A morte das formigas, o
peso e a leveza.
Ando pensando no Peso e na
Leveza e no Eterno Retorno e lembrando de uma cena minha quando criança. A
criança que fui e que naquele dia bagunçou as ordens do mundo com o pensamento.
Naquele dia, sentada no chão de terra queimada do sertão baiano, ali permaneci
chorando a tarde toda atormentada por perceber que enquanto corria livremente
com os pés descalços aquela terra, matava com indiferença dezenas talvez
centenas de formigas e outros insetos insignificantes de tamanho ínfimo. Eu
ainda não devia saber quem era Hitler, mas a culpa que senti e me fez chorar
durante toda a tarde, ali, sozinha, sentada ao pé de um pé de umbu, foi de tal
forma pesada que talvez seja semelhante a que Hitler devia ter sentido pelo que
cometeu na Segunda Guerra, e antes até.
Eu que era forte e não
chorava nem quando apanhava nem por dor, chorava um choro sincero, soluçava,
sozinha, e me intrigava ao perceber que talvez somente eu estava pensando na
morte cotidiana e insignificante das formigas naquele momento. E chorava
justamente por isso, porque eu me tornava tão insignificante quanto as formigas
pelas quais chorava ao chorar por elas. Aquele choro não tinha nenhum sentido
no mundo das dimensões humanas. Nem para o Universo. O sol brilhava forte, as
árvores balançavam com a brisa.
Tudo, o Universo todo, parecia não perceber
sequer que as formigas morriam e que eu chorava por elas. Comecei a perceber
que se soubessem que eu havia passado a tarde toda chorando pela morte das
formigas seria ridicularizada, ficaria envergonhada. Porque na ordem do mundo e
do Universo, os que choram a morte cotidiana das formigas são tão
insignificantes quanto as próprias formigas.
Também percebi que se
chorava pelas formigas devia chorar também a morte de todos os seres vivo e
quiçá dos que cremos serem inanimados. Não sentem as pedras a mesma dor que eu
sentia ao pisar nelas? E quando com as mãos entranhamos a água não a
machucamos? Pensar tudo aquilo doía e o instinto de autopreservação me dizia
que aquilo beirava à loucura e o levar do pensamento me mostrava como tudo
parecia tão singularmente em harmonia, como a morte das formigas participava
daquela harmonia e como tudo era dessa forma tão ordenado e perfeito.
Há um Mistério inexplicável na ordem do
Universo. Na verdade ainda choro pela morte ignorada das formigas e sinto
vergonha mesmo é de não poder dizer ao mundo que choro por isto. Hoje digo
porque percebo que, na verdade, somos todos tão insignificantes quanto as
formigas. Para o Universo, eu, os judeus e as formigas são igualmente insignificantes.
Janne Alves de Souza - Publicitária,
bacharela em Comunicação Social: Publicidade e Propaganda pela PUC-SP.
Pesquisadora intercambista no Curso de Licenciatura em História da Arte
da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (Portugal) com bolsa do
Programa Fórmula Santander de Mobilidade Estudantil. Artista plástica,
desenhista e fotógrafa amadora. Escreve para o site Obvious Lounge no
blog: Megalomaníaca (http://lounge.obviousmag.org/megalomaniaca).
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