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“RECLINAVA-SE NO BANCO A TUA AUSÊNCIA” E “ARROZ PROIBIDO”, DUAS MINICRÔNICAS DE LASANA LUKATA


Parque Nacional do Itatiaia

“Reclinava-se no banco a tua ausência” e “arroz proibido”, duas minicrônicas de Lasana Lukata

Reclinava-se no banco a tua ausência

O passeio do SESC tinha como destino Itatiaia. Um ônibus com 46 lugares. A manhã, clara, seguíamos pela Presidente Dutra e comecei a olhar a paisagem. Comecei a ver as garças vaqueiras, cada garça, muito territorialista, tomava conta de um boi. De súbito percebi que havia uma garça sem boi, exibindo uma brancura solitária. O ônibus seguiu. Fez uma parada em Resende. A cena da garça sem boi me fez rascunhar versos. Desci mas não me encaminhei ao restaurante, pois os passarinhos, como dizia Ferreira Gullar, estavam chegando. Fiquei junto à porta e o pessoal descendo e eu anotando versos numa agenda.

Ao me dirigir ao restaurante o dono disse que meu lugar era lá nos fundos. Olhei e vi o motorista e o guia turístico sentados, comiam de graça. Eu tentei dizer ao dono que eu era simples passageiro, mas ele cortou a conversa dizendo, admiro sua humildade, eu vi você na porta anotando, você é o homem da caneta, pode ir lá para os fundos que já mando servi-lo, abri a boca e ele disse, rapaz... Obedeci. Sempre obedeço aos mais velhos. Foi assim que, na vida, evitei abismos. Comi de graça. A poesia nos prepara cada surpresa...

Chegamos a Itatiaia. A água extremamente gelada. No parque havia pássaros e aves empalhados. Havia uma garça, garça-azul, mas que ainda era branca polvilhada de manchas marrons que lembravam ferrugem. A empalharam na muda. Entre o branco e o azul. A garça para quem não sabe na água defende-se com o bico, mas e no ar? Como escapar de seu terrível predador o gavião? No ar a garça dá um jato de fezes na cara do gavião que o queima e ele cai. É muita acidez. A garça é plágio do urubu.

Saímos de Itatiaia e pegamos novamente a Dutra. Eu estava curioso para ver as garças novamente. Entardecia e lá estavam elas, cada uma com o seu boi e novamente a poesia com as suas belas surpresas: a garça que estava solitária agora dividia um mesmo boi com outra garça, numa inesperada fraternidade que talvez seja comum e sob a força do hábito não percebamos. No instante em que vi a cena, sentado no último banco, o ônibus deu um solavanco como se a vida quisesse me ferir; olhei para frente e vi que todos estavam aos pares e somente eu ia sozinho. E veio aquele verso voando, uma punhalada sem remédio: reclinava-se no banco a tua ausência.



Arroz proibido

A previsão do tempo na quarta-feira anunciava chuva para sábado. Sábado vinha pela Rua Primeiro de Março e percebi que havia casamento na Igreja Nossa Senhora do Carmo.

O casamento terminou na hora do almoço. Sendo o cronista um arroz de festa, parei para ver uma tradição: a chinesa chuva de arroz. Sim, vem da China. A China é convicta no arroz até para a prosperidade, mas o que vimos naquela tarde foram bolhinhas de sabão sopradas sobre a noiva: O arroz está proibido para evitar quedas porque a igreja responde juridicamente caso alguém venha a se lesionar; o arroz está proibido, inclusive pelo preço.

Bolhinha vai, bolhinha vem, ventava, comecei a ver que, embora uma improvisação, a substituição além de criativa era simbólica por que HOJE OS CASAMENTOS SÃO BOLHINHAS DE SABÃO.





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LASANA LUKATA
é poeta por usucapião, nascido, criado e sofrido em São João de Meriti, o Formigueiro das Américas, tendo publicado recentemente os livros: A Madrasta de Pedra e A garça finge sua brancura, editora Autografia. A garça é sua professora de esgrima e ele mesmo diz: meus olhos são dois cavalos rebeldes, que de repente disparam pra longe e regressam com as patas sujas de versos.

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