Não consigo transar com cachorro olhando.
Eu fico pensando o que o cachorro está pensando
daquilo.
É um menage à trois espiritual.
Coitado do cachorrinho condenado a presenciar a
sequência de loucura carnal, gritos e acrobacias estrambólicas para sua
espécie.
Não tem problema de o cachorro adormecer com sua dona,
a gravidade está em não colocá-lo na sala durante a transa.
Pode ser limitação de minha parte, mas é traumatizar o
bichinho.
Meu amigo Carlinhos pagou o pedágio do constrangimento.
Iniciara uma relação com Emília, corretora de imóveis.
Estavam cochilando quando o jogo das carícias esquentou.
Ele experimentava aquele momento de entender a mecânica
da casa: intimidade recente, mergulhado na condição fantasmagórica de
visitante. O respeito era maior do que a própria opinião, fase que não se usa o
banheiro sem pedir licença.
A namorada tirou a roupa enquanto o Terrier roncava no
canto da cama.
Carlinhos arriscou argumentar:
— Não é melhor…
— Não, ele não dá bola…, ela respondeu de supetão, não
permitindo que concluísse a frase.
Não dar bola remeteu a cenas anteriores com outros
parceiros. Não foi legal.
Quer dizer que ele não incomoda, e isso já aconteceu
várias vezes, por sinal.
Para o homem, o sexo deveria ser superior a um cachorro
olhando. Carlinhos não desperdiçaria a chance e também tirou a roupa.
Quando desenvolveram o vaivém frenético, não é que o
Terrier se aproximou de Emília e passou a lamber seu rosto?
A interrupção levemente incomodou Carlinhos, que fingiu
entender a queridice, mas também cuidou para registrar onde o Terrier lambia e
não repetir o lugar da investida.
Manteve sua postura concentrada. Homem distraído broxa.
Além de namorar Emília, precisava encontrar rapidamente
um jeito de se proteger do ciúme canino.
Simultaneidade não é o ponto forte do macho. Fez de
conta que estavam a sós, que o cachorro representava um boneco de pelúcia. Um
boneco com pilha, pois se mexia.
Com o aumento dos gemidos da namorada, o cão acirrou o
cerco. Já rosnava, já latia, já mexia o rabo com violência, já ia para trás com
o corpo e para frente com o focinho, como um animal de guarda pressentindo
perigo.
Apesar dos inconvenientes, Carlinhos insistia em
transar com Emília. Ela, invocando os espíritos de quatro; ele, segurando a
cintura dela com força.
O Terrier não desistia. Ainda era possível gozar,
ainda, até o instante em que Emília se preocupou em acalmar a mascote:
— Para de latir, ele não está machucando a mamãe!
Só um ninja para não se abalar com o comentário.
Ilustração: Eduardo Nasi
Crônica publicada no site Vida Breve
Fabrício Carpinejar-poeta,
cronista, jornalista e professor, mestre em Literatura Brasileira pela
Ufrgs. Vem sendo aclamado por escritores do porte de Carlos Heitor Cony,
Millôr Fernandes, Ignácio de Loyola Brandão e Antonio Skármeta como um
dos principais nomes da poesia contemporânea.
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