de cruz, de
alinhavo, de rendendê, etc. – acabam por denunciar a fragilidade do amor, mas
também a gostosura do beijo , a maciez dos tecidos, o perfume dos raminhos de
flores e das ervas.
A ilustrações vão
aparecendo no livro como se ele estivesse sendo ajardinado, com pétalas de
tecidos e linhas, que criam mesmo a sensação de que um doce aroma se espalha
pelas páginas de fundo branco, com rendas, cambraia e linho. Embora, digam os
versos que o espinho da poesia está espetado no poeta.
Sylvia Orthof, a
autora, sabe poetar como ninguém, usando um ponto-vida que canta, alegra e
reluz cheio de cor. Fanny Abramovich, reconhecida especialista em literatura
infantil, apelidou-a de maravilhenta no texto da contracapa. Mas também chama
atenção para a boniteza que emana das ilustrações de Tatiana Paiva, feitas em
tecido próprio para bordar, povoado de linhas, colagens, botões, miçangas,
vidrilhos e pontuando o livro com leveza e com ternura.
Este trabalho
também prova que poesia é mesmo sem idade! E que linha e escrita se embaraçam
muito bem embaraçadas e coloridas na pena do escritor e no pincel do pintor. Ou
seria ao contrário?
Celso Sisto
é escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá
(RJ), ator, arte-educador, crítico de literatura infantil e juvenil,
especialista em literatura infantil e juvenil, pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutor em Teoria da
Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUC-RS) e responsável pela formação de inúmeros grupos de contadores de
histórias espalhados pelo país.
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