Virgens
tardias (livro “Os Indecentes” de Stella Florence)
De uma época doida em que a virgindade era exigida
entramos numa outra época, tão doida quanto, em que a não-virgindade é exigida.
Outro dia ouvi uma menina de catorze anos fazer a seguinte pergunta num
programa de rádio:
– Minhas amigas me zoam porque ainda sou virgem. O que
eu faço?
Não vou reproduzir a resposta dada, mesmo porque não
concordo com ela, mas dou a minha, enxerida que sou:
– Meu amor, mande suas amigas crescerem. Até lá, tem
uma plantação de batatas à espera delas em Jurubetana do Sul. E o mais
importante: como assim, você é virgem “ainda”? Você é virgem e ponto! Não faça
o que é bom para a sua mãe, para as suas amigas, para o seu namorado ou para a
sua religião: apenas o que é bom pra você. Tenha catorze ou quarenta anos, você
tem todo o direito de ser virgem – se é o que deseja – e ninguém tem nada a ver
com isso.
Se, numa hora dessas, uma menina já sofre pressão,
imagine uma mulher feita. É um constrangimento atrás do outro. Até eu perder a
virgindade, quase aos vinte e três, ouvi coisas do tipo:
– Você tem algum problema psicológico? Trauma? Fobia?
Neurose? Ou é problema físico mesmo? Doença? Infecção? Peste?
E lá ia eu dizer, mais uma vez: não encontrei a pessoa
certa. Ao que me respondiam: a pessoa certa não existe. Mentira. Existe, sim.
Pelo menos a pessoa certa para aquele momento existe e ela pode permanecer um
dia ou uma vida inteira a seu lado.
Em outras palavras, tudo bem ser criteriosa (aliás,
devemos ser sempre criteriosas, não só na primeira noite), o que não pode é
cair no exagero e ficar esperando o Thiago Lacerda pousar de pára-quedas no seu
quintal. O prazer, as estrelas, os fogos de artifício e mais o que você quiser
talvez estejam na padaria da esquina, na festa de aniversário do seu primo, na
fila do cinema ou, como no meu caso, no assento dezessete de um ônibus rumo à
praia.
Virgens tardias podem ter escolhido sublimar a
sexualidade, podem carregar feridas tão grandes que as imobilizam, podem não se
sentir maduras ou apenas não ter encontrado um cara legal, os motivos não
importam. Vamos respeitar.
Eu não estou aqui defendendo a virgindade, defendo,
sim, o direito de mulheres adultas não serem vistas como aberrações apenas
porque nunca fizeram sexo. Ou porque decidiram, por motivos particulares, nunca
mais fazer. Ou ainda porque decidiram, por motivos particulares, não fazer durante
um longo e indeterminado período. Minha insistência nos “motivos particulares”
é apenas para lembrar algo que deveria ser óbvio: ninguém tem nada a ver com o
que uma mulher adulta faz com sua vida sexual. Ou com o que ela deixa de fazer.
Stella Florence
nasceu em 1967, é escritora formada em Letras e vive em São Paulo. Tem
uma filha, 30 tatuagens e oito livros. É exatamente desse modo, objetivo
e charmoso, que a autora de "Hoje Acordei Gorda" e "Ser Menina é Tudo
de Bom", entre outros títulos, costuma se apresentar.
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