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75 ANOS DE ODAIR JOSÉ: A LIBERDADE DE CANTAR A REALIDADE.


75 anos de Odair José: a liberdade de cantar a realidade

Um dos artistas brasileiros que mais venderam discos no país fala do passado, das dificuldades e conquistas e de seus novos projetos.
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Com 54 anos de carreira, Odair José viveu de tudo artisticamente. Natural de Morrinhos (GO), mudou-se de Goiânia “meio escondido da família”, como ele mesmo diz, rumo ao Rio de Janeiro – com pouco dinheiro, alguns nomes e endereços de gravadoras em busca do sonho de viver da música. Gravou seu primeiro disco, independente, em 1959, distribuído exclusivamente no Rio de Janeiro. Apesar das inúmeras dificuldades, encontrou a oportunidade e o sucesso em uma das maiores gravadoras do país, a CBS (a mesma de Roberto Carlos), que ele deixou pela Phillips em busca de mais liberdade criativa (durante a carreira, trocaria de gravadora mais algumas vezes, geralmente atrás dessa liberdade). Com 37 discos de estúdio, vivenciou o sucesso e o fracasso de vendas, a celebração e a depreciação e até a excomunhão da Igreja católica.

Odair José (imagem: acervo do artista)

Um artista autêntico e engajado, com olhar atento ao mundo e às contradições e hipocrisias da sociedade, Odair nos concedeu uma entrevista extremamente bem-humorada, demonstrando sua total consciência dos caminhos percorridos em sua carreira e da importância de sua liberdade criativa, e nos adiantou um pouco de seus projetos futuros.


Como foi a escolha de ir para longe buscar o sonho da arte?

Desde os meus 7 anos de idade, quando pedi o primeiro instrumento a meus pais, eu me interesso por música – isso em Morrinhos, cidade onde nasci. Depois, na capital, Goiânia, participei de vários projetos de escola, de bairro, com bandas, e aos poucos fui me descobrindo compositor. Lá pelos 15 ou 16 anos, eu já tinha um caderno com várias canções escritas e tocava aquilo para a minha turma, para as pessoas.

Eu não cantava muito; naquele momento – estou falando de 1964, 1965, 1966 – não era um hábito, não era uma coisa comum fazer música naquela minha turma, a gente tocava músicas que ouvíamos no rádio. De repente me vi com esse repertório e comecei a pensar seriamente nisso. Evidentemente que era uma coisa dentro de mim, porque para a minha família isso era algo inviável.

Em Goiânia havia um programa chamado Juventude comanda, na TV e na rádio Anhanguera, com um comunicador chamado Arthur Rezende. Era um programa de bastante sucesso que tocava música para a juventude. Eu comecei a frequentar esses bastidores, e o Arthur levava para lá artistas que estavam fazendo sucesso no eixo Rio-São Paulo para fazer shows e se apresentar. Por estar ali, eu tinha a oportunidade de conviver com vários artistas da época, de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa a outros menos conhecidos. Em uma oportunidade, o Arthur me colocou junto com o Roberto, e falei que eu tinha algumas músicas (quem sabe ele escutaria as canções). Eu devia ter entre 16 e 17 anos e o Roberto uns 25. Falei para ele das canções e ele virou e me disse: “Me procura no Rio, porque aqui não dá”; claro, ali não dava, o cara estava trabalhando.

E eu fiquei pensando naquilo e de repente fui. Saí de casa meio que escondido – meus pais não iriam concordar com isso –, entrei num ônibus e fui cair no Rio de Janeiro.

Odair José (imagem: acervo do artista)

Como foi o caminho até o sucesso nacional?

Foi complicado. Eu tinha uns nomes e endereços e fui com pouco dinheiro, não tinha muita noção de dinheiro. Cheguei ao Rio de Janeiro, na antiga rodoviária, na Praça Mauá, e fui para um hotel no Centro da cidade, na Praça Tiradentes. No dia seguinte, fui procurar os endereços dos contatos, que eram todos próximos do hotel: a Odeon, a EMI, a Philips, Continental, Copacabana e a CBS. Mas estar próximo é uma coisa, achar as pessoas e ser atendido já é outra história; e descobri logo nas minhas primeiras andanças naquela semana, desde o dia seguinte, que não seria fácil, a coisa seria mais demorada.

