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"PÉS DE LARANJA", UMA CRÔNICA DE LASANA LUKATA

Laranjais em Queimados - Arquivo da Família Pires
"Pés de Laranja", uma crônica de Lasana Lukata


Pés de laranja, pés de manga, pés de limão, pés de abacate, pés de tomate e agora com as guerras, pés de combate, a musa fitomórfica, musa das plantas, escolheu-me para falar dos pés de laranja.

Sendo um texto curto, a melhor frase que encontrei para definir crônica estava no ônibus: Fale ao motorista somente o indispensável. Ocorre que motoristas são humanos e às vezes acordam com vontade de falar mais do que o indispensável. Não é fácil dar de 4 a 7 viagens num ônibus, monologando de si para si, nesta dupla função, dirigindo e cobrando, ser multifuncional, palavra bonita para escravidão. No metrô a jovem da bilheteria agora desempenha mais quatro funções além de cobrar; nas escolas públicas os vigias que trabalham com os olhos, é preciso ver o mal nascendo para o pé de problema mais fácil arrancar, agora têm que limpar banheiros e salas, mas, depois desses espinhos flexíveis que introduzo em sua pele, crônica também solta farpa, subamos nos pés de laranja.

Ora, deu-se o caso de à tarde, Cecílio, motorista da Baixada Fluminense, região geográfica do estado do Rio de Janeiro, trocar o monólogo pelo diálogo e começou a dizer a dois estudantes que Nilópolis foi o maior produtor de laranja do estado em 1940. Isso ele tinha ouvido numa igreja. Já que estamos falando em pés, expressão tipicamente brasileira, repise-se, o motorista era Cecílio.

De fato a Baixada Fluminense foi muito rica em pés de laranja no passado, tanto que existem laranjas desenhadas na bandeira da cidade de Nova Iguaçu, apelidada de “Cidade Perfume” por conta do intenso e adocicado cheiro das flores que atraíam as abelhas e também as moscas. Ah, as moscas! Exportadas para outras nações, as laranjas tinham papel significativo na economia do país, tanto que o Presidente da República mandou um avião borrifar inseticida para combater a “praga da mosca”, mas não houve jeito e, falidas, as grandes fazendas de laranjas tornaram-se lotes, ficaram diminutas como a crônica e dizia o motorista: “Passa lá hoje pra ver se você vê um pé de laranja!”. E eu disse meu Deus, é mesmo um Cecílio! Não consegue enxergar um pé de laranja! Com é isso? Tem olhos e não vê! Assim vai viver para o resto da vida atrás de um volante!

O motorista parecia o moço de Eliseu. Eliseu era um profeta que fazia saber ao rei de Israel todos os planos do rei inimigo, o rei da Síria, que chegou a pensar haver traidores no seu reino, porém, um dos seus servos lhe disse: “Há um profeta por nome Eliseu que faz saber ao rei de Israel as palavras que tu, Oh rei da Síria, fala na câmara de dormir!”. Então à noite, o rei sírio mandou um exército cercar a cidade onde estava Eliseu. Bem cedo quando o moço se levantou e saiu, viu-se cercado por um grande exército com cavalos e carros e disse a Eliseu: Ai, meu senhor! Que faremos? E Eliseu respondeu: não temas; porque mais são os que estão conosco do que estão com eles. E orou Eliseu: Senhor! Peço-te que lhe abras os olhos, para que veja. E o Senhor abriu os olhos do moço, e viu; e eis que o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo em redor dele e de Eliseu. Veja o leitor que o moço de Eliseu só via o inimigo; não via em volta de si o exército que os protegia; foi preciso Eliseu orar, pedindo a Deus que abrisse os olhos do rapaz. Pois, inspirado nessa história, resolvi fazer a mesma oração pelo motorista de Nilópolis, dentro do ônibus cheio: “Ó Senhor, peço-te que lhe abras os olhos para que veja…” E o Senhor abriu os olhos ao motorista e ele viu que a Baixada Fluminense era um lindo pomar, cheia de pés de Laranja. Pés de Laranja 33/34; 35/36; 37/38; 39/40...

Crônicas são rapidinhas com as musas: nada planejado, tudo flamejado.





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LASANA LUKATA é poeta por usucapião, nascido, criado e sofrido em São João de Meriti, o Formigueiro das Américas, tendo publicado recentemente os livros: A Madrasta de Pedra e A garça finge sua brancura, editora Autografia. A garça é sua professora de esgrima e ele mesmo diz: meus olhos são dois cavalos rebeldes, que de repente disparam pra longe e regressam com as patas sujas de versos.


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