Poetas para quê?
Quando uma poesia me balança, tenho a impressão de que não há mais nada
a ser dito
por Zélia Duncan
Às vezes
odeio todos os poetas. Os que parecem já ter feito acordos com todas as
palavras e expressões mais sublimes do mundo. Os que descreveram a natureza e
falaram da paixão. Os que pensam em Deus de inúmeras maneiras e discorrem sobre
sentimentos, como se morassem dentro da nossa alma, como se tivessem uma lente
mágica, que enxerga nossas veias, desejos e através de nossas retinas. Esses
que nos tiram do armário com um par de rimas, que deixam claro o quanto somos
todos iguais justo quando, nos momentos mais íntimos, juramos ser os mais
originais e únicos.
Como pode
alguém ser capaz de tentar falar do que nem existe e materializar sensações,
ânsias, gostos, esperas, não gestos? E mais do que isso, como podem conseguir?
A poesia é a mais nobre expressão da literatura, não só pela complexidade
técnica, mas porque vasculha o silêncio entre as palavras, entre as sílabas. Se
alimenta de entrelinhas e subtextos, até quando se faz explícita e
descaradamente simples.
Quando leio
uma poesia que me balança, tenho a impressão forte de que não há mais nada a
ser dito, que tudo está ali, esgotado em sua beleza definitiva. Escrever pra
quê? Mas esse mesmo sentimento se transforma também em movimento. Sempre
perigoso, claro, mas há perigo maior do que não fazer nada quando existe uma
ânsia de caminhar? O perigo de se paralisar é o mesmo de achar que tudo tem
valor. Como saber? Algumas coisas são apenas passos, fundamentais sim, porém
longe do ponto crucial. E o que é o ponto crucial, como reconhecê-lo? Sei lá,
se soubesse, parava de tentar, porque já saberia. E teria alguma graça? A poeta
Ana Cristina Cesar, homenageada da FLIP deste ano de 2016, tem um verso que
diz: “Todo mundo pensa que é Fernando Pessoa”. Me faz sorrir sempre.
Porque a ironia passa não só pela possível pretensão excessiva dos candidatos a
poetas, mas também pelo impacto que a leitura de Pessoa proporciona, levando
tantos para o trampolim da folha em branco. E ele mesmo, vestido de Alberto
Caeiro, ao final de um inesquecível poema afirma: “sentir é estar distraído”.
Me arrasta para o livro de Leminski, que garante e não quero nunca
discordar: “Distraídos venceremos”. Um outro pode querer dizer ainda:
“Distraídos sentiremos”… Vivendo nesse momento de tanto ódio e
predisposição com a opinião alheia, faz mais sentido ainda.
Às vezes
odeio todos os poetas, esses fominhas de beleza! Quando você pensa em dizer
algo lindo pra alguém, pode saber que não será original! É muito duro tentar se
expressar com nossos próprios silêncios, depois de nos reconhecermos naquelas
estrofes, que já encontraram o alvo. Até o lugar do desconhecido eles
frequentam vez em quando, falam inclusive do mistério com maestria: “Quem há de
dizer, oh, alma impotente e escrava, o que a boca não diz, o que a mão não
escreve?”. (Bilac)
Acredito que
ter a poesia como aliada é sempre um ganho na vida. Para podermos nos distrair
em paz e sermos capazes de reconhecê-la, mesmo e talvez principalmente, nos
momentos informais e distraídos.
Outro dia
resolvi rever um documentário sobre alguns autores, entre eles, lá estava
Manuel Bandeira. Podemos então ver o poeta andando pelo centro do Rio, como se
estivesse na coxia da vida, nas saídas de serviço. Passa pelo avesso dos
prédios, pelos canos aparentes, os bueiros meio abertos no chão, as ruas
vazias. Seria um domingo? Só pode ter sido num domingo. Os domingos sabem ser
vazios. Até a filmagem em preto e branco, como parecem ser seus passos, seus
gestos. Então ele entra em casa. Um apartamento pequeno, austero aos meus
olhos, que já viram o mundo cheio de cor, por conta de seus versos. Entra no
quarto, vê-se a cama de viúvo, deixa alguma coisa e vai até a cozinha. Põe no
fogo uma panelinha minúscula, onde só cabe seu tanto de leite, pra misturar no
café. Abre o armário, na altura se sua cabeça, tira o pacote que já vem aberto,
de pão de forma. Põe a fatia numa torradeira cansada. Me invadiu uma tristeza
melancólica, vendo meu poeta ali sozinho, vivendo em preto e branco. Quis
invadir o tempo, pintar a tela, lhe oferecer um brunch. Mas claro que
fui apenas óbvia. Ele na verdade estava muito bem, parecia em paz e sendo ele.
Um sujeito recheado de olhos e coração. Sabia de tantas coisas que jamais
saberei, a não ser que repita mil vezes seus versos e releia sua obra.
Uma
delas me vem de cor, pra me lembrar o quanto ele sabia de beleza e graça:
O que eu
adoro em ti
Não é a tua
beleza
A beleza é
em nós que ela existe
A beleza é
um conceito
E a beleza é
triste
Não é triste
em si
Mas pelo que
há nela de fragilidade e incerteza
Pra
terminar:
O que eu
adoro em ti
Lastima-me e
consola-me
O que eu
adoro em ti é a vida!
Todo dia, a
cada segundo, amo todos os poetas.
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