Na Praça Tiradentes, do lado do hotel, havia o Teatro João Caetano e o Teatro Carlos Gomes. Nesse último, percebi que sempre havia um monte de gente parada no final da tarde – eram todos músicos –, que se reunia ali para agendar trabalho, encontrar agenciadores. Fui conhecendo um, conhecendo outro e, de repente, também comecei a me entrosar e a trabalhar aqui, trabalhar ali, e não desistindo de ir atrás dos caras das gravadoras.

Odair José (imagem: acervo do artista)

Sua obra explora as situações do dia a dia, o cotidiano das pessoas, revelando a realidade além das hipocrisias. Nessa primeira fase da sua carreira, como foi a relação com a ditadura militar e a censura?

Costumo dizer para as pessoas que escrevo mais sobre o que observo do que sobre o que sinto; evidentemente, ao você falar daquilo que observa, vai colocar o seu sentimento naquela observação. Desde o início, realmente, comecei a falar de coisas que via acontecendo na rua com as pessoas, com o meu envolvimento com as pessoas ou das pessoas entre elas. Minha primeira gravação na CBS, Minhas coisas, já é uma letra falando de uma relação de uma forma diferente. Diferente em que sentido? Eu era jovem, tinha 18 ou 19 anos, e falava como se fosse um compositor de 40 ou 50 anos, como Lupicínio Rodrigues. Eu não estava falando com a mesma linguagem da Jovem Guarda.

Um detalhe: aquelas músicas que eu tinha em cadernos não foram usadas – com exceção de uma que foi gravada por uma cantora chamada Denise Barreto –, porque eram muito verdes, não eram músicas profissionais. Eu comecei mesmo a compor no Rio de Janeiro, trabalhando em boate, observando a vida das pessoas e o dia a dia. Ao fazer isso, vem o lance da hipocrisia, das coisas escondidas debaixo do tapete, da falsa moral. As pessoas são hipócritas, aliás, nós somos hipócritas no geral, somos falsos moralistas muitas vezes e somos de um egoísmo muito grande. É aquele negócio, eu critico o que os outros estão fazendo, mas faço escondido.

Na época em que gravava na CBS, convivi com várias pessoas que mais tarde também vieram a ficar conhecidas, e uma delas era o Raul Seixas. A gente conversava muito – houve uma época em que a gente batia bastante papo, estávamos sempre próximos, depois cada um foi para o seu lado – sobre de que forma a gente poderia colocar a nossa música na cabeça das pessoas, na mídia, como é que ela poderia aparecer. Já havia a velha guarda, o samba, a Bossa Nova, a Tropicália, a Jovem Guarda, já havia uma série de coisas na cabeça de todo mundo. E de que forma você entra aí?

Para ter espaço da mídia na época – e hoje ainda é assim –, você precisava ter uma música que, de alguma forma, com duas, três, cinco execuções, chamasse atenção, porque senão não iria ter muito espaço para divulgar o seu trabalho. O Raul achou a forma dele e eu achei a minha até antes dele. Foi quando escrevi “Vou tirar você desse lugar”, que conta a história de um cara que se apaixona por uma prostituta e quer tirá-la de lá, então entra a censura na minha vida.

Chegou uma carta à editora Euterpe, onde a música estava editada, para eu comparecer no Departamento [de Ordem Política e Social, o DOPS] do Rio de Janeiro. Não fui imediatamente, porque não sabia do que se tratava aquilo, a música estava estourada, fazendo muito sucesso – foi meu primeiro grande sucesso, parou o Brasil, a música vendeu absurdamente e até hoje é muito bem-sucedida –, e eu não tinha muito tempo para ir lá, mas em determinada hora fui para ver o que era aquilo, e era a censura.

