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Poesia em profusão [Leonardo Davino de Oliveira]



Poesia em profusão

por Leonardo Davino de Oliveira[1]



Profusão é excesso. Em tempos de facilidades da disseminação daquilo que chamamos poético, o excesso, o dispendioso e a liberalidade pautam a poesia feita. Em tempos líquidos, a poesia escorre de um suporte a outro com a mesma rapidez com que a palavra é usada, manipulada, trocada, publicada, postada. Tudo aos montes, aos muitos. Como dar conta? Como segurar o que não tem governo? E o que é poesia nesses tempos de transmissão de desejos, de transfusão de afetos, de proliferação do chamado poético? É deixar-se (quase) arrebentar por aquilo arrebata, responde Igor Dias; é o pão profano, fala Léo Rossetti; é amar humores, diz Flávio Morgado; e é o temporário, sugere Moisés Guimarães. Esses quatro poetas - em trocas via mídias digitais e encontros presenciais (de respiração) - estão juntos nessa tentativa de fazer poesia em profusão de meios, de mídias, de termos, de definições, de comunicação. Se o que chamamos de mundo é esse abismo, esse labirinto de atravessamentos, os poetas reunidos aqui se deixam atravessar, uns pelos outros, inclusive, em poemas colaborativos. Flávio Morgado, Igor Dias, Léo Rossetti e Moisés Guimarães se misturam e se perdem um nos outros, adensando a permissividade contemporânea. E o que é o contemporâneo? O a vir. O estar a vir dos portugueses? O que é porque já foi.


O livro Poesia em profusão (Ibis Libris, 2015), idealizado por Moisés Guimarães, pensa e reflete essas questões. A ideia de um trabalho coletivo para pensar um processo aparentemente tão íntimo como o fazer poético equilibra e justapõe as percepções de mundo de cada poeta. Mundos que se conectam pela necessidade de dizer a poesia. O acúmulo de cotidiano e o excesso de referenciais unem os quatro poetas ao mesmo tempo em que, como todo coletivo é pautado por individualidades, singulariza cada um. Assim, o vício de viver em Flávio Morgado - "alas trar / quando / não / fluir" -, as miudezas de Igor Dias - "nem verde, nem madura" -, o religare e o tempo que some em Léo Rossetti - "orações (...) feitas / com brindes de cervejas" - e a tipografia feminina de Moisés Guimarães - "quero sorrisos neutros" estão em processo participativo de olhar aquilo que se descortina do lado de cá da janela: o mundo. Como dar sentido à vida em profusão, à poesia em profusão? Eis o desafio dos poetas, da poesia que esse livro reflete com carinho e acidez.



[1] Professor Adjunto Literatura Brasileira, UERJ / Pesquisador Residente, FBN-RJ



Alguns poemas dos quatro poetas do livro "Poesia em Profusão"



poema escrito por um poeta (Flávio Morgado)



desmedir

quando não

                      couber



insistir quando não tentar



alas                         trar

quando

não

fluir



outrar

              para não estar

a sós

          silenciar

         (por fabricar a voz)



- viver é um vício.





não me invada (Igor Dias) 

não, não, não! não, não, não! não, não me invada;
não! tudo que sobrou do céu é mar

na curvatura da terra, o ar

é só o que sobrou de um quase nada.



não, não! o corpo é também baforada

de ar que não se pode respirar:

asfixia, tontura, desesperar;

é uma solidão de noite estrelada.



na curva da terra, e também no poro

na costa, na crosta, no mar, no corpo,

uma parte é tóxica, outra é maré



a parte que resta é, então, muito pouco,

vulcão, cérebro, istmo, gêiser, pé

sustentando o terremoto onde moro.





Sono (Léo Rossetti)



Meus olhos pesam, cansados

a agenda avassaladora

me devora

meus cílios são fios de chumbo

e me convidam para a morte

de cada dia

eu nego

Meus olhos pesam, coitados

eles suportam o peso do dia

todo dia

a noite seria um presente

não fosse a obrigação de estar

consciente

eu quero



Meus olhos pesam, sedados

inertes e desfalecidos

adormecidos

por eles vejo a escuridão

e a sombra da terra de Morfeu

mas eu...



Que horas são?



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