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"Manual prático de bons modos em
livrarias"
(Seoman, 232 páginas, R$ 32)
(Foto: Divulgação)
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Os leitores e suas loucuras
Danilo Venticinque, na revista Época
Por que perdemos o bom senso ao entrar numa livraria?
Há quem acredite que ler livros é um sinal de
inteligência. Discordo. A convivência diária comigo mesmo e as conversas com
outros leitores me mostraram que somos tão atrapalhados, distraídos e
imperfeitos quanto os não-leitores. Lemos não por superioridade nata, mas pelo
desejo ingênuo (ou inconsciente) de tentar mitigar nossas falhas intelectuais.
É um esforço divertido, mas de eficiência duvidosa. Sou uma prova viva disso.
Já usei esta coluna para dizer as maiores obviedades, me contradizer e espalhar
inúmeras bobagens. Errei as grafias de títulos de livros e nomes de autores.
Chamei Franz Kafka de alemão – o coitado nasceu em Praga. Esqueci os créditos
de tradução de um livro e tive de me desculpar, na caixa de comentários, com a
própria tradutora. Graças à infinita tolerância da internet aos erros, essas
bobagens foram corrigidas. Algumas desapareceram rapidamente; outras,
vergonhosamente tarde. Que venham as próximas.
Para quem ainda acredita que nós, leitores, merecemos
crédito por nossa inteligência, Manual prático de bons modos em livrarias
(Seoman, 232 páginas, R$ 32) é a prova definitiva do contrário. O livro é uma
coletânea de textos publicados no blog homônimo, criado em 2011. Sua autora, a
livreira Lilian Dorea, coleciona histórias engraçadas do cotidiano nas
livrarias e relatos de conversas insólitas com fregueses. O resultado é um
retrato bem-humorado de nossos piores momentos dentro de uma livraria,
registrados por quem tem a paciência infinita necessária para nos atender.
Depois de ler os relatos reunidos no livro, não me restaram dúvidas. A
literatura é infinitamente vasta, mas nossa ignorância é ainda maior.
Manual prático de bons modos em livrarias revela que
somos incapazes de cumprir tarefas aparentemente simples, como reconhecer que
uma livraria vende livros, que e-books não ficam em prateleiras e que o sujeito
uniformizado com o crachá no meio da livraria é, sim, um vendedor.
Isso sem falar no nosso total despreparo para encontrar
os livros que procuramos. É como se deixássemos o senso crítico na entrada da
livraria e nos atirássemos numa série interminável de atitudes vexatórias.
Desaprendemos a pedir "por favor" e a dizer "bom dia" aos
livreiros. Procuramos Saramago nas prateleiras de literatura brasileira e Clarice
Lispector nas de autoajuda – e ainda reclamamos quando eles não estão lá. As
palavras e ideias se embaralham em nossas cabeças. Maquiavel vira o autor de O
pequeno príncipe, Vade Mecum vira Mad Max e Herman Melville, de Moby Dick, vira
o fundador da rede Starbucks. E há aqueles momentos em que, cegos pela nossa
ânsia consumista, nos esquecemos de tudo sobre nosso objeto de desejo. Há quem
chegue à livraria sabendo apenas a cor de sua capa do livro que quer comprar,
ou uma palavra do título. E azar do livreiro se não conseguir encontrá-lo.
Atormentados pela convivência com esses leitores,
alguns livreiros sucumbem e passam a agir como eles. A autora, impiedosa, não
deixa de registrar esses momentos. Há o vendedor que confunde os romances de
Agatha Christie com histórias de vampiros. Há a que mistura Ágape, do Padre
Marcelo Rossi, com O Aleph, de Paulo Coelho. E outra que, incapaz de escrever o
nome de Max Weber corretamente no sistema, tenta convencer o freguês de que um
livro do autor não existe. (Há alguns anos, na seção de discos de uma grande
livraria de São Paulo, perguntei ao vendedor sobre uma gravação do Requiem de
Mozart. Ele respondeu, impassível, que Mozart não gravou nenhum rap. A história
não tem nada a ver com o livro, mas tive de registrá-la aqui.) São falhas perdoáveis.
Como escreve Lilian, "o delírio é contagioso". Todo livreiro é um
leitor, antes de tudo, e está sujeito aos problemas cognitivos que nos acometem
quando pisamos numa livraria.
Alguns leitores ou livreiros podem se identificar com
as histórias e sentir vergonha de erros passados. Não importa. Lembre-se de que
o senso comum é generoso com os leitores: conservaremos sempre nossa fama de
inteligentes, apesar de todas as nossas bobagens. E podemos nos divertir com
elas. É impossível ler o Manual prático de bons modos em livrarias sem rir dos
leitores e de seus disparates. Para entrar no clima, não anote o título antes
de procurá-lo numa livraria. Esqueça o nome da editora. Diga ao livreiro que
você quer o livro daquela blogueira. Aquele com a capa meio cor-de-rosa.
Danilo
Venticinque -Editor de livros de ÉPOCA
Conta com a
revolução dos e-books para economizar espaço na estante e colocar as leituras
em dia. Escreve às terças-feiras sobre os poucos lançamentos que consegue ler,
entre os muitos que compra por impulso
Twitter:
@daniloxxv
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