Chegando lá, o cara falou para mim que a música não tinha passado por uma apreciação da censura porque eu não era um artista conhecido, não era um artista que estava na tal lista. Ele me disse que a frase “Vou tirar você desse lugar”, para aquele momento, era muito imprópria – ele estava se referindo à frase em relação ao governo. Então eu disse que havia um engano, que eu estava falando de uma prostituta, de um amor. E isso foi pior. Quando falei para o censor, um cara bem antiquado – estavam ele e mais algumas pessoas na sala –, todo mundo me olhou por cima dos óculos, e ele disse: “Pior ainda, então a coisa é muito mais grave”. Taí a falsa moral, a hipocrisia. Ele encerrou dizendo: “A música vai rolar, mas a partir de agora tudo que for gravado, não grave antes de passar por aqui”. Assim começou a minha vida com a censura.

Quando fiz o compacto da pílula, Uma vida só, a gravadora ficou empolgada com aquilo, iria fazer um grande sucesso – e foi assim: gravou num dia, no dia seguinte estava no mercado em fitas e tudo mais. A gravadora fez uma promoção muito grande, e em uma semana a música estava estourada, não sei se pela sua simplicidade ou pelo fato de o assunto ser novo, ou se a mídia era muito grande em cima. Com muita evidência e a gravadora jogando tudo em cima daquilo, a música arrebentou. Na segunda semana, a música estava proibida.

Vim participar de um programa do Silvio Santos aqui em São Paulo; ele era da TV Globo e fazia um programa ao vivo aos domingos. Cheguei a São Paulo com a assessoria da gravadora para fazer o programa, e alguém da produção ou da segurança me disse: “Tem duas pessoas querendo falar com você”. Havia um senhor fardado, do Exército, não sei que patente era, e um civil, de terno. Eles me comunicaram que a música estava proibida, que eu deveria assinar um documento ciente daquilo e que, a partir daquele momento, a música não poderia ser cantada nem tocada em parte nenhuma do Brasil.

Daí para a frente, tudo que eu fazia eles proibiam, foi um inferno.

Odair José (imagem: acervo do artista)

Com 37 discos na carreira, algum deles tem um espaço especial no seu coração?

Há alguns que a gente sabe que foram mais bem-feitos, e eu diria que [isso ocorreu] a partir de Vou tirar você desse lugar, quando mudo de gravadora, saio da CBS e vou para a Philips, porque eu queria um sonho diferente. Quando vou para a Philips, o acordo é: “O que você quer?”, e eu poderia ter dito: “Quero um apartamento de frente para a praia, quero um carro do ano”, mas disse: “Quero que vocês não se metam no meu trabalho, deixem eu gravar o que quiser, botar na capa o que quiser, da forma como eu quiser e, assim, assino contrato com vocês”.

A partir desse momento, faço uns discos muito bons, quando cruzo com o pessoal do Azymuth: o Zé Roberto, o Mamão, o Alex, o Cláudio Ramos, o Hyldon. Vou para o estúdio com uma base muito boa e começo a fazer discos muito bons. Até 1979 fiz discos muito bons, e todos me dão muito orgulho. Depois de O filho de José e Maria, as gravadoras ficaram com o pé atrás a respeito dos meus pensamentos do disco, e até fiquei frágil e deixei eles comandarem o repertório, a forma de gravar, e isso não foi legal. Acho que voltei a fazer bons discos quando comecei eu mesmo a fazer os meus próprios trabalhos sem a vigilância, sem a orientação de gravadora, a partir de 2010.


A CBS tinha uma sonoridade muito fechada?

Isso mesmo. A CBS tinha um som que era um som vitorioso, eles eram praticamente o mercado brasileiro, então o sucesso do Brasil era o som da CBS. Quando decido ir para a Philips, pessoas ligadas a mim disseram: “Não faça isso, não vá para a Philips, você vai se dar mal, tem que ficar na CBS, ninguém larga a CBS, na Philips ninguém vende nada, é um fracasso” – a mesma coisa que um jogador na flor da idade falar que não quer jogar na seleção brasileira –, mas o som da Philips era diferente, e eu, por sorte, fui feliz, faço o disco na Philips, o Assim sou eu, e ele arrebenta. Ele tinha o Waltel Branco como arranjador, um grande músico. Eu queria fazer aquilo que estava vendo lá fora, que era Cat Stevens, Neil Young, o pessoal do Woodstock, Neil Diamond, Bob Dylan.

