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Expectativas demais podem
ser um problema para qualquer relacionamento, a crônica "O quereres"
é inspirada na música homônima de Caetano Veloso, na voz de Maria Gadú.
As coisas não estavam bem
entre Alex e Érica há algum tempo. Com pouco mais de um ano de namoro, o casal
vinha se desentendendo semana após semana, até que, após um banho bem quente e
demorado, Alex sentou na cama onde a namorada o aguardava e permaneceu por
alguns instantes sem dizer uma palavra, inerte, como que estivesse tomando
coragem. Até que não aguentou mais.
— Érica, não estou
confortável com essa situação.
— Do que você está
falando, amor?
— Acho que é um pouco
óbvio que não estamos indo muito bem. Já são algumas semanas de
desentendimentos constantes. Acho que o melhor que fazemos é cada um tomar o
seu caminho.
— Eu não acredito que
estou ouvindo isso. — disse Érica com a expressão de quem não esperava por
aquela revelação.
— Pois acredite! É melhor
nos separarmos enquanto não temos nada ainda mais sério.
— Você arrumou outra? É
isso? Pode falar, eu aguento!
— Pare de bobagem, Érica!
Nem parece que você esteve presente nesses desentendimentos que passamos.
— Mas aquilo foi bobagem,
Alex… A gente se ama! Não é por causa de um ou outro desentendimento que
devemos nos separar.
— Não, Érica. Você está
errada. Eu te amo e você se ama, resumindo: nós te amamos! Eu e você!
— Que mentira! Você vai
dizer que não considera tudo o que eu fiz por nós?
— Olha, vamos encurtar a
conversa. Quanto mais alongar será pior. O problema é que você espera muito de
mim. Eu não consigo atender suas expectativas. É isso! Eu não sirvo para você!
— Como assim?
— Vou te dar alguns
exemplos para ver se você entende. Pode ser?
— Tá bom!
— Lembra quando eu te
disse que tinha rinite alérgica? — diante do aceno positivo que Érica,
continuou — Érica, preste atenção, te falo que tenho rinite alérgica e o que
você faz? Compra um gato! Um gato!
— Mas é que achei que não
teria problema, amor. E estávamos meio brigados…
— Claro! Então pode! Como
não vi isso? Estávamos meio brigados e isso faz com que você traga um animal
que me fará tomar antialérgicos para poder dormir na sua casa. Normal.
Érica tentou argumentar em
defesa do bichano, mas Alex continuou a falar:
— Tem mais. Lembra quando
você me fez comprar ingressos para um musical? Você sabe que detesto musical.
Mesmo assim, comprei. E o que é que você fez?
— Amor, para com isso, vai
ficar relembrando tudo? Jogando na minha cara?
— O que é que você fez,
Érica?
— Eu…
— Você não foi! E sabe por
quê? Porque sua amiga ficou gripada. Só por isso.
— Mas você não entende,
sou muito ligada aos amigos! Isso é problema?
— De jeito nenhum, mas
você nem sequer me perguntou. Tomou a decisão de dar o bolo e foi embora assim
que ela te ligou. Nem desculpa pediu. E o compromisso comigo, aonde é que fica?
— Mas…
Mais uma vez, Alex
interrompeu Érica e continuou a puxar o extrato:
— Calma! Nem precisa se
justificar. Não vou lembrar todas as vezes que você me deixou na mão ou não teve
consideração por mim. Vou apenas colocar a cereja no bolo.
— Tem mais?
— Lógico que tem! Semana
passada estávamos falando em casamento. Sobre como faríamos para resolver tudo.
Eis que a senhorita teve uma ideia brilhante: devíamos comprar um apartamento.
— E o que tem isso? Todo
mundo compra!
— Vou mostrar com laranjas
para ver se você entende, fique tranquila, farei com bastante calma. Veja bem,
o uso que você fez do verbo “dever”, em seu futuro do pretérito no plural,
“deveríamos”, dispensa o uso do pronome “nós”, contudo, ele está lá.
