por Flávio Gikovate
Até hoje, muita gente gosta de pensar que o
encantamento amoroso acontece por acaso e de modo mágico (como se fôssemos
mesmo vítimas das flechadas aleatórias do Cupido). Não é o que acredito.
Desde 1976 venho tentando entender quais as variáveis
que determinam a escolha dos parceiros sentimentais. A tarefa é difícil porque
está relacionada com múltiplas variáveis e isso costuma ser motivo para que
algumas pessoas privilegiem uma delas e desconsiderem outras igualmente
importantes.
Penso que existem pelo menos três ingredientes muito
relevantes na escolha sentimental: o fato daquela pessoa despertar algum tipo
de entusiasmo erótico, a presença nela de alguns ingredientes particularmente
agradáveis para o que se encanta e também um aspecto claramente racional
relacionado com a admiração.
Cada um desses elementos tem seu peso e, de alguma
forma, todos participam do fenômeno, aparentemente mágico, que faz com que uma
pessoa neutra se transforme, em pouco tempo, em alguém essencial e único, longe
de quem parece impossível imaginar a continuidade da vida.
Muitos são os que privilegiam, mais que tudo o
ingrediente erótico: quando um homem sente um forte desejo sexual por uma
mulher, costuma confundir isso com amor – até porque em nossa cultura ainda
prevalece a ideia freudiana de que “todo amor é sexual”.
Quando uma mulher se sente fortemente excitada ao se
perceber desejada por um dado homem também costuma atribuir isso ao fato dele
poder ser o tão esperado “príncipe”.
O desejo sexual nem sempre é um bom conselheiro, visto
que ele muito frequentemente se manifesta como consequência de uma forma mais
exibicionista com que certas mulheres se apresentam socialmente ou da maneira
mais agressiva e direta de expressão do desejo por parte dos homens mais
ousados e, por vezes, impertinentes.
Sem desprezar sua importância, penso que o entusiasmo
sexual deve ser avaliado com cautela e à luz dos outros ingredientes.
Os aspectos menos específicos e que são, juntamente com
o sexo, capazes de despertar entusiasmos
sentimentais quase imediatos – amor à primeira vista – estão relacionados com
peculiaridades daquela dada pessoa e que entusiasmam a alguns e não
obrigatoriamente a outros: o timbre de voz, o jeito de andar, o sorriso, a
maneira de se apresentar socialmente, a delicadeza dos gestos, além de alguns
aspectos da aparência física e que podem lembrar pessoas relevantes do passado
daquele que irá se encantar. A esse conjunto, costumo chamar de “fator x”, algo
indefinido e muito personalizado. “O fator x” nos influencia bem mais do que
costumamos pensar.
O terceiro componente relacionado com o surgimento do
encantamento amoroso tem a ver com a admiração, aspecto racional e que deriva
dos critérios de valor de cada pessoa e também de sua autoestima. Pessoas com
baixa autoestima tendem a admirar aqueles que são seus opostos – os tímidos
admiram os extrovertidos, os mansos valorizam os mais agressivos… Se levarmos
em conta apenas esse aspecto da questão, fica claro porque tendem a ser
frequentes os encantamentos entre pessoas diferentes, em geral diametralmente
opostas. Fica clara também a tendência à repetição, ou seja, à escolha de
sucessivos parceiros com características semelhantes – e nem sempre as que
melhor combinam com aquele que escolhe.
Aquelas pessoas portadoras de boa autoestima e mais
corajosas tendem a se encantar por criaturas mais parecidas consigo mesmas.
Digo que a coragem é peça essencial nesse processo porque o encantamento entre
pessoas com mais afinidades tende a ser mais intenso, determinando uma sensação
de iminência de fusão, algo que aparece como muito ameaçador. Surge uma
dependência muito forte, associada a um enorme medo de sofrimento em caso de
ruptura. Surge também uma grande sensação de ameaça à individualidade, como se
os amantes fossem mesmo se “fundir” e se transformar em “uma só carne”. Surge
um terceiro medo, relacionado com a própria sensação de felicidade, como se ela
atraísse “más vibrações” vindas das pessoas não tão satisfeitas
sentimentalmente. O medo transborda as fronteiras do razoável e aparece
consubstanciado em algumas expressões que usamos correntemente: “isso está bom
demais”! “Estou morrendo de felicidade”! O tema é muito importante e certamente
voltaremos a ele.
É importante registrar também que nossa cultura sempre
privilegiou a escolha de parceiros complementares, tipo “a tampa e a panela”,
de modo que a aliança entre pessoas muito semelhantes ainda é vista como
inadequada e tediosa por muitos dos defensores das formas mais tradicionais de
encantamento amoroso. Isso porque não existem muitas divergências, atritos ou
brigas, o que pode parecer, para alguns, motivo de desgosto. A verdade é que a
maioria dos casais se desentende sempre pelos mesmos motivos e as brigas sim é
que são monótonas e repetitivas.
Penso assim: a vida em comum é chata e tediosa quando
as pessoas que se casam são chatas e tediosas!
Flávio Gikovate-
Médico-psiquiatra, psicoterapeuta, conferencista e escritor. Atualmente
apresentando o programa “No Divã do Gikovate”, na rádio CBN, e dedicando a
maior parte do tempo à clínica.
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Nenhum comentário
Postar um comentário