Odair José (imagem: acervo do artista)

Como é sua relação com os apelidos que lhe deram?

Tem hora que não gosto dos apelidos, tem hora que não me incomodam. O primeiro apelido que foi para a mídia é “o cantor da puta”. Eu respondi muito em rádio se eu me casaria com uma. Sempre teve esse policiamento, essa coisa quadrada, do cara que se ofendia com uma música fazendo tanto sucesso. E eu recebi parabéns, por exemplo, de Dorival Caymmi, que era um gênio, que encontrei nos bastidores da televisão porque ele queria conhecer “o cara do ‘Vou tirar você desse lugar’”. Eu era um rapazinho e ele um senhor, daquele tamanho, com aquele repertório, e ele achou lindo o que escrevi.

Esse foi o primeiro, e em seguida veio “o cantor da pílula” e o que Hildegard Angel escreveu no jornal: “Odair José, o Bob Dylan da Central do Brasil”. Depois, por causa da música de Rita Lee e Paulo Coelho “Arrombou a festa” – que diz “O Odair José é o terror das empregadas / distribuindo beijos, arranjando namoradas” –, virei “o terror das empregadas”.

É legal? Não, não é legal, mas não chega a me incomodar. Mais tarde vieram coisas que acho muito de mau gosto, como “cantor brega”.

Odair José (imagem: acervo do artista)

Aproveitando que você falou do brega. Sua música tem muito do rock, tanto nos trabalhos recentes quanto lá na década de 1970. Por que você acha que foi rotulado de brega?

Como falei antes, saio da CBS e lá as pessoas também copiavam o rock – o Roberto Carlos tinha a referência do rock norte-americano, Paul Anka, Neil Sedaka, Elvis Presley, depois os ingleses, Beatles, Rolling Stones. Acho engraçado porque vejo o Sting falando da casa da moça da luz vermelha na canção dele “Roxanne”, e todo mundo acha ótimo; o próprio Mick Jagger fala a mesma coisa da prostituta e ninguém fala nada, agora eu não posso falar da empregada.

Aí vem a história que tem de ser levada em conta: o porquê da empregada? De onde vem a hipocrisia de tudo isso? Onde incomoda tanto? A música é de 1973; quando se fez a canção, a gente tinha consciência de que empregada doméstica não era uma profissão reconhecida pelo governo. A empregada doméstica era como se fosse uma agregada dentro da casa, como se fosse uma adoção, pois não tinha horário, não havia leis trabalhistas, não tinha nada, ela servia para qualquer coisa – o patrão fazer sexo com ela, o filho do patrão também –, trabalhar dias e dias, noites e noites, era um absurdo. Ela era babá, cozinheira, era tudo e não era reconhecida pelo governo. A música foi feita para chamar a atenção para isso, e eles não quiseram prestar atenção, preferiam dizer: “É o cantor das empregadas, é brega”. Tanto é que o assunto só foi levado a sério no governo da Dilma Rousseff, 40 anos depois.

Hoje estou com 54 anos de estrada, 75 anos [de idade], e o que acontece é – falo isso sem mágoa, sem pretensão, sem nada – que meu trabalho foi muito bem-feito, e em determinado momento diziam: “Vamos tentar diminuir, isso não nos agrada”.

Quando faço O filho de José e Maria, que é um projeto, por que não deu certo? Por que ninguém quis aceitar aquilo? É porque o cantor da pílula não pode fazer uma ópera-rock. O cantor da empregada não pode fazer isso. Quando fui cantar com Caetano Veloso em 1973, aqui em São Paulo, as pessoas vaiaram e não permitiram que a gente cantasse, [no festival de música] Phono 73. Por que vaiaram? Vaiaram porque não permitiam que o cantor das empregadas cantasse ali. Acho que esse tipo de coisa é muito mais sério do que você simplesmente rotular um cara de brega.