“Deveríamos” significa “nós deveríamos”. Entende?
— Ai, lá vem você com
essas regras de português! Mas, tudo bem, você está certo, nós deveríamos.
Satisfeito?
— Que bom que você
entendeu! Agora que sei que o problema não foi gramatical, vamos ao conteúdo.
Quando sugeriu a compra do apartamento eu propus que você desse o seu de
entrada e eu pagasse as prestações de um bem maior e melhor localizado. E o que
aconteceu? Você respondeu que não poderia contribuir.
— Claro, levei anos para
comprar meu apartamento sozinha! Não vou vender jamais!
— Eu entendo
perfeitamente, Érica. Agora pense por outro ângulo: nós deveríamos comprar um
apartamento e, segundo você, o seu atual não seria dado de entrada e você não
pagaria as prestações, ficando todo o pagamento dele sob minha
responsabilidade. Correto?
— Sim, correto, mas você
ganha mais do que eu!
— Claro, claro… E talvez,
minha remuneração seja um reflexo de minha competência, sem o uso de sorte ou
qualquer outro talento. Essa competência também me permite fazer analogias e
raciocínios simples como o que fiz para formar uma opinião a respeito. No seu
modelo de casamento, deveríamos comprar um apartamento para ser nosso. Contudo,
somente eu deveria pagar por ele e o seu atual continuaria sendo exclusivamente
seu. Resumindo: o seu é seu, o meu é nosso! Diante dos fatos, propus um
casamento com separação total de bens e você se sentiu ofendida!
— Do jeito que você fala,
até parece que eu sou interesseira, Alex!
— Não, Érica. Esse é o
ponto do início dessa conversa. Você não é interesseira, você só tem
expectativas demais. Nestes casos, você esperou que eu fosse ser o maior otário
do mundo! Sinto muito, mas como disse antes, não consigo atender as suas
expectativas.
Não foi um ou outro fato
isolado que pôs fim ao casal, mas sim o conjunto da obra, a sucessão de
insucessos. Nenhum amor morre de ataque cardíaco, nem de algo fulminante, morre
de inanição.
Marcelo Vitorino-
Trabalho com publicidade desde 1999 e, depois de um tempo, acabei indo
naturalmente para o marketing e desde 2007 passei a integrar o pessoal
do marketing digital.Como
produtor de conteúdo na internet estreei escrevendo o Pergunte ao Urso,
um projeto que visava entender como funcionava o consumo de conteúdo
pelo público feminino. A ideia deu certo, o blog virou dois livros, teve
presença em rádio, mídia impressa e até na televisão. Chegou a ter um
milhão de acessos mensais.No
final de 2012 decidi que era a hora de virar a página e encerrar o
projeto. Publiquei todo o meu aprendizado em um documento que está
disponível na internet, portanto, se você quer começar um blog, sugiro
que leia. Acabei
me viciando em escrever e interagir com o público. Já que não fui forte
o bastante para largar o vício, entendi que o melhor caminho era
começar outro projeto. Sou
fruto de uma família muito numerosa e como acabei chegando por último
tive uma formação muito diferenciada. Aos 14 anos escutava muita Bossa
Nova e MPB, depois passei a escutar Samba, Blues, Jazz e Soul. Fui
escutar Rock e outros gêneros musicais bem mais velho. O fato é que sempre gostei de música. Para mim, todo grande momento da vida tem uma trilha sonora. Como
referências literárias tenho dois modelos: Nelson Rodrigues e Luís
Fernando Veríssimo. O primeiro pela ambientação perfeita que há nos seus
textos, o segundo pelo diálogo e reflexões de seus personagens. Blog: http://naquelamesa.com/
O quereres [Marcelo Vitorino]
Reviewed by Revista Biografia
on
agosto 06, 2014
Rating: 5
Por que ainda produzimos literatura? Cassio Pantaleoni Dia desses, um jornalista amigo meu me perguntou sobre o sentido ...
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