Um Nobel para Manoel de
Barros
Wander Lourenço*
Desde o encantamento de
João Cabral de Melo Neto – sim, porque o mestre João Rosa, espécie de
primogênito literário do autor de Gramática expositiva do chão, dizia que as
pessoas não morrem, ficam encantadas, todavia –, um certo Manoel que, em sua
assinatura e graça contrariaria a própria grafia lusitana, assumiu o bastão de
excelência da poesia brasileira como o mais inspirado representante do Olimpo
deste Éden brasilis, acompanhado de muito perto por um pós-concretismo social
de Ferreira Gullar do Poema sujo e da afluência mítica de Carlos Nejar d’Os
viventes. Mesmo a incluir-se em todo o panteão de bardos pátrios, com Carlos
Drummond de Andrade a assumir o leme da Nau Capitania lírica e outro Manuel, o
Bandeira de Carnaval e Evocação ao Recife, de modo a secundar a antológica
exclamação “Terra à vista”, o poeta mato-grossense Manoel de Barros há de
figurar entre os expoentes máximos da lírica da “Última flor do Lácio”, que
ousaram desobedecer a Zeus, Luís de Camões e os orixás da Bahia de Todos Os
Santos de Gregório de Matos e Guerra, conforme o fizera Vinícius de Moraes.
É preciso atentar para o
artista da palavra que, quiçá em sua
“agramática ignorança”, certa feita predisse que o responsável pela dimensão
humana “é a alma, o olho alma, depois a metragem, para reivindicar em nome
deste genial sujeito um galardão do calibre de um Nobel de Literatura, quando
inopinadamente profere que: “Maior que o infinito é a encomenda.” NoTratado das
grandezas ínfimas”, consoante sua didática da invenção, haveria de estar
escrito que a definição de Poesia se adivinha “quando a tarde está competente
para dálias”. Destarte, a poesia de
Manoel de Barros adentra o pensamento mais racional para desarrumar a pirâmide
das ideias, com frases encantatórias em disfarces de assovio da flauta de
Orfeu, quando a criança o leitor a escutar a cor dos passarinhos.
É verdade que foi Manoel
de Barros quem nos ensinou que “as coisas não querem mais ser vistas por
pessoas razoáveis”, por predileção de serem “olhadas de azul”. Porém, não seria
presumível advogar pela causa da premiação em homenagem ao homem que, em língua
portuguesa, entre os escritores lusófonos contemporâneos decerto há de ser o
que mais estaria em condição de igualar-se a José Saramago pelo prestígio que o
Brasil ainda não obteve da academia sueca, ao contrário do México de Octavio
Paz, do Chile de Pablo Neruda, da fabulosa Macondo colombiana de García Márquez
e agora também do Peru de um magistral Vargas Llhosa de Conversa na catedral.
Quando o Carlos Nejar foi indicado ao Nobel, em 2013, pela Academia Brasileira
de Filosofia, em entrevista para o documentário Dom Quixote dos pampas, a
acadêmica Nélida Piñon ao ser indagada se haveria alguma possibilidade de o
poeta, tradutor e ensaísta gaúcho abocanhar o prêmio máximo da literatura
universal, a ficcionista de Uma canção para Caetana pediu que desligássemos a
câmera para nos afirmar que não se sentiria à vontade ao abordar a referida
temática, de vez que de certa maneira todos os confrades da ABL vislumbravam
ser agraciados com tal reconhecimento internacional.
Em retorno ao barro do
Manoel, por não ter “habilidade para clarezas”, em sua “sabedoria mineral” do
“Auto-retrato falado”, o eu-lírico se apresenta ao leitor como “Venho de um Cuiabá
de garimpos e de ruelas entortadas. / Meu pai teve uma venda no Beco da
Marinha, onde nasci. / Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do chão, /
aves, pessoas humildes, árvores e rios. / Aprecio viver em lugares decadentes
por gosto de estar / entre pedras e lagartos. [...] Me procurei a vida inteira
e não me achei — pelo que fui salvo. [...] Estou na categoria de sofrer do
moral porque só faço / coisas inúteis”.
Ao recriar criar os seus
‘inutensílios’, como a exemplo do abridor de amanhecer, o bardo pantaneiro
chama a atenção para o fato de que tudo aquilo que a civilização “rejeita, pisa
e mija em cima” serviria para a Poesia. E assim como aquela rã que se achava
importante, porque era o rio que passava
em suas margens e estava ao pé dela, poder-se-ia dizer que o Nobel que se
abeira da obra poética de Manoel de Barros só não gorjearia ainda mais a sua
importância por estar aos pés deste magnífico Menino nonagenário que, de tanto
carregar água na peneira, fez uma pedra da flor.
*Wander Lourenço de
Oliveira, doutor em letras pela UFF e pós-doutorando da Universidade de Lisboa,
é professor universitário e autor de diversos livros, entre os quais, ‘O enigma
Diadorim’ (Nitpress) e ‘Antologia teatral’ (Ed. Macabéa). -
wanderlourenco@uol.com.br
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