Caetano Veloso e Odair José (imagem: acervo do artista)

Você falou de O filho de José e Maria, que é um disco conceitual, com uma grande carga política e social. Como foi a produção dele e sua recente redescoberta, enfim reconhecendo o pioneirismo e a potência artística do disco?

Até já agradeci a Deus e à vida por estar vivo para ver isso. Só quem viveu aquele momento, quem estava lá, e mesmo quem ajudou a bater, sabe o quanto aquilo foi desagradável. Em 1976, quando faço o disco Histórias e pensamentos, que é um disco muito bonito, percebo que ele não causa mais tanto impacto nem na mídia nem no público. Eu já vinha repetindo uma fórmula usada em 1972, 1973, 1974, 1975 e, por mais que você tente trazer uma coisa diferente, você está repetindo fórmulas. Eu costumo até dizer que quem repete fórmulas não faz arte, faz negócio. Eu poderia ter ficado ali, continuado a vender os meus 300 [mil], 400 mil discos. Os shows iriam continuar, ninguém iria me bater, eu continuaria ganhando o meu dinheiro e tudo certo, mas eu digo: “Tenho que fazer alguma coisa diferente”. Paro de fazer shows e fico um ano pensando nesse projeto O filho de José e Maria, no conceito, em como iria ser feito.

Vou compor as canções, vou pensar de que forma elas serão gravadas, vou plugar uma música na outra para contar a história de uma pessoa, vou tocar nesses assuntos de que você falou – o social, a hipocrisia, a falsa moral –, vou tocar na sexualidade das pessoas, vou tocar no afetivo, vou tocar em todas as maneiras. E isso demandou um tempo e uma dedicação muito grandes. Mudei de gravadora, porque eles até queriam fazer, mas queriam que eu fizesse um disco paralelo: “Tudo bem, faz a sua operazinha, mas faz um disco paralelo de verdade para a gente”. Aí fui para a BMG fazer o disco.

Quando lanço o disco, vem todo mundo bater – do meu pai ao frentista –, e a mídia dizia: “Não vá prestigiar isso”. A única pessoa que me ajudou nisso foi o Guilherme Araújo, que era o produtor do disco.

Fiquei anos e anos tentando não me lembrar desse disco, porque foi um horror, as pessoas batendo muito. É como se eu tivesse cometido um grande pecado – aliás, cometi, pois até a Igreja me excomungou, um padre veio a público dizer que eu estava excomungado.

As pessoas até me perguntaram se aquilo tinha me afetado de alguma forma – o João Gordo uma vez me perguntou no programa dele na MTV e eu falei que não, não tinha nada a ver, mas acho que deve ter tido, porque as coisas desandaram tanto para o meu lado que, de repente, ser excomungado pela Igreja não foi bom para mim.

De repente, anos e anos depois, comecei a chegar a shows ou ao aeroporto e pessoas jovens, que geralmente não iriam a um show meu, me abordavam. Eu me lembro de um lance específico após um show, em que uma mulher de uns 40 anos, com um adolescente de uns 15, veio caminhando em minha direção, talvez para pedir autógrafo, tirar uma foto, e eu achei que o filho estivesse só acompanhando, mas ela disse: “Não sou eu, é ele que quer falar com você” – ele estava com o disco O filho de José e Maria nas mãos, que era do pai e ele tinha achado.

Foram os mais jovens que descobriram esse trabalho e o credenciaram, porque, se dependesse da caretice antiga, estava até hoje esmagado.

Cafuringa, Paulo Sérgio Valle, Ivan Lins, Armando Pitigliani, Fagner, Oberdan e Erlon Chaves em pé. Luiz Melodia, Jorge Ben, Rogério, Odair José e Paulinho Tapajós agachados. (imagem: acervo do artista)

Ainda sobre seu impacto nas gerações mais jovens, em 2016 foi lançado um álbum em tributo ao seu trabalho, o Vou tirar você desse lugar, que juntou diversas gerações de artistas para interpretar seus sucessos. Como foi receber essa homenagem?

