Descobertas
cartas íntimas de um dos mentores do Holocausto
Cineasta israelita detém cartas, fotografias e diários
da família de Heinrich Himmler a que um semanário alemão teve acesso. Documentário
sobre Himmler estreou 9 de Fevereiro, na
64.ª edição do Festival de Cinema de Berlim.
A vida privada de uma das figuras de topo do regime
nazi vai ser observada à lupa nas próximas semanas. Cartas, fotografias e
diários de Heinrich Himmler — um dos orquestradores do Holocausto, responsável
pela morte de cerca de seis milhões de judeus durante a II Guerra Mundial
(1939-1945) — e da sua mulher, Margarete Himmler, vieram a público. O
comandante das SS vai ser revisto, a partir deste espólio, num documentário
israelita a estrear no Festival de Cinema de Berlim a 9 de Fevereiro. Um
semanário alemão começou neste domingo a lançar uma série de artigos sobre a
figura histórica.
A partir do material, é possível conhecer detalhes da
vida e do relacionamento entre Heinrich e Margarete Himmler, os passeios ao
campo que faziam já em plena guerra ou as opiniões anti-semitas que
partilhavam. “Estou a caminho de Auschwitz. Beijos do teu Heini”, lê-se numa
das cartas, citada pelo jornal britânico The Guardian. O tom cândido do excerto
contrasta com os acontecimentos que tiveram lugar no campo de concentração de
Auschwitz, na Polónia, onde 1,1 milhões de pessoas foram mortas, a maioria
judeus, a maioria em câmaras de gás.
Heinrich Himmler e Margarete Boden conheceram-se em
1927, ano em que Himmler fazia 27 anos — Margarete era sete anos mais velha. Em
1928 casaram-se. Quando se conheceram, Himmler já pertencia ao Partido Nazi
desde 1923. Em 1933, quando se iniciou o III Reich de Adolf Hitler, Himmler era
comandante das SS, a polícia política nazi, cargo que manteve até 1945, quando pediu
a Hitler para se render. O alemão acabou por se suicidar a 23 de Maio de 1945
em Luneburgo, na Alemanha, já depois de ter sido capturado pelas forças
britânicas.
Quanto ao percurso das mais de 70 cartas, um diário,
fotografias, livros de receitas e outras notas agora conhecidas, sabe-se menos.
Segundo o semanário alemão Welt am Sonntag — que neste
domingo publicou o primeiro de oito longos artigos sobre Himmler e os novos
documentos —, dois soldados norte-americanos encontraram o material em Maio de
1945 na casa do comandante nazi na Baviera. Décadas depois, no início dos anos
de 1980, o material surgiu nas mãos de Chaim Rosenthal, um sobrevivente do
Holocausto que vivia em Israel.
Não se sabe como Rosenthal obteve este material. Mas a
polémica que se instalou em 1983 devido à publicação de Os diários de Hitler
pela revista alemã Stern e pelo jornal britânico The Sunday Times — mais tarde
soube-se que os diários eram falsos — ofuscou os documentos de Himmler.
Em 2007, o pai de Vanessa Lapa, uma cineasta israelita,
comprou o material a Chaim Rosenthal, oferecendo-o depois à filha. A cineasta
produziu com este espólio um documentário que vai ser estreado mundialmente na
Berlinale, o festival de cinema de Berlim. Vanessa Lapa partilhou ainda o
material com o jornal alemão Welt am Sonntag, que confirmou a autenticidade dos
documentos, enviando-os para historiadores e especialistas alemães sobre o
período nazi.
Um casal malvado
A pilha de documentos está escondida num cofre de um
banco em Telavive. Mas o pouco que já se conhece do seu conteúdo ajuda a pintar
o quadro de uma família anti-semita. “Todo estes negócios dos judeus, quando é
que esta gente se vai embora para que nós possamos apreciar as nossas vidas?”,
lê-se no diário de Margarete Himmler, citado pelo The Guardian, numa entrada em
Novembro de 1938, um ano antes da guerra começar.
“Minha pobre querida, que tem de discutir com aqueles
miseráveis judeus por causa de dinheiro”, escreve o marido, a 28 de Abril de
1928, em plena República de Weimar, antes da Grande Depressão. “Odeio e irei
sempre odiar o sistema de Berlim, que nunca te irá estrangular, a ti, mulher
pura e virtuosa”, escreveu Himmler em Dezembro de 1927. “Berlim está
contaminado. Toda a gente só fala de dinheiro”, escreveria a mulher, um ano
mais tarde.
Nos documentos, Margarete descreveu o marido como “um
homem mau com um coração duro e rude”, mas que era “uma mulher de sorte por ter
um bom homem tão mau que ama tanto a sua malvada mulher como ela o ama a ele”,
volta a citar o The Guardian.
“Esta colecção é importante porque a questão de como o
Holocausto foi humanamente possível continua no ar desde o final da guerra”,
explica Haim Gertner à Associated Press. Gertner é director da Divisão de
Arquivos da Yad Vashem, que contém uma das maiores colecções de documentos
sobre o Holocausto. Apesar disso, para o especialista, nem os documentos
privados de uma das figuras mais importantes na hierarquia do Partido Nazi
ajudariam a compreender completamente aquele acontecimento.
No entanto, para Haim Gardner estes documento privados
ajudam a comparar dois lados de Himmler: “Alguém que vive em privado uma vida
aparentemente normal, ao mesmo tempo que é o líder público de um assassinato em
massa”.
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