Sua ex que vá para o inferno!
por Stella Florence
Ela é especial. Ela é sua ex. Ela te fez conhecer os
píncaros do êxtase. Ela foi sua amiga. Ela foi sua confidente. Ele te amou. Ela
foi tudo que você sempre quis. Ela é a melhor, a maior, a única! Pois é. Mas se
ela é tão perfeita assim, por que te deixou? Você está aí, largado na sarjeta
emocional, justamente porque esse anjo de candura te deu um pé nos fundilhos
com chute extensivo às bolas. Que raio de amor é esse que ela nutria por você
que não se manteve de pé?
Ah, mas ela ainda te ama, do jeito dela, da maneira que
ela pode agora, ela continua te amando, é o que você diz. Então tá,
cara-pálida. Ela te ama. Eu estou até emocionada com o tanto que ela te ama.
Vamos recapitular: ela te abandonou, ela te trocou por outro (e por outras
coisas), ela não voltou atrás, mesmo você se debulhando de dor, e agora ela
está transando com outro, dividindo colheradas de sorvete com outro, tomando
banho com outro, dando risada com outro, fazendo comida pra outro, indo ao
cinema com outro, gozando com outro, e isso, é claro, só pode ser sinal do que,
Lombardi? De que ela te ama, Sílvio!
Há muitas, muitas pessoas assim como você, que cultivam
feridas de amores que terminaram – e o uso do verbo cultivar já encerra uma
ação toda especial, toda cheia de mimos, de salamaleques para com a dor. Sim,
existe quem faça reverências ao próprio pus e monte uma barricada de aço no
coração para que ele se mantenha tão malcheiroso e insalubre quanto possível. E
esse cultivo é feito com tamanha volúpia que essas pessoas (assim como você)
não se dão conta, nesse autolamber-se ininterrupto, do quanto machucam o
possível amor que vem depois (apenas possível: nesse quadro desértico raramente
um novo amor encontra espaço para frutificar).
Mas voltemos a você, cara-pálida – embora não tenhamos
saído. Você me disse que o amor com sua incrível-mega-amada-ex terminou na
prática, mas não no seu coração, o que é perfeitamente legítimo. No entanto,
terminou, certo? Pelo menos no cenário daquele troço mais conhecido como
realidade, convivência, intimidade, acabou. Fato.
Portanto, eu quero te perguntar uma coisa: por que você
não ficou sozinho? Por que me colocou aí, nesse lugar infeliz, bem depois da
sua incrível-mega-amada-ex? Por que tratou de me enxergar se é só a ela que
você vê? Por que eu tive de aguentar você broxando, você chorando por ela, você
me comparando a ela? Por que diabos você não meteu seu ego murcho numa sacola e
foi para algum retiro espiritual? Por que deu em cima de mim feito um carcará
sanguinolento até me ganhar? Pra quê? Pra me fazer passar por uma via-crúcis
que é toda sua?
O mais triste é que eu sei que fui a melhor coisa que
te aconteceu ano passado. E eu sei que você só vai perceber isso quando eu
estiver fora do seu alcance, completamente perdida, perdidamente apaixonada por
outro - tanto quanto ela, a sua incrível-mega-amada-ex, está agora mesmo.
Stella Florence
nasceu em 1967, é escritora formada em Letras e vive em São Paulo. Tem
uma filha, 30 tatuagens e oito livros. É exatamente desse modo, objetivo
e charmoso, que a autora de "Hoje Acordei Gorda" e "Ser Menina é Tudo
de Bom", entre outros títulos, costuma se apresentar.
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