Quando o Sandro Belo – do selo Allegro, de Goiânia – me ligou dizendo que iria fazer um disco-tributo, achei estranho, porque até então, para mim, tributo é para quando o cara já morreu. Eu disse que estava tudo bem, mas não participei em nada daquilo, não sabia o que ele iria fazer.

Depois, mais tarde, quando o conheci, na entrega de um prêmio, eu soube como é que foi feito: a internet estava começando a fervilhar e ele jogou a ideia na internet, e cada um fez do seu jeito e mandou. Ele me disse que várias pessoas mandaram várias coisas, mas que ficaram de fora.

Quando ouvi o disco, fiquei muito surpreso. Fiquei muito alegre e feliz com o resultado de tudo aquilo e considero as melhores releituras de minhas músicas feitas por outros artistas. Já tive algumas músicas minhas regravadas por colegas, mas naquele tributo foram as melhores releituras que encontrei. E há algumas muito fofas – por exemplo, o Pato Fu cantando “Uma lágrima”, que é a minha primeira gravação em disco independente.

Odair José (imagem: acervo do artista)

Seus trabalhos mais recentes mostram a atualidade de sua obra, que não se mantém presa ao passado ou ao estrondoso sucesso da sua juventude. É natural manter essa atualidade?

Acho que é natural. Não foi natural nos 20 anos em que fiquei repetindo as fórmulas das gravadoras – não que eu não goste dos discos –, mas às vezes coloco alguns para ouvir e penso: “Meu deus, não precisava ser feito”.

Esses discos mais recentes saem naturalmente, e eu fico muito feliz, porque posso me divertir com a coisa. Quando faço um rock, é o rock dos anos 1970, que foi o que aprendi a fazer.

Sobre estar atual, há a questão da liberdade do que eu sei fazer, de não me acomodar.

Posso repetir uma fórmula? Posso, mas desde que ela me venha de uma forma nova, e esse novo projeto atual meu vai ter músicas que talvez vão lembrar discos de desde 1973, mas é porque veio naturalmente, não que eu esteja voltando lá.

Tenho um projeto novo chamado Seres humanos. Nele vou fazer uma leitura dos momentos do ser humano, sejam eles bons ou ruins. São 13 canções. Vai ter música de amor, vai ter música chamando a atenção para os absurdos que o ser humano pratica. Tem uma música que devo chamá-la de “Porta-voz”, que outro dia toquei numa brincadeira e um cara falou “Isso é a cara do Raul Seixas”, então acho legal.


Há um documentário sendo produzido sobre você. O que você pode falar dele?

Já faz tempo que me procuram para fazer uma biografia ou um documentário ou um filme. Eu sempre fugi. De repente, há alguns anos, antes da pandemia, conheci algumas pessoas interessadas em fazer um documentário – e o Raphael, meu produtor e meu filho, fica me instigando –, e então comecei a conversar a respeito. Dizem que é para o meio do ano que vem, e espero que consigam fazer um bom trabalho, que falem do meu trabalho musical. Sei que até pode ter alguma coisa de vida pessoal, mas isso não é do meu interesse. Quero que fale das minhas dificuldades de trabalho, dos meus acertos, meus erros.

Caetano Veloso e Odair José (imagem: acervo do artista)

Qual é a maior lição que a idade lhe ensinou sobre a produção artística, o mundo da música e da arte?

Sobre o mundo da produção da arte, você está sempre aprendendo. Tem uma frase do David Bowie que diz que foi bom ter envelhecido para ver o ser humano que ele poderia sempre ter sido, e eu digo o mesmo. Foi bom ter envelhecido, ter chegado aos 75 para ver o ser humano que eu deveria ter sido sempre, e acho até que esse ser humano hoje é aquele da década de 1970.

O Odair José da década de 1970 tinha certeza do que queria fazer. No disco Essa noite você tem que ser minha, de 1971, estava todo mundo apreensivo, menos eu, porque tinha certeza de que aquilo estava certo. Em O filho de José e Maria, ninguém queria que eu fizesse, mas eu tinha certeza de que deveria ter sido feito e hoje tenho certeza de que não poderia ter deixado de fazer aquele disco – se tivesse ido na onda dos caras, não teria